Projeto defendido pelo governo Temer, pode erradicar políticas de incentivos fiscais
Redação DM
Publicado em 13 de dezembro de 2017 às 03:19 | Atualizado há 7 anos
Depois de emplacar a momentos reforma da previdência – se é que vai mesmo emplacar – o governo Temer vai se concentrar na reforma tributária. Se depender do relator já escolhido, o deputado federal tucano Luiz Carlos Hauly, toda o sistema arquitetônico da tributação, instituído pela Constituição de l988, virá abaixo. Não ficará pedra sobre pedra.
Até aí, morreu Neves, diriam os mais antigos. A porca torce o rabo quando se vê o que o deputado relator quer pôr no lugar. O projeto dele ainda não está pronto, mas já se conhece as “principais linhas da proposta”, um texto que ele redigiu e fez publicar na internet, consolidando e refinando o que ele já vinha dizendo a publicações especializadas, mas de pouca penetração. O que o deputado paranaense quer colocar no lugar reduz os estados brasileiros, já tão carentes de autonomia, à condição de meras províncias. Cada vez mais o Brasil caminha para ser não uma federação, mas um estado nacional unitário.
O deputado Luiz Carlos Hauly foi escolhido por sua expertise no assunto. Ele já foi secretário da fazenda do Estado do Paraná e está na Câmara Federal desde 1991. Tributação e finanças públicas são a sua praia. Ele substitui o deputado André Moura, que levando a reforma em banho Maria. Ele diz que a proposta de Moura mantém a atual estrutura dos tributos, apontando para uma unificação da tributação sobre o consumo a se efetivar em futuro remoto. “É preciso ousar mais”, brada o novo relator.
É quase consenso no Brasil que a vigente estrutura tributária já não serve ao país. Nossa tributação incide basicamente sobre o consumo, deixando a renda quase incólume. Em termos proporcionais, os mais pobres pagam mais impostos do que os ricos, e isto já virou lugar comum. A alta regressividade a incidência prioritariamente sobre o consumo, são perversões do sistema que devem ser erradicadas. Um geral clamor o exige.
Mas também ocorre de, por trás das boas intenções ocultarem-se aquelas intenções diabólicas, jamais confessadas. Acabar com a chamada “guerra fiscal” sempre foi o sonho dos dirigentes dos Estados mais ricos e mais industrializados do país, os Estados do Sul e do Sudoeste. A “Guerra fiscal” deslocou o eixo do desenvolvimento nacional para os estados emergentes, dos quais Goiás se destaca por sua agressiva política de atração de capitais industriais. A guerra fiscal foi recentemente julgada legal, e constitucional, pelo Supremo Tribunal federal. Que se mude, então, a constituição e a guerra estará liquidada.
É isto que o deputado tucano Luiz Carlos Hauly pretende fazer. “É por isso que defendo que é preciso ousar mais e definitivamente tirar o Brasil desse emaranhado de tributos sobre o consumo com não cumulatividade incompleta, guerra fiscal entre os entes federados e tributação sobre a renda profundamente regressiva, e nos alinhar com os modelos de tributação existentes no resto do mundo desenvolvido”, afirma ele em seu texto. O deputado tem em mente os sistemas europeus, a maioria aplicáveis a estados unitários, o que não é o caso brasileiro.
Diz o deputado: “Outra característica de nosso sistema tributário que o difere daqueles dos países desenvolvidos é a grande concentração da arrecadação na tributação sobre o consumo em detrimento da arrecadação sobre a renda, o que termina por onerar mais gravosamente os pobres, já que estes são obrigados a aplicar a maior parte de seus rendimentos na aquisição de bens materiais e serviços”. Mais uma vez, o apelo aos pobres, para que se mobilizem em favor dos ricos.
A RECEITA DO BOLO
Enquanto, na média os países europeus recebem 37% de suas receitas da tributação da renda e 25% da do consumo, no Brasil, a tributação sobre bens e serviços responde por 51% da carga tributária, enquanto a sobre a renda representa somente 18%. ‘É por isso que pretendemos deslocar parte da tributação sobre o consumo para a renda”, informa o deputado.
A outra linha mestra reforma de Hauly consiste em “garantir que os entes federados partilhem suas arrecadações, fazendo com que todos se comportem como sócios, e não como inquilinos, do sucesso de nossa economia. Penso que uma das razões das reformas anteriores terem falhado foi por se concentrarem sobremaneira na partilha dos tributos, e não na construção de um sistema economicamente simples e eficiente”.
Até aqui, o deputado nada a favor da corrente de pensamento dominante. Todos os estudiosos do sistema tributário brasileiro afirmam isto, e aí estão as estatísticas para comprovar a correção dessas proposições. A questão, no entanto, está no que fazer, no como fazer. Aqui a racionalidade tecnocrática empaca diante dos interesses políticos, legítimos, diga-se, da cada região brasileira. É justo pedir a Goiás, por exemplo, que renuncie à sua política de industrialização via incentivos fiscais para maior glória da bela e racional arquitetura tributária proposta pelo deputado paranaense? Os estados poderão perder arrecadação, e muitos trabalhadores ficarão sem emprego se a guerra fiscal for encerrada. Os estados ricos ficarão mais ricos e os que tentam se livrar da pobreza ficarão mais pobres.
Pelo projeto do deputado, a União continuará com os tributos sobre o comércio exterior (Impostos de Importação e Exportação), com o Imposto de Renda, com as contribuições previdenciárias e com tributos regulatórios (CIDE). O IPI será incorporado ao Imposto sobre Valor Agregado – IVA, novidade que o deputado está apresentando, e o ITR passará para a competência dos Municípios. O IOF será possivelmente extinto, pois o deputado entende que possui função mais arrendatória que regulatória. Mas isso será objeto de maiores reflexões por parte do deputado.
O deputado não pretende, em princípio, propor o Imposto sobre Grandes Fortunas, a não ser que se chegue ao consenso de trazer o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCD para a esfera federal. Quanto às contribuições sociais, a CSLL será incorporada ao Imposto de Renda, e o Pis, ao IVA. Ao menos por enquanto, não haverá alterações nas contribuições ao Salário-educação e ao Sistema “S”.
Para reduzir a contribuição previdenciária sobre a folha de salários, o relator diz que será criada uma contribuição sobre movimentação financeira. Ele, que já foi contra o retorno da CPMF com mera função arrecadatória, diz que hoje “ela pode ter uma função importante na redução da carga tributária sobre a folha, reduzindo os custos de contratação”. Além disso, a contribuição sobre movimentação financeira obrigará todos a arcarem com a Previdência, mesmo aqueles que gozam de isenção ou imunidade.
OS IMPOSTOS E OS ESTADOS
Quanto ao Imposto de Renda, diz o deputado que não será suficiente promover alterações apenas no texto constitucional, sendo também necessária a apresentação de projeto de lei que o regule. Como se pretende deslocar parte da carga tributária da tributação do consumo para a da renda, não será possível simplesmente o aumento de alíquotas, mas sim uma reformulação total do sistema, buscando-se alcançar bases antes pouco exploradas. “Além disso” destaca o relator, “deve-se garantir sua efetiva progressividade, de modo a taxar, de fato, mais gravosamente os ricos.
As competências dos Estados e do DF serão profundamente alteradas pelo projeto do deputado paranaense. O ICMS será incorporado ao IVA; o IPVA passará para a competência dos Municípios; e o ITCMD passará para a competência dos Municípios ou da União.
Os Estado passarão a contar com o Imposto sobre Valor Agregado, que absorverá os atuais ICMS, IPI, PIS, COFINS e ISS, e será regulado por lei federal, com arrecadação centralizada e fiscalização pelos Estados e pelo Distrito Federal (pelo Superfisco Estadual, como se verá adiante).Esse imposto não será cumulativo, com concessão de crédito financeiro cobrado “por fora” (sem incidência de imposto sobre imposto), com arrecadação integral para o Estado de destino, e não onerará bens do ativo fixo nem produtos exportados. Terá alíquotas mais baixas para medicamentos e alimentos.
Para trazer a alíquota do IVA para valores compatíveis com a média dos países desenvolvidos, o relator também criou um “Imposto Seletivo monofásico sobre alguns produtos, como petróleo, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, energia elétrica, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, aparelhos eletroeletrônicos e eletrodomésticos, veículos automotores, supérfluos, telecomunicações, e qualquer outro produto ou serviço indicado em lei complementar.
“Esse tributo também será regulado por lei federal”, informa o deputado, “com arrecadação centralizada e fiscalização pelos Estados e pelo Distrito Federal. “Ainda é necessário ponderar se o
Imposto Seletivo será o único tributo a incidir sobre esses produtos, ou se incidirá em conjunto com o IVA”, diz o deputado, insinuando que o princípio “non bis in idem” poderá ser revogado.
Os Municípios perderão o ISS, que será incorporado ao IVA. Em compensação, receberão a o direito de cobrar o IPVA e o ITR, mas sem competência para legislar sobre tais tributos, que serão regulados em lei federal. Quanto ao ITCD, a ideia original é também entregá-lo aos Municípios, também regulado por lei federal, concentrando a tributação do patrimônio na esfera local. “Contudo, também considero a possibilidade de elevá-lo à esfera federal, como um significativo imposto sobre o patrimônio, em substituição ao Imposto sobre Grandes Fortunas, como é feito nos Estados Unidos”, informa. “Isso porque os grandes patrimônios estão normalmente espalhados por diversos Municípios, sendo mais consistente onerá-los com um tributo de alcance nacional, além de a Receita Federal estar melhor equipada para uma fiscalização dessa natureza, em conjunto com o Imposto de Renda. Nossa reforma também trará dispositivos que proibirão que os Prefeitos concedam isenções indiscriminadas em seus tributos, em detrimento das finanças municipais”.
SUPERFISCO
Mas a grande novidade deste projeto de reforma e a criação do que o deputado chama de “Superfisco”. As secretarias estaduais de fazenda ficarão, virtualmente esvaziadas. “Para arrecadar os novos IVA e Imposto Seletivo, entendo ser importante a criação de um novo órgão, que agregará todos os Fiscos Estaduais, e será de competência conjunta dos Estados e do Distrito Federal”. Diz ele.
Explica o deputado que tal órgão será dirigido por um Secretário Nacional, contará com Superintendentes em cada unidade federada (ou possivelmente em regiões que agreguem alguns Estados), e terá estruturas de carreira e remuneratória unificadas. Além disso, será pautado pelos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional.
Já a Receita Federal se concentrará na fiscalização e arrecadação do novo Imposto de Renda, das contribuições previdenciárias dos empregadores e dos empregados, da contribuição sobre movimentação financeira, e dos tributos aduaneiros e regulatórios.
Visto que o que se pretende é racionalizar o sistema tributário, pode parecer uma insânia a criação deste superfisco, uma repartição federal jurisdicionado pelo Ministério da Fazenda com função sobreposta à da Receita Federal. Não seria mais consentâneo com os ditames da economicidade um órgão só para arrecadar e fiscalizar tributos? Sim. Mas a razão política sempre fala mais alto do que a razão técnica.
Embora evite abordar com clareza o tema, fica evidente que o projeto de reforma quer mesmo acabar com a “Guerra fiscal”. Para atingir estre objetivo, nada melhor do que privar os Estados do poder de arrecadar e fiscalizar seus próprios tributos, e sobre eles legislar. Os estados e os municípios ficarão sob tutela da União em matéria tributária. Sendo que os estados sulistas possuem as maiores bancadas parlamentares, fica patente que a reforma tributária está sendo cortada, com precisão de alfaiate, para priorizar os interesses de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, etc. Em detrimento dos estados do centro oeste, do Nordeste e da Amazônia. O pirão deles primeiro.
Como todo bom discurso de dominação, o projeto do deputado paranaense vem embrulhado em bela retórica. Os prejudicados devem se convencer de que levar prejuízo é bom. “Como já esclarecido, pretendemos garantir que os Entes Federados sejam sócios do sucesso do país, exigindo que todos compartilhem do resultado de suas arrecadações. Assim, evita-se que se concentre a arrecadação em tributos não partilháveis, como foi feito pela União com as contribuições sociais”, argumenta o deputado relator.
“Nesse sentido” prossegue, “garantiremos que Estados, DF e Municípios recebam uma parte do Imposto de Renda, bem como que a União e os Municípios tenham direito a um quinhão do IVA e do Imposto Seletivo”. Estados e municípios vão perder receitas? Parece que sim. Mas o deputado doura a pílula. “De qualquer modo, para se evitar as desconfianças naturais com uma mudança tão profunda, nos primeiros anos após a reforma se garantirá que cada ente federado mantenha o quinhão de sua arrecadação nos mesmos moldes dos anos anteriores, evitando-se perdas com o novo modelo. Para isso, calcularemos a participação de cada Município, Estado e União na arrecadação dos últimos anos dos tributos que estão sendo alterados, e garantiremos que esse mesmo percentual lhes seja entregue com base na arrecadação dos novos tributos. Elaboraremos uma regra de transição que, em alguns anos, transfira essa partilha com base nas arrecadações anteriores para o novo modelo”.
O que se conclui de tudo isso? O novo regime fiscal barrando investimentos em grandes obras estruturais. A reforma trabalhista está precarizando as condições de trabalho e quebrando a crista do sindicalismo. A reforma da previdência cujo efeito básico será prejudicar o trabalhador. E agora uma reforma tributária que na certa vai proibir os estados de fazer política desenvolvimentista. A que leva tudo isso? É a mão invisível do mercado financeiro desviando para o rentismo o produto do labor dos brasileiros. E não se ouve um só bater de panelas!