“Valores pelos quais lutamos têm de ser defendidos”, diz Pedro Almodóvar
Estadão Conteúdo
Publicado em 2 de janeiro de 2022 às 21:06 | Atualizado há 4 meses
Por toda sua vida, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, 72, superou as dificuldades recorrendo à imaginação. Nascido em 1946, o diretor de “Dor e Glória” e “Mulheres À Beira de um Ataque de Nervos” cresceu numa Espanha dominada pela ditadura de Francisco Franco, que tomou o poder em 1939 depois de a extrema direita ganhar a Guerra Civil Espanhola. Franco governou até sua morte em 1975. Após a guerra, o ditador e seus comparsas perseguiram democratas, anarquistas, socialistas e comunistas, além de judeus, ateus, homossexuais, feministas e líderes sindicais.
Almodóvar – um ateu que se descobriu gay assim que assistiu ao filme “O Clamor do Sexo”, película dirigida por Elia Kazan lançada em 1961 – estava entre aqueles que o franquismo via como indesejáveis. Mas, enquanto Franco governava, o jovem fissurado em cinema queria escrever um roteiro. Seus primeiros filmes foram produzidos na década de 70, com uma câmera Super 8 que lhe ajudava a fazer de sua imaginação uma espécie de instrumento para afrontar os princípios do franquismo, o que pôs em prática desde o começo da carreira, no curta “La Caída de Somoda”.
Mais experiente, já com “Tudo Sobre Minha Mãe”, “Volver” e “Abraços Perdidos” no currículo, todos celebrados como obra-prima, Almodóvar está no auge de sua força criativa. Em “Mães Paralelas”, longa-metragem que deve ser distribuído pela Netflix no começo deste ano, de acordo com a Variety, o diretor volta ao terreno melodramático. Penépole Cruz e Milana Smit fazem duas mães solteiras cujos filhos são trocados ao nascer. O segredo delas vai se desnudando ao espectador à medida que o filme começa a investigar um passado oculto: as valas comuns da Guerra Civil.
Segundo
o historiador Paul Preston na obra “El Holocausto Español”, pelo menos 200 mil
homens e mulheres foram assassinados sem um processo legal. As mortes foram
cometidas tanto por nacionalistas quanto por republicanos, mas esse método
baseado no terror foi colocado em prática num primeiro momento pelas forças ligadas
ao franquismo, ao acreditarem que precisavam aterrorizar a classe trabalhadora
urbana e camponesa para “purificar” o país e acabar com qualquer tipo de resistência.
Penépole Cruz, queridinha do cineasta, vive uma fotógrafa de moda chamada Janis que está na meia idade e teve uma aventura com um homem casado. Na maternidade, prestes a dar luz, não há sinal do pai. Ela divide o quarto com uma mulher mais nova. Ambas são solteiras. Uma está na meia idade, teve a gravidez planejada. A outra, com apenas 17 anos, engravidou por acidente e sente medo pelo que possa lhe acontecer. Nessas distintas experiências, as duas estabelecem um laço unido pela maternidade.
Pela primeira vez, o legado do franquismo será abordado pelo cineasta de maneira direta. “Mães Paralelas” não será tão autorreflexivo quanto o último filme de Almodóvar, “Dor e Glória”, porém é o mais introspectivo do diretor, em matéria de política. A seguir, leia a entrevista concedida por Pedro Almodóvar à Associated Press, republicada pelo Diário da Manhã a partir da Agência Estado.
Deve
ter sido irônico fazer, no meio da pandemia, um filme no qual swabs e exames de
laboratório são parte fundamental da trama, para comprovar a maternidade das
meninas…
Quando
estava escrevendo o filme, um ano antes, parecia ficção científica. Mas quando
fizemos o filme, me pareceu muito familiar que Penélope Cruz usasse os
cotonetes para fazer análise genética.
O que
te interessou em fazer um filme sobre a exumação das valas comuns da Guerra
Civil Espanhola?
Bom, acho que a ideia chegou até mim com maturidade em termos cinematográficos e também em termos pessoais. Faz muito tempo que quero fazer um filme sobre túmulos, coisa que, curiosamente, o cinema espanhol nunca fez. É algo verdadeiramente triste. Em 2013 ou 14, alguns pesquisadores da ONU vieram fiscalizar a situação em nosso país e ficaram muito surpresos com o fato de que a pessoa que os havia contatado para informá-los sobre a abertura das sepulturas já era a geração dos bisnetos das vítimas. Ou seja, a geração que tinha nascido na democracia. Os pesquisadores afirmam que a Espanha tem uma relação muito ruim com o seu passado.
