Um clássico da década de 1950, escrito por um dramaturgo estadunidense, no caso Tennessee Wiliams, pode dizer muito à realidade atual do Brasil? Se tratando do espetáculo teatral “Doce Pássaro da Juventude” pode sim. Esta peça, que chegou aos palcos daqui adaptado por Marcos Daud, é dirigido por Gilberto Gawronski e tem como estrela principal a atriz Vera Fischer. Seu roteiro, entre outros assuntos, aborda a perda de direitos civis e racismo – questões que ainda que ainda são pautas hoje em dia. E se a ideia para este fim de semana for diversão com conteúdo e atuações interessantes, a montagem fica em cartaz hoje, às 21 horas, e amanhã, às 20 horas, no Teatro Sesi.
“Doce Pássaro da Juventude”, ou do inglês “Sweet Bird of Youth”, é uma das 10 primeiras peças de Tennessee Williams adaptadas para o cinema, e estreou nas telonas em 1962. Seus protagonistas eram Paul Newman e Geraldine Page, vivendo Chance Wayne e Alexandra Del Lago, respectivamente. Mas no Brasil é a diva Vera Fischer, quem dá vida a Alexandra, uma atriz decadente, inteligente, ególatra, talentosa, manipuladora e sem censura alguma.
“A personagem é uma experiente artista, que se olha no espelho e enxerga uma velha fracassada. Com isso, foge para o interior e acaba conhecendo um homem mais novo, que almeja poder e sucesso”, contou Vera, que também assina a produção do espetáculo, junto com Luciano Borges e Edson Fieschi.
O ator Pierre Baitelli é o jovem galã ambicioso Chance Wayne, e a montagem conta ainda com a atuação de Mario Borges, Ivone Hoffmann, Bruno Dubeux, Clara Garcia, Dennis Pinheiro, Juliana Boller, Pedro Garcia Netto e Renato Krueger. Em entrevista ao DMRevista, a atriz classificou como uma grande sorte a escolha de um elenco em que pôde encontrar “amigos de palco”, a exemplo de Mario Borges e Ivone Hoffmann.
“Eles dividiram comigo uma longa temporada de um outro texto T. Williams, “Gata em Teto de Zinco Quente”. Não bastasse esse encontro, me deparo com um partner a altura do personagem, Pierre, um ator extremamente talentoso, inteligente e de grande generosidade, assim como todo o elenco. Uma química perfeita, orquestrada pelo meu talentosíssimo diretor, Gilberto Gavronski”, elogiou Vera Fischer.
ENGAJADO
No palco, aparecem dilemas ambientados no sul dos Estados Unidos daquela época, que vivia à sombra da criação da KuKluxKlan. Logo, além da busca pela fama, a discriminação racial e perseguição religiosa, entre outros retrocessos entram em cena. Tudo isso pode ser visto tanto no texto e na opção do diretor por uma encenação realista que trabalha os signos teatrais, quanto ainda na presença de elementos cênicos que falam por si mesmos.
O cenário, por exemplo, assinado por Mina Quental, é um espaço neutro, onde a cama e o palanque político são o mesmo lugar, fazendo uma metáfora entre sexo e poder. Por outro lado, o figurino, de Marcelo Marques, remete aos anos 50 e apenas o essencial entra em cena.
A trilha sonora original foi especialmente desenvolvida para o espetáculo por Alexandre Elias – ganhador dos prêmios Shell e Bibi Ferreira pela direção musical de “Gonzagão, a Lenda” –, que disse ter se inspirado no cinema americano da década de 1950. “Entre músicas, canções e vinhetas, misturamos instrumentos como saxofone, baixo acústico e piano com a música eletrônica”, explica Elias.
ENTREVISTA VERA FISCHER
“Os tempos não mudaram tanto assim, ganharam vernizes diferentes”
A frase acima é de Vera Fischer sobre a atualidade do espetáculo que encena hoje em Goiânia. A declaração foi feita em entrevista ao DMRevista, na qual a artista, além do prazer de fazer parte do elenco de uma peça grandiosa, fala ainda sobre a atual fase da carreira. O momento é mais que é especial. Com este espetáculo, ela comemora 45 anos de carreira. E a celebração é seguir trabalhando, pois, apesar da distância da TV (sua última novela foi Salve Jorge, em 2012), ela explica que não estava em um período sabático.
Ainda resguardando a beleza e elegância da ex-miss Brasil de 1969, ela rodou o País em 2015 com a peça “Relações Aparentes”, de Alan Ayckbourn, direção de Ary Coslov, e em 2017 fez o espetáculo “Ela é o Cara”, de Márcio Araújo e Andrea Batitucci, do mesmo diretor. “Atuar e atuar. É que faço de melhor, seja na TV ou no palco do teatro”, afirmou.
E para quem estava sentindo falta da Vera Fischer das telinhas, este ano já pôde matar a saudade. A atriz marcou presença na nova temporada de Malhação: Vidas Brasileiras e ainda dará vida a Carmo, na próxima novela das 18 horas da Globo Espelho da Vida. “Você esqueceu de citar a série Assédio, que gravei entre o final de 2017 e o início de 2018”, pontuou a artista sobre a série, que é inspirada no livro A Clínica–A Farsa e os crimes de Roger Abdelmassih, de Vicente Vilardaga. Veja mais desta entrevista a seguir.
DMRevista– Como é viver Alexandra neste momento em que comemora 45 anos de carreira? O que mais te comove nela?
Vera Fischer– É sempre um grande presente poder fazer um personagem de Tennessee Wiliams, ainda mais Alexandra, um sonho há muito tempo acalentado por mim, que amadureceu como projeto, e como a própria peça fala: o tempo se encarregou de organizar da maneira quer tinha que ser. É um personagem muito instigante, ainda mais se tratando de uma atriz, onde posso emprestar, não só nossa capacidade artística, como dividir com ela as minhas próprias experiências. Uma estrela que vê sua posição ameaçada e a passagem do tempo com um inimigo comum a todos, ainda que com ele a sabedoria se estabeleça, mas em se tratando de um estrela de cinema, pode ser muito doloroso. A capacidade dela de perceber tudo isso e dar a volta por cima é genial.
DMRevista– A peça é ambientada na década de 1950, uma época complicada para os direitos civis e raciais. A atualidade da peça, no contexto atual do Brasil, que ainda luta por estes direitos, chega a incomodar?
Vera Fischer– Acho que se não chega a incomodar, serve como uma reflexão de como os tempos não mudaram tanto assim, e sim ganharam vernizes diferentes. Ambição, poder, racismo, sexualidade, valores morais, tudo está ali na dramaturgia da peça, tudo está fora do teatro também. Ainda estamos correndo atrás dos direitos civis, da igualdade. Temos o poder financeiro atrelado ao sucesso, como uma catapulta a ascensão e aceitação social.
DMRevista– Após seis anos de afastamento, este ano você voltou à TV em Malhação e está prestes a gravar a próxima novela das 18 horas, Espelho da Vida, em que dá vida a Carmo. Como foi este período de hiato e como define a sua fase atual ativa nos palcos e nas telinhas?
Vera Fischer– Não houve um hiato. Estava fazendo teatro, rodando o Brasil com minhas produções teatrais sempre com grande sucesso. Sempre estive muito ativa. Voltar a fazer TV é também consequência disso e tem sido delicioso, como sempre. Atuar e atuar. É que faço de melhor, seja na TV ou no palco do teatro.
DMRevista– Sabe-se que Carmo é uma diva do cinema. Pode nos contar um pouco mais sobre ela e como tem sido a preparação para viver este personagem?
Vera Fischer– Não sei muito sobre a Carmo ainda. Recebi apenas os 24 primeiros capítulos para a leitura inicial e estou muito empolgada com o que li. Fazer grandes personagens como esse me deixam revigorada. Carmo é uma atriz de cinema muito glamorosa que acaba de chegar em uma cidade do interior mineiro para encenar um filme sobre uma história da cidade. É drama, é comédia, é cinema, é sobre o amor e as voltas que a vida dá, é novela daquelas boas com texto de novela mesmo. Estou animada.
ESPETÁCULO: DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE
Quando: Hoje, às 21h, e amanhã, às 20h
Onde: Teatro Sesi (Av. João Leite nº 1.013, Setor Santa Genoveva)
Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia)
Informações: (62) 3269-0800