Cigarros ilegais avançam no Nordeste e abastecem crime organizado
DM Online
Publicado em 26 de maio de 2025 às 22:10 | Atualizado há 1 dia
O consumo de cigarros produzidos no Paraguai e em outros países e contrabandeados diminuiu no ano passado no Brasil, mas apresentou crescimento em estados do Nordeste, que estão sendo alvo do crime organizado, causando prejuízo na arrecadação de impostos.
Os dados são de estudo do Ipec, encomendado pelo FNCP (Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade), e apontam que, enquanto a média nacional é de 32% (ou seja, de cada 100 maços de cigarro consumidos, 32 são ilegais), no Nordeste a participação chega a 43%.
Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte concentram os maiores índices. No Maranhão, o índice de cigarros vendidos ilegalmente chegou a 70%, o que significa, na avaliação do FNCP, uma arrecadação de R$ 356 milhões para o crime organizado e R$ 111 milhões em perdas de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços).
Piauí e Rio Grande do Norte têm 68% de seu mercado dominado pela ilegalidade. No Piauí, o prejuízo chegou a R$ 135 milhões no ano passado.
Estimativas do fórum indicam que o crime organizado movimentou cerca de R$ 9 bilhões com venda do cigarro ilegal no país no ano passado, gerando prejuízo de R$ 7,2 bilhões com evasão fiscal os impostos superam 80% em alguns estados. Foram vendidos 34 bilhões de unidades de cigarro contrabandeado.
“Esse avanço se dá por uma combinação de fatores estruturais e estratégicos do crime organizado. Em primeiro lugar, a elevada carga tributária sobre os cigarros legais, que ultrapassa 70% do preço final, gera um forte incentivo econômico para o consumo de produtos ilegais, que nada pagam de impostos e chegam a custar menos da metade do valor de um produto legalizado”, diz Edson Vismona, presidente do FNCP.
“Além disso, a região tem sido cada vez mais explorada por rotas alternativas de contrabando. Em particular, a rota do Suriname tem se consolidado como um corredor importante para o ingresso de cigarros contrabandeados para o Norte e Nordeste”, completa.
Historicamente, o contrabando de cigarros se dava por via terrestre, partindo do Paraguai (Paraná e Mato Grosso do Sul) e seguindo pelas rodovias até os grandes centros de consumo. Com o aumento da fiscalização na tradicional rota, os criminosos diversificaram a entrada dos produtos ilegais no país.
Além da rota terrestre, os carregamentos chegam via Suriname e Guiana Francesa, depois de passarem por Bolívia e Chile, e se espalham pelo Nordeste. Apesar do aumento de custos, Vismona afirma que a prática segue rentável para as facções, que usam o contrabando como uma das principais fontes de financiamento.
“Em geral, o comércio de produtos ilegais está vinculado a uma série de outros tipos de crimes ainda mais graves, tais como o tráfico de armas, de munição e de drogas, lavagem de dinheiro, roubo, homicídios, sequestros.”
Delegado da PF (Polícia Federal) em Mossoró, Igor Chagas esteve à frente de operações de combate ao contrabando desde 2019, e disse que há organizações especializadas no Pará, que vão ao Suriname em busca do contrabando e retornam ao Brasil pelo litoral.
“São braços do mar que entram aqui na cidade, e são pouco fiscalizados, locais ermos, então é muito favorável para eles fazerem esse tipo de ação aqui. E apesar de a gente ter feito esse combate, a gente sabe que continua. É muito lucrativo, muito rentável”, disse.
O delegado Gilberto Pinheiro, chefe da delegacia de repressão a crimes fazendários da PF no Rio Grande do Norte, concorda e disse que o estado tem um litoral grande, que facilita a atuação da criminalidade.
“Não é exclusivo [do Rio Grande do Norte], mas é uma grande porta de entrada. A arrecadação fiscal é um problema, claro, mas o entorno, os crimes violentos, é que maculam”, disse.
O fato de o Nordeste concentrar algumas regiões de pobreza, segundo Vismona, contribui para que os consumidores utilizem cigarros paraguaios ou feitos em outros países, como Coreia do Sul.
“A diferença no preço entre o cigarro legal e o ilegal é uma distorção alimentada diretamente pela alta carga tributária. Isso cria uma vantagem competitiva para o produto contrabandeado, que, além de ser mais barato, não respeita nenhuma norma sanitária. Portanto, embora fatores socioeconômicos agravem o problema em regiões mais pobres, o contrabando de cigarros deve ser tratado como um desafio nacional, que alimenta, cada vez mais, o crime organizado e fragiliza a economia de forma sistêmica.”