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Mentes livres e pensantes: qual o medo dos conservadores com a construção de uma educação libertadora?

Onda de interferências nos ambientes educacionais tem causado transtornos aos profissionais

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Historicamente conhecida, o mito da Caverna segue tão atual como se tivesse sido escrito na manhã de hoje. Retirado da obra “A República” de autoria do filósofo grego Platão, o texto representa um diálogo realizado entre Sócrates e Glauco, onde Sócrates propõe a seu interlocutor Glauco uma reflexão sobre pessoas que foram criadas aprisionadas desde a infância em uma caverna sem conhecer o mundo externo, tendo acesso apenas as sombras refletidas nas paredes. As sombras refletidas pela luz de uma fogueira, causava espanto daqueles que permaneciam sob a penumbra do desconhecido.

O recifense Paulo Reglus Neves Freire, ou simplesmente Paulo Freire, considerado patrono na educação brasileira foi e ainda o grande responsável pela maioria das metodologias de ensino aplicadas nos mais variados cenários educacionais do mundo. Dentre suas mais célebres frases que abarcam reflexões sobre as metodologias pedagógicas, encontramos:

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” Paulo Freire

Este exemplo pode ser comparado ao ambiente educacional, onde a sala de aula seria o mundo externo, repleto de conhecimento, capaz de esclarecer dúvidas e promover o desenvolvimento do pensamento crítico. Este processo tem como guia, o professor. No entanto, os tempos presentes apresentam para os profissionais da educação um grande desafio: lidar com as influências externas que tentam impedir o avanço na construção de uma sociedade livre de amarras, capaz de produzir muito mais do que apenas conhecimento teórico.

Escolas particulares e públicas do Brasil, tem sido invadidas por lideranças políticas ditas conservadoras, com a tentativa de impor uma única forma de se promover o processo do ensino-aprendizagem, impedindo a discussão de temáticas consideradas por estes como proibidas, capazes de destruir valores morais e éticos de uma nação. Estes, no entanto se esquecem que a liberdade de cátedra é garantida pela Constituição Federal de 1988, e não será o cerceamento de determinada temática, o responsável por uma sociedade mais justa e igualitária. O temor criado sob determinado assunto, apenas reforça a rejeição e preconceito estabelecido.

Atitudes como as do atual Deputado Federal Gustavo Gayer (PL/GO), aliado do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, podem ser descritas como um dos exemplos de personalidades que buscam usurpar competências destinadas aos profissionais da educação. Constantemente, é visto em seminários, entrevistas e em vídeos postados em suas redes sociais, acusando professores da prática de doutrinação ideológica.


		Mentes livres e pensantes: qual o medo dos conservadores com a construção de uma educação libertadora?
Divulgação Redes Sociais

Professores do estado de Goiás, por exemplo, já externaram inúmeras vezes sua preocupação com o exercício da docência, considerando as atitudes do parlamentar. Estes profissionais, sentem-se cerceados em sua liberdade de ensinar, tendo o Sindicato dos Professores de Goiás preparado uma ação judicial contra o deputado, sob a justificativa de perseguição à categoria.

Gayer, lançou no último mês de março um site onde alunos e seus pais poderiam realizar denúncias contra o que ele chama de “Professores doutrinadores”, mas suas atitudes não pararam por aí, ele tem sido responsabilizado pela demissão de diversos educadores, como foi o caso de uma professora goiana de história da arte, que utilizou uma camisa com os dizeres “seja marginal, seja herói”, frase atribuída ao artista neoconcretista Hélio Oticica (1937-1980). O parlamentar proferiu uma série de ofensas a educadora através de suas redes sociais.


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Divulgação Google

O caso recente gerou comoção da categoria, que em conjunto com uma bancada de Deputados Estaduais de Goiás apresentou denúncia ao Ministério Público Goiano, ao Ministério Público Federal e ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.

O Colégio Expressão, escola onde a professora lecionava, se posicionou na mesma linha de pensamento do deputado através de nota, com destaque para a afirmativa: "escola não é lugar de propagar ideologias políticas, religiosas ou preconceituosas".

Um questionamento, no entanto, surge diante deste cenário: abordar questões políticas, sociais, de sexualidade e gênero no ambiente educacional é sinônimo de doutrinação ideológica? Para o Filósofo e Mestrando em Educação, arte e história da cultura, Luiz Fernando Prado Uchôa, 39, há a necessidade de se defender uma educação livre, que se preocupe com a formação cidadã de crianças, jovens e adolescentes no país.


		Mentes livres e pensantes: qual o medo dos conservadores com a construção de uma educação libertadora?
Arquivo Pessoal Fernando Uchôa

“A importância de uma educação livre se dá no sentido da necessidade de uma educação cidadã, e não com uma educação meramente bancária, que ensine a pessoa a executar tarefas. É importante que a pessoa aprenda a olhar para a vida de uma forma crítica e reflexiva para desenvolver suas capacidades em múltiplas áreas, pois só com isso vamos conseguir fazer com que se projete uma sociedade em que se pense a nossa história e a nossa cultura de modo próprio, de um modo brasileiro, e não e um modo importado de outras sociedades.” Luiz Fernando Prado Uchôa Mestrando em Educação

Uchôa salienta que é necessária a preocupação com a formação constante de professores de modo que o ambiente escolar não se assemelhe tanto com um presídio.

“Precisamos de uma educação onde não exista tanto abismo entre a escola pública e a escola privada, onde a gente priorize a formação do docente e uma infraestrutura onde a escola não seja tão parecida com o ambiente prisional, em que eu tenha que ter um aparato para me proteger do aluno, ou vice e versa, mas que eu tenha um ambiente acolhedor, onde esta pessoa sinta que ali é a casa dela, aonde ela vai para aprender.” Luiz Fernando Prado Uchôa Mestrando em Educação

Luiz afirma ainda, que estas tentativas de influências externas no exercício de uma cátedra livre, prejudicam o processo do ensino-aprendizagem para o aluno.

“Com essa pressão externa, a criança passa a não ter a oportunidade de conhecer outras vivências, outras possibilidades de ser, e com isso ela estreita muito sua noção de realidade. Esta é uma contribuição para o desenvolvimento da prática de bullying e preconceito contra outras crianças, e ao mesmo tempo elas reproduzam uma série de agressões tornando a escola um ambiente hostil, sendo agressivas com professores e professoras. Há prejuízo no desenvolvimento socioafetivo deste aluno.” Luiz Fernando Prado Uchôa Mestrando em Educação

O educador relata, que estes ataques promovidos por conservadores à profissionais da educação, tem por motivação uma preocupação inexistente com sexualização precoce e uma doutrinação que não vá de encontro às crenças por eles defendidas.

“Minha percepção é que em meio a essa preocupação de sexualização precoce e ideologização, há a ocorrência de violência contra estas crianças, a partir do momento em que apresentam apenas uma forma de ser como correta, seja através da imposição de um modo de vestir, um modo de brincar, muitas vezes baseados em ideologias religiosas” Luiz Fernando Prado Uchôa Mestrando em Educação

Para Uchôa, há nestes ataques à pluralidade de ideias presente na prática da docência a tentativa inconteste de se promover ideologização.

“Há claramente uma tentativa de se promover o controle do pensamento político, para além das questões de gênero e sexualidade. Quando a gente pensa nestes mecanismos de controle, pensamos no controle do corpo, e o que esse corpo manifesta, seja através da vestimenta, através do seu processo discursivo. É um recado: que você tenha que aderir a um pensamento religioso e político considerado hegemônico para ser aceito na sociedade” Luiz Fernando Prado Uchôa Mestrando em Educação

A educação, a despeito do desejo de alguns, resiste.

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