Veja quem são os artistas que morreram de coronavírus
Diário da Manhã
Publicado em 10 de agosto de 2020 às 22:53 | Atualizado há 4 meses
Um dos escritores mais originais de seu tempo, Nelson Rodrigues tinha pavor de relembrar os dias em que a Gripe Espanhola acabou com a alegria do Rio de Janeiro, tornando-se – em suas palavras – “a morte sem velório”.
Após quatro anos de Grande Guerra, o mundo estava exaurido de combate, sem recurso e muito menos tendo noção do que deveria ser feito. Começava, diz o jornalista Ruy Castro na abertura do livro-reportagem “Metrópole À Beira-Mar”, com uma aguda dor de cabeça, seguida por calafrios, diarréias e espasmos… Diagnóstico: Gripe Espanhola!
É, Ruy, a peste matara – no Velho Mundo e nos Estados Unidos – o dramaturgo Edmond Rostand, o poeta Guillaume Apollinaire, o economista Max Weber, o pintor Egon Schiele, o pianista Henry Ragas, da Original Dixieland Jass Band, que, apenas um ano antes, gravara o primeiro disco de jazz da história.
Eram anônimos, famosos, endinheirados, descapitalizados, não importava: morriam histórias, morriam familiares, morriam amores, morriam pais, morriam mães, morriam filhos… De 20 a 50 milhões, morreram. Hoje, são mais de 100 mil. Se o Brasil não preparou-se para receber o macabro vírus da gripe naquela época, também não o fez para conter novo coronavírus – e mais de um século depois.
Desde quando a OMS decretou em março último estado de calamidade por conta da pandemia de Covid-19, as autoridades de saúde viram-se diante do maior desafio de suas gerações, e esbarraram numa inércia que não dá o menor sinal de arrefecimento. Como se fosse uma crônica da tragédia anunciada, o País chegou à estrepitosa marca de 100 mil mortos num espaço de cinco meses.
Acreditem, não há sinal de que a moléstia vai arrefecer, não enquanto nada é feito para que isso aconteça. E as vítimas seguem, nossos artistas vão embora e lágrimas são derramadas.
Graduado em letras pela UFGO, o escritor goiano Olímpio Ferreira morreu no dia 19 de julho, aos 84 anos. Como legado, ele deixou a Academia Taguatinense de Letras, da qual foi um dos fundadores, além de 15 obras escritas. Junto com os amigos, idealizou o Sindicato dos Escritores do DF. Militante da palavra escrita, uma de suas paixões, era titular da Academia de Letras de Orizona.
No mês passado, foi-se o escritor, jornalista e dramaturgo Antonio Bivar, aos 81, um dos responsáveis por trazer a cultura punk ao Brasil, com a obra “O Que é Punk”. Bivar – intelectual que flertou com a geração do desbunde, aderiu ao movimento hippie, bebeu na fonte da contracultura – colocou o som revoltado dos paulistanos Ratos de Porão, Olho Seco, Cólera e Os Inocentes na grande mídia, escrevendo textos para o Estadão. E concedeu, entre contos, romances, ensaios, biografias e memórias, mais de 10 livros. Trata-se, isto sim, um arguto expoente da marginalidade artística.
Das artes cênicas e do jornalismo, a Covid-19 levou o ator mineiro Gésio Amadeu, aos 73. Gésio contraiu o coronavírus, foi internado, mas não desistiu. Seu corpo duelou pela vida, resistiu o que pode. Ele era conhecido por ter atuado na novela infanto-juvenil “Chiquititas”, como o personagem Chefe Chico. Já Rodrigo Rodrigues, adorado pelo público, faleceu depois de complicações neurológicas provocadas pela enfermidade. Rodrigo transitou pelo jornalismo esportivo e cultural, e era membro da banda Soundtrack, que tocava clássicos de trilhas sonoras do cinema.
Mais tristeza
A lista, tristemente, vai em frente. Conhecido pela versão da música “Sentimental Demais”, o músico, compositor e cantor Evaldo Gouveia – cujas canções embalaram a cornitude dos tempos pré-moléstia – faleceu de Covid-19, aos 91. Cearense de Orós, cidade localizada no sul do estado nordestino, Gouveia experimentou o sucesso ainda na era de ouro do rádio, nos anos de 1940 e 1950.
Em seguida, virou referência na Música Popular Brasileira, fundando o Trio Nagô, em parceria com Mário Alves e Epaminondas Souza. Hinos boêmios, suas músicas foram regravadas por nomes de peso da MPB, como Maysa e Nelson Gonçalves.
Em 4 de julho deste ano, deixou os holofotes da transgressão, em São Paulo, Eduardo Albarella, conhecido como Miss Biá, drag queen pioneira no Brasil. Ao longo de seus 60 anos de carreira, a miss fez história na arte do transformismo. Albarella arrastava grandes públicos a partir das performances que fazia em boates e festas.
Do universo da música, também saiu de cena a cantora Dulce Nunes, intérprete de canções feitas por Carlos Lyra e Vinícius de Moraes. Além de ser figura presente nos festivais na década de 1960, Dulce chegou a fazer papéis no cinema.
Deixaram-nos ainda Aldir Blanc, cuja dupla com João Bosco felicitou o cancioneiro nacional com “O Bêbado e a Equilibrista”, interpretada por Elis Regina no disco “Essa Mulher”, de 1973. A composição tornou-se um hino durante a anistia política. Na arte das palavras, Aldir publicou mais de 10 livros, como “Vila Isabel, inventário da infância”, “Heranças do samba”, “Uma caixinha de surpresas” e “Porta de tinturaria”.
Outro nome que padeceu para a Covid-19 foi o escritor Sérgio Sant´Anna, considerado o maior contista da literatura brasileira. Sérgio, dias antes de falecer, publicou um conto onde descreve um treino do Fluminense, seu time do coração.