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2018 é 68?

Diário da Manhã

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 04:06 | Atualizado há 4 meses

Uma pergunta tem de ser feita: o aniversário de 50 anos do mítico ano de 1968 foi uma espécie de saudosis­mo ou a semente para o futuro? É o que queríamos ver em 2018, espe­cialmente no mês de maio, mas o que assistimos–pelo aqui no Brasil, atenho-me a falar–foi a escalada do fascismo. Afinal, 68 é como o filho rebelde que pula o muro da escola para fumar um cigarro escondido das pedagogas que irão reprimi-lo.

Waiting for the sun, da banda californiana The Doors, tocava no rádio. O jornalismo gonzo de Hun­ter Thompson despontava com o clássico livro-reportagem fora da lei, Hell´s Angels. O jornalismo em fluxo de consciência do esta­dunidense Tom Wolfe virava bí­blia para os profissionais rebeldes da imprensa. A sociologia marxis­ta e freudiana do alemão Herbert Marcuse fazia a cabeça dos estu­dantes universitários. A psicanáli­se de Wilhelm Reich, perseguido pelas academias em que lenciona­ra durante a vida, pregava que se a energia sexual não fosse libera­da o fascismo poderia despontar.

Antes disso, todavia, mui­ta coisa já estava acontecendo no âmbito social, cultural e po­lítico. Aliás, na literatura, a ge­ração beat questionava o status quo na década de 50, com clás­sicos como On The Road e Uivo e Outros Poemas, de Jack Kerouac e Allen Ginsberg, lançados em 1958 e 1956, respectivamente. 68, para parafrasear o jornalista Zuenir Ventura, autor da clássica obra 1968 – ano que não acabou e 1968–o que fizemos de nós, es­tava fervilhando bem antes de 68.

No Brasil, por exemplo, o mo­vimento estudantil estava se arti­culando nos anos anteriores, mas a fagulha viria a encontrar o caos em 1968 com a morte do estudan­te secundarista Edson Luís Souto, no Rio de Janeiro. Isso sem con­tar o campo de guerra instaurado entre alunos da Mackenzie, histo­ricamente reacionária e conser­vadora, contra a alunos da USP, historicamente atrelada às lutas políticas e sociais. A batalha en­tre as instituições ficara conheci­da como “guerra da Maria Anto­nieta”, em São Paulo.

A música popular brasilei­ra também vivera seus momen­tos de esplendor na década de 60. Caetano Veloso interpretou o clássico Alegria, Alegria, e Gil­berto Gil, Domingo no Parque, no festival da canção, em 1967. Era o prenúncio do movimento cultu­ral Tropicália, que ganharia reco­nhecimento em 1968, e engloba­va artistas do cinema, do teatro e, principalmente, da música.

1968 é como uma criança pró­diga. Uma criança que consegue dimensionar o sonho em sua ca­beça, mas é incapaz de pô-lo em prática. 1968, citando o jornalis­ta Luiz Zanin Oricchio, é ano da “Revolução que não aconteceu”. Mas que, mesmo não acontecen­do, mudara os rumos da rebeldia juvenil para sempre.

O legado de 68, décadas de­pois, pôde ser sentido na alma dos estudantes universitários e secun­daristas no episódio que se con­vencionou a chamar de “Primave­ra estudantil”, que aconteceu entre os meses de outubro e novembro de 2016. Esses episódios já fazem dois anos. Dois anos que o sonho fracassou, mas que valeu. E conti­nua valendo, ao menos para mim, o sentimento de que todos estão terrivelmente descontentes com a ascensão do autoritarismo, que está sendo imposto por viúvos dos milicos, amigos da indústria ar­mamentista e da decadentes sem elegância, mas que deseja institu­cionalizar a barbárie.

1968, para mim, um mero jor­nalista bêbado, sonhador, apaixo­nado e palhaço, é a semente que foi plantada, mas que nasceria em gerações posteriores. E que sem dúvida, se não nasceu totalmente, ao menos começara a engatinhar.

1968, assim como os tem­pos atuais, também começou com uma instabilidade políti­ca, e culminou em múltiplas formas de revolta, de caos, de desordem e de protesto.

1968 é o hoje.

1968 é o futuro de todos os re­volucionários.

1968 é o teclado de meu com­putador e o livro que estou prepa­rando para lançar.

1968 somos todos nós, eu, você e o amor.

2018, porém, vem sendo a di­fusão do ódio, da violência, da in­tolerância.


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