Home / Cultura

Cinema

"Você imagina fazer um Adoniran Barbosa", diz Paulo Miklos, ator e músico

Artista fala ao Diário da Manhã sobre interpretar sambista Adoniran Barbosa na tela grande, em filme dirigido pelo cineasta Pedro Serrano

Saudosa maloca: músico se transforma em ídolo popular em filme que estreia em março - Foto: João Oliveira/ Divulgação Saudosa maloca: músico se transforma em ídolo popular em filme que estreia em março - Foto: João Oliveira/ Divulgação

É domingo à noite e, ali à frente, Paulo Miklos conversa com sua equipe. Estamos numa sala em algum andar do Oscar Niemeyer. Três jornalistas aguardam para entrevistá-lo. Este repórter carrega no ombro esquerdo uma ecobag com os elepês “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Go Back” e “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”. Quem sabe não rola um autógrafo? As paredes ladeiam algo diferente: é Paulo, um dos titãs que ajudou a tirar 10 mil pessoas do chão, em junho passado. Era Titãs Encontro, bichos escrotos, estado violência!

Mas isso foi lá fora, entre os prédios projetados por Oscar Niemeyer, numa área de 17 mil metros quadrados. Dessa vez, o show - voz e violão - ocorre na programação da mostra “o Amor, a Morte e as Paixões”, a partir das 20h, no domingo, 4. É um pocket show, de quase 50 minutos, com músicas em versão folk. “Ano passado, você esteve aqui com uma banda de rock’n roll”, constata o repórter, após apertar a mão de Paulo, quebrando o gelo. “Agora vamos fazer um show intimista”, responde ele, conhecido pela versatilidade artística.


		"Você imagina fazer um Adoniran Barbosa", diz Paulo Miklos, ator e músico
Paulo Miklos (Anísio), Alexandre Borges e Marco Ricca atuam em “O Invasor”, de 2002. Foto: Divulgação


Paulo se diz mais ator do que músico. Seu primeiro filme - “O Invasor”, de 2002 - é definido como uma espécie de “Cabeça Dinossauro”. Chegou com tudo, meteu o pé na porta e, na atuação, demonstrou ao público evidente talento. Dirigido pelo cineasta Beto Brant e com roteiro adaptado de romance escrito por Marçal Aquino, o ator-músico foi aluno do rapper Sabotage para construir o assassino de aluguel Anísio. “Invariavelmente, eu chegava de algum show com os Titãs e caía no set”, rememora Paulo, em dada altura do pocket show.

Hoje em dia, para se ter ideia, “O Invasor” é considerado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) um dos melhores filmes brasileiros deste século. “Alexandre Borges e Marco Ricca estavam com o texto decorado, e eu entrava em cena falando as coisas mais nonsenses”, lembra o artista, numa interação com a plateia. Todos os diálogos foram reescritos por Paulo e Sabota - como o rapper é chamado - de modo a torná-los mais fiéis às ruas. Sabotage foi assassinado a tiros há 21 anos, em janeiro de 2003, na cidade de São Paulo.

Com sopro de metal ao fundo, numa acentuação de black music e suingue funkeado, a música “Sabotage Está Aqui” apresenta um rock de balanço e paisagem de verão. “Já escapei tantas vezes só com meus versos/ Sempre foi assim”, diz a letra, que tem uma alma menos folkeada do que as outras de “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém”, último disco lançado pelo artista. Paulo a incluiu no repertório do show realizado no hall do Cine-X. Neste ano, deve lançar registro ao vivo de sua carreira solo, com um ou outro clássico dos Titãs.

Tela e palco

Desde “O Invasor”, Paulo apareceu em “Estômago” (2007), “É Proibido Fumar” (2009) e conquistou o Kikito de Ouro no festival de Gramado, em 2019, pelo personagem Aurélio, roqueiro de sucesso nos anos 80 que se vê cancelado após vídeo circular nas redes lhe mostrando envolvido numa confusão. Por ser figura pública - como o personagem -, interpretou-o com propriedade e já chegara a dizer que longa colocou o país na tela grande. “Sem concessões e com uma linguagem radical”, afirmou, em vídeo, à época do Kikito.

O próximo papel é João Rubinato, artista que contradiz uma famosa frase de Vinícius de Moraes, de acordo com a qual São Paulo seria o “túmulo do samba”. Paulo entrou na persona: usa chapéu, terno com gravata e exibe um bigode. Aparece também nas cenas cantando os clássicos de Adoniran Barbosa, como “Saudosa Maloca”, música que nomeia o filme. Além da carreira construída na música, Adoniran também obteve destaque como radioator no programa “Histórias das Malocas”, radiopeça escrita por Osvaldo Moles.

Para Paulo, fazer uma figura tão importante à cultura brasileira foi impactante. “Você imagina fazer um Adoniran Barbosa, que é um personagem presente na memória afetiva do brasileiro! Inclusive, ele é uma figura conhecida internacionalmente. Fazer esse personagem foi uma coisa desafiadora, mas acontece a mágica do cinema e a gente faz algo bem natural para levar o personagem ao público”, afirma, ao ser questionado pelo DM sobre sua carreira desde “O Invasor”, passando por Chet Baker no teatro e chegando ao sambista paulistano.


		"Você imagina fazer um Adoniran Barbosa", diz Paulo Miklos, ator e músico
Paulo Miklos interpreta trompetista Chet Baker. Foto: Victor Lemini/Divulgação


Quando fizera o jazzista norte-americano, em 2016, recebera elogio do crítico Nelson de Sá. Paulo nos emocionou assim que se entregou aos momentos mais dramáticos pelos quais Chet passara em sua vida: vício em heroína, problemas em decorrência das drogas e prisões - só na Itália, por exemplo, ficara encarcerado por mais de 1 ano. Qual é a mágica de ir de Anísio a Adoniran? “Cada trabalho tem um mergulho, uma imersão característica”, ensina.

Paulo garante que está muito feliz com “Saudosa Maloca”, previsto para estrear em março. Adoniran fazia samba para o povo e, por isso, boa parte de suas letras tinha erros de português. Nas entrevistas, ao ser questionado sobre equívocos gramaticais, dizia que os cometia de maneira propositada, uma vez que “o povo fala assim”. Ele queria produzir um “arquivo da fala do povo”, semelhante - se pensarmos um pouco - às crônicas de cunho sociopolítico, amor ou protesto em forma de música feitas por Paulo desde os anos 1980.

Uma delas, conforme o próprio artista revelou no pocket show, está em seu último álbum, “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém”. Parceria com o tremendão Erasmo Carlos - homenageado na música “É Preciso Saber Viver” -, a canção “País Elétrico” entra no tema das fake news e tece duras críticas a governos mentirosos: “Raio que parta o mentiroso/ Arrogante e vaidoso, sociopata/ Rei da mentira, um projeto de bufão/ Um bosta sem noção, um nefasto cidadão”. Paulo Miklos tocou músicas da carreira solo, mas o ponto alto do último domingo, 4, foi a versão folk dos clássicos “Lugar Nenhum” e “Bichos Escrotos”.

Mais vídeos:

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias