Cultura

Um causo por um conto

Redação DM

Publicado em 22 de janeiro de 2016 às 20:47 | Atualizado há 5 meses

O lance poético de Daniel Viana é o seguinte: ele para na rua com sua máquina de escrever e troca um causo por um conto. Desse jeito. A pessoa pode contar uma situação estranha que passou ou talvez dizer como se apaixonou pela primeira vez, Daniel nunca sabe bem o que esperar, mas sempre ao final a pessoa terá um conto (quase um bordado) feito ali naquela hora. Ele também tem o projeto chamado Guardanapos Poéticos que é bem isso que o nome já diz. Publicou os livros 100 contos por 10 contos trocados no ano de 2013, Baseado em Causos Reais, no ano de 2014 e Quase um livro para crianças no ano passado. Conversamos com o artista sobre esses trabalhos e também sobre alguns fatos menores que permeiam sua obra e a vontade de escrever. Confira:

DM Revista- Você começou a escrever quando? Como foi seu primeiro contato com a literatura?

Meu primeiro contato com a literatura veio por estímulo de uma professora na sétima série, até então não era leitor nem escritor. Depois deste contato comecei escrever alguns rascunhos, sem pretensões, e não acreditava que um dia seria chamado ou conhecido como poeta. Em 2012 encontrei na casa da minha mãe a minha máquina de datilografar, acabei trazendo-a para São Paulo na esperança de criar algum trabalho artístico, acabei por homenagear meu pai, que era poeta e pescador com pouco estudo, mas escrevia diariamente seus poemas curtos e prendia na porta da geladeira de casa.

Dessa forma, no período de um ano desenvolvi meu primeiro projeto literário, escrevi e datilografei em guardanapos um poema ou conto por dia, depois prendia esse resultado nas ruas por onde passava para ser encontrado por desconhecidos. Esse ritual diário me apontou um caminho de escrita, comecei circular por eventos literários e no mesmo ano lancei meu primeiro livro, que mesmo sendo independente sem representação de editoras e circulação nas livrarias, a primeira tiragem de 1000 exemplares esgotou em menos de um mês. Aos poucos fui compreendo que a literatura sempre esteve em mim, eu só precisei aceita-la e encarar de frente, como profissão, e não mais como um passatempo. O exercício de escrever poesia todos os dias como um ritual, me fez experimentar outros caminhos de escrita e até mesmo despertou a vontade de ler mais, saber mais. Ainda sei pouco, mas vou escrevendo diariamente com o pouco que aprendi.

DM Revista– Fale um pouco dos projetos que você participa e criou.

Comecei questionar o lugar do escritor que se isola em um ambiente para criar, um lugar comum para muitos escritores, mas eu-escritor queria o contato direto com o público-leitor, acabei indo para a rua e transformei as calçadas no meu lugar de trabalho, sou poeta de rua. Foi ainda em 2012 que criei o projeto “Guardanapos Poéticos”, e iniciei uma série de intervenções e ações literárias para a rua. Entre elas, destaco o “Troco um causo por um conto”, ação onde escuto histórias reais do público e transformo em poesia datilografada como um presente dessa troca para presentear o contador da história; outra ação é o “Poeminha para Puta”, onde retiro dos orelhões de São Paulo os classificados de prostituição e a partir da descrição do classificado escrevo um poema, depois ligo do orelhão para a prostituta e recito por telefone o poema que escrevi para ela; tem também o “Bala_vras” que utilizo um baleiro giratório com balas e palavras, o público pode sortear ou sugerir até 3 palavras que queiram que apareça em um poema, e eu escrevo o poema de imediato para presentear a pessoa. Enfim, são muitos os estímulos que utilizo para poetizar a rua e o público que circula por ela, é sempre gratuito para o público, de maneira individual e discreta, mas acredito na força que há nas miudezas. Sou um escritor que não pára, que sente prazer na troca humana e me encanto facilmente com a oralidade popular.

DM Revista – Você tem algum livro lançado?

– 100 contos por 10 contos trocados (2013): O livro reúne uma série de 100 contos e poemas curtos, os textos são resultados da ação que realizei durante um ano escrevendo poesias diariamente e espalhando pelas ruas.

– Baseado em causos reais (2014): Este livro reúne 100 poesias que tiveram como inspiração histórias reais que ouvi nas ruas de 24 cidades durante um ano, memórias contadas por uma diversidade de pessoas.

– Quase um livro para crianças (2015): Este livro é “quase” um livro, reúne uma coleção de expressões populares e propõe a continuação do livro pelo leitor.

Todos meus livros foram lançados de maneira independente e são encontrados diretamente comigo, ou através da página do projeto: Guardanapos Poéticos. Para 2016, venho madurando o material de um próximo título que pretendo lançar no final do ano.

DM Revista – Existe algum escritor da atualidade que te influencia?

Alguns escritores são responsáveis pelo meu prazer pela leitura e naturalmente me influenciam na escrita, entre eles destaco Marina Colasanti, autora do primeiro livro que li (Contos de amor rasgados) e até hoje é uma grande inspiração; outras influências e admirações são João Anzanello Carrascoza, Marcelino Freire, Rodrigo Círiaco e Manoel de Barros.

Por um outro lado, acredito que estamos vivendo uma fase produtiva na literatura, os saraus tem sido um movimento crescente e estimulado a criação e exposição de vários escritores jovens e até então desconhecidos, por isso acabo tendo a alegria de chamar de amigo alguns escritores que admiro, entre eles: Euler Lopes, Luiza Romão, Bobby Baq e Renan Inquérito.

DM Revista – Estar próximo do público como você está é algo diferente para um poeta (geralmente o contato é o livro). Como é essa troca?

Por ser um poeta de rua e usar uma máquina de datilografar, acabo atraindo os olhares curiosos e a aproximação desperta o interesse em conhecer meu trabalho, é muito comum a pessoa se aproximar e em seguida adquirir meus livros. Em um momento onde o dinheiro tem tanta importância sugerir uma troca causa sempre um estranhamento. Incrivelmente, as gentilezas assustam. Proponho na rua a troca poética, transformando histórias reais em poesia gratuitamente, claro que tenho contas a pagar, tenho gastos, mas sou remunerado quando sou convidado para eventos literários, recebo para realizar a intervenção em outros lugares e sempre vendo meus livros, assim vou me equilibrando financeiramente. Não importa o lugar onde estou, para o público minhas intervenções sempre são gratuitas, não quero que o dinheiro seja um impedimento de aproximação para a poesia e acredito que uma história de vida compartilhada tem muito mais valor.

DM Revista – Atualmente quase ninguém disponibiliza um tempo para ler. Atuar na rua, entre as pessoas, é fácil?

A exposição que a rua dá é sempre uma linha tênue, não é fácil, mas é prazeroso. São diversas as situações que vivi nas ruas, o contato direto com o público desperta a curiosidade e o interesse pelo que faço, ao saber que a história deles tem grande importância para um desconhecido e através da poesia posso apontar isso, é para mim um presente. Prefiro colecionar os momentos de emoção que vivi na rua do que listar os poucos momentos ruins. Eu acredito nas pessoas, acredito na bondade que há nelas, e estar frente a frente com a pluralidade que há nas calçadas é para mim o combustível de seguir criando, realizando e poetizando os espaços urbanos.

 

DM Revista – Porque escrever poemas em guardanapos? De onde veio a ideia?

A utilização do guardanapo para a criação das minhas poesias não é somente por estética. O guardanapo de papel é um material frágil e individual, à mesa cada um tem o seu, é único. Crio uma relação do material com as histórias que são compartilhadas comigo na rua, são únicas e frágeis.

DM Revista – Conte para os leitores do Diário da Manhã uma experiência interessante que você teve com o seu trabalho.

Cresci na periferia, estudei em escola pública com ausência de professores e excesso de alunos na sala de aula, fui aluno repetente, abandonei os estudos no ensino fundamental e só me formei no ensino médio aos vinte e poucos anos cursando o supletivo. Mesmo longe da escola não me afastei dos livros, eu acredito que os livros abrem portas (imaginárias e reais), aconteceu comigo. Meses antes do Museu da Língua Portuguesa ser destruído por um incêndio, uma série de poetas vivos foram homenageados com a exposição “Poesia Agora” e alguns foram convidados para uma programação especial, entre eles, estava eu com minha máquina de datilografar realizando o trabalho que faço nas ruas, sendo reconhecido como poeta brasileiro. Por isso repito, um livro abre portas, e estou sempre disposto à dar o primeiro passo.


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