Brasil e Argentina disputam mercado milionário de ‘ouro bovino’ na China
DM Redação
Publicado em 13 de maio de 2025 às 14:10 | Atualizado há 8 horas
Discretamente, a China deflagrou uma nova corrida do ouro entre o Brasil e a Argentina. Desta vez, porém, a rivalidade acontece pelo mercado do “ouro bovino”, apelido usado para se referir ao cálculo biliar, que é a pedra encontrada na vesícula do boi.
O item, que é usado para tratamento de convulsões, inflamações e infecções, tem valor astronômico no mercado chinês, chegando a ultrapassar o preço de US$ 20 mil o quilo, dependendo da pureza. Desde 2002, a China restringiu a importação dessas pedrinhas por medo de contaminações ligadas à doença da vaca louca. Agora, decidiu pela reabertura desse mercado.
Neste mês, a Administração Nacional de Produtos Médicos da China (NMPA) e a Administração-Geral de Aduanas da China (GACC) autorizaram a retomada de importação das pedras bovinas. A liberação autoriza a venda para a indústria chinesa de medicamentos tradicionais, em um projeto-piloto que terá prazo de dois anos.
A ideia da China é fazer uma inserção gradual do item, depois de passar anos convivendo com a pirataria e a entrada irregular do “ouro bovino” em seu território.
Nessa disputa, a Argentina saiu na frente. Desde o fim do ano passado, o governo argentino já discutia o assunto com os chineses, em negociações que já resultaram em um protocolo sanitário formal enviado a Pequim. Na segunda-feira (28), a aduana chinesa publicou um anúncio detalhando os requisitos para importação de cálculos biliares da Argentina. O Brasil, que nunca exportou o item para a China, soube dessa negociação e, embora atrasado, tem se movimentado para entrar no mercado.
A representação internacional do Ministério da Agricultura chegou a acessar, inclusive, uma proposta que a Argentina já fez de seu protocolo sanitário, para que o governo brasileiro use o documento como um modelo para elaborar sua própria proposta.
“Para auxiliar as áreas técnicas do Ministério da Agricultura na elaboração da proposta brasileira, disponibilizamos a proposta argentina de protocolo sanitário”, afirma um comunicado enviado pela representação internacional da pasta em Pequim, na semana passada, acrescentando que encontrou o documento no site do Ministério da Economia da Argentina.
“A eventual formulação e apresentação de proposta brasileira de protocolo poderá ser oportunidade estratégica para o Brasil buscar o reconhecimento oficial e regulamentado das exportações desse subproduto”, informa o adido agrícola em Pequim.
A Folha de S.Paulo questionou o Mapa sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
A reabertura chinesa vai testar a entrada das pedrinhas bovinas em 12 regiões-piloto, como Pequim, Xangai e Guangdong. O controle das importações vai exigir rastreamento, desde a extração até o uso na indústria farmacêutica. Haverá armazenamento controlado em portos e institutos para inspeção e liberação, entre outras normas.
A China dependia, até agora, quase exclusivamente da produção interna, além do mercado paralelo. O interesse chega a tal ponto que a indústria chinesa também passou a buscar substitutos de origem vegetal ou química. Ocorre que o chamado “niuhuang autêntico” ainda é insubstituível em certas fórmulas, como um remédio famoso na China, o “Angong Niuhuang Wan”, que tem nos cálculos bovinos um de seus principais ingredientes e é usado até em pronto-socorro de hospitais chineses.
O mercado asiático tem consumo estimado em cerca de 5 mil quilos por ano, o que significa um negócio potencial de US$ 100 milhões.
Apesar de o Brasil não vender para a China até agora, o país é apontado como o maior fornecedor de cálculos bovinos para Hong Kong, segundo informações do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Em seguida, vêm a Austrália, Colômbia, Argentina, Estados Unidos e Paraguai, conforme coletados pela Trade Data Monitor.
Assim como a China, Hong Kong também faz uso intensivo das pedras bovinas para tratamento medicinal.
O Brasil, como maior exportador de carne bovina do mundo, tem grande chance de expandir esse mercado, apesar de as pedras biliares estarem presentes em bois mais velhos do que a idade média usada na maioria dos abates.
Informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio apontam que, entre 2019 e 2024, as exportações desse item triplicaram, saindo de US$ 78,2 milhões para US$ 269,1 milhões no ano passado, o que significa um crescimento acumulado de 244% neste período.
O custo alto do produto está diretamente atrelado à quantidade de gado que tem de ser usado para a sua produção. Estima-se que sejam necessários até 200 mil bois para obter 1 quilo de cálculo de alta qualidade.