Cultura

Yes, elas têm banana

Diário da Manhã

Publicado em 1 de julho de 2017 às 21:59 | Atualizado há 4 meses

“Divinas Divas” está em cartaz no Cine Cultura, em sessões às 20h30. Este é o primeiro filme que a atriz Leandra Leal dirige e conta ainda com a fotografia de David Pacheco e montagem de Natara Ney, e tem dado o que falar por onde passa. Venceu prêmios de melhor filme por voto popular nos festivais do Rio e SXSW (South by Southwest), ambos em 2016. Motivos da popularidade não faltam e vão além da diretora famosa. Os personagens reais são magníficos, autênticos e tratam com leveza assuntos densos. Contudo, a obra invoca um triste questionamento: a sociedade encaretou?

A pergunta foi feita porque “Divinas Divas” conta a histórias de oito transformistas, nada menos do que: Rogéria, Valéra, Jane Di Castro, Camille K, Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios. Elas formaram a primeira geração de travestis artistas, que testemunhou o auge de uma Cinelândia repleta de cinemas e teatros.

Na década de 70, em plena ditadura, desafiavam a sociedade e seus padrões morais, bem como a sexualidade. Mas eram aplaudidas e solicitadas. Lotavam teatros, eram convidadas para se apresentarem fora do Brasil e estrelavam capas de revistas famosas na época, como “Fatos e Fotos” e “Manchete”.

Uma das intenções da diretora, que, diga-se de passagem, em nenhum momento busca aparecer mais que a história que está contando, é de mostrar um pedaço de sua infância vivida nos bastidores do mundo do teatro. Ela era o tipo de criança que ouvia conselhos de Rogéria sobre maquiagem para ficar com o rosto corado igual a Scarlett O’Hara (tapinhas no rosto). Um privilégio.

A artista viveu isso tudo porque é neta de Américo Leal, dono do Teatro Rival, segundo o filme, um dos raros palcos abertos para artistas travestis na época. Depois da morte do avô, ela administra o teatro com a mãe, a também atriz Angela Leal, com quem aprendeu uma lição, digamos, divina: “teatro não é herança, é missão”, assim conta Leandra em uma das cenas do filme. Outra revelação da diretora é sobre o próprio pai, que era homossexual.

“Sou muito feliz e realizada como atriz. Pra mim, fazer um filme dirigindo só faria sentido se fosse algo muito pessoal, autoral mesmo. Acho justo que, quando as pessoas estão tão expostas num filme, o documentarista também se exponha. O Divinas é a história delas. Mas também a história do teatro da minha família, da minha vida”, disse Leandra em entrevista ao site Metrópoles.

As duas faces

Trata-se certamente de uma tragicomédia. A alegria vem do espírito cômico e alto astral que parece ter nascido com as protagonistas, que hoje estão na casa dos 70 e 80 anos. Já a tristeza chega nos relatos de momentos da vida, da aceitação, ou não, da família sobre a transexualidade (algumas delas foram até internadas no hospício, a exemplo da Marquesa), das mortes, das doenças e solidão da velhice. Mas, calma lá, estas artistas hora nenhuma se vitimizam, e sim riem, riem muito de si mesmas, de uma das outras, da vida e até das tragédias.

O documentário possibilita a realização de um último show com todas juntas no Teatro Rival, que aconteceu em 2014. Nos ensaios, elas brigam, cantam e contam ainda mais sobre como era ser “travesti” na ditadura, em que era difícil se expressar. Daquele tempo, trazem relatos de fuga dos militares e prisões justificadas simplesmente pela forma pela qual se vestiam.

Não se pode esquecer ainda que há muita música no filme. Além de cantar a marchinha carnavalesca “Yes, Nós temos Banana”, ‘Divinas” mostra talento de sobra destas divas, em interpretações, como de Valéria cantando uma versão de “My Way” em espanhol.

O tom divertido de “Divinas Divas” certamente pode ser usado como uma arma contra o preconceito violento e carrancudo enfrentado pelas transexuais e a causa LGBT. Com sensibilidade, o filme mostra um fato mais que consumado: não existe maior beleza que a autenticidade. Poder ser autêntico é que ainda é a questão.


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