O resgate de Júpiter Maçã
Diário da Manhã
Publicado em 4 de abril de 2018 às 00:36 | Atualizado há 4 meses
Com traços de psicodelia sessentista e da jovem guarda, o primeiro álbum solo de Júpiter Maçã, “A sétima efervescência” (1997) exibe toda a explosão criativa do artista gaúcho. No trabalho, resultado de um processo delicado de concepção, produção e gravação, Júpiter experimenta ritmos, texturas e letras que, carregadas de uma sensação constante de não-pertencimento, esboçam os conflitos internos, delírios, paixões e experiências lisérgicas de uma mente enigmática, fora da órbita do planeta Terra. O músico, falecido em 2014, completaria 50 anos em 2018, e um de seus desejos era ver sua obra remasterizada. Na tarde da última segunda-feira, a gravadora goianiense Monstro Discos anunciou o lançamento em vinil de “A sétima efervescência”, dando início a esse processo.
O responsável pela remasterização é o próprio Egisto dal Santo, que produziu “A sétima efervescência” nos anos 90. De acordo com informações do jornalista cultural Roger Lima, as gravações do álbum foram realizadas nas madrugadas de agosto de 1996, entre meia-noite e 8 da manhã. Para chegar ao resultado final, que conta com 14 músicas, distribuídas ao longo 1h e 3 minutos, foram necessárias mais de 200 horas de estúdio. “A sétima efervescência” é considerado um dos discos de maior importância para a música gaúcha e para o rock brasileiro. Em 2007 foi eleito por mais de 50 músicos e produtores como o álbum mais importante da música gaúcha. No mesmo ano ficou entre os 100 mais da música brasileira, em publicação da revista Rolling Stone Brasil.
A prensagem é limitada a mil cópias, e de acordo com o release da gravadora, 300 delas possuem vinil colorido de azul e acompanha encarte com letras e fotos inéditas da época. É o primeiro volume da chamada Série de Ouro da Monstro Discos, que tem como objetivo disponibilizar vários outros álbuns importantes para a música brasileira, como declarou Léo Bigode, produtor do selo. “Trata-se de um resgate de discos raros ou fora de catálogo, para os quais, hoje em dia, há um buraco no mercado”. Em publicação do produtor no Facebook, a gravadora revela o caminho da remasterização do álbum. “O disco foi gravado em sistema analógico 24 canais 2 polegadas. Mixado em sistema analógico. Agora remasterizado em sistema analógico (console MCI)”.
O ARTISTA
Apesar de ter seu primeiro disco solo lançado apenas em 1997, Flávio Basso – nome de batismo de Júpiter – é uma das mentes mais influentes no desenvolvimento do rock do Rio Grande do Sul. As bandas TNT (1986-2007) e Os Cascavelletes (1986-1992) são consideradas essenciais para o desenvolvimento do rock gaúcho. As metamorfoses Cristiano Bastos, autor de matéria publicada em 2007 na Revista Aplauso – na ocasião, “A sétima efervescência” foi eleito o melhor álbum do rock gaúcho por 50 especialistas. “No regresso de uma jornada relâmpago pelo folk dylanesco, no começo da década de 90, como Woody Apple, o compositor Flávio Basso inaugurou sua fase elétrico-psicodélica ao empunhar novamente guitarra e assumir a alcunha de Júpiter Maçã”, afirma.
Bastos fala ainda do impacto da estética de Júpiter na cena local. “Em Porto Alegre, o impacto de “A sétima efervescência” extrapolou as esferas musicais e passou a ditar mudanças de caráter visual: desde então, as ruas da capital (e do bairro Bom Fim em especial) foram tomadas de assalto por um esquadrão de jovens metidos em terninhos de brechó e penteados beatle. Muitos formaram bandas que emulam as referências mod resgatadas do túnel do tempo por Júpiter Maçã”. Roger Lima resgata em seu site alguns nomes que compõem o time do álbum. “Júpiter contou com dupla de músicos irmãos Glauco e Emerson Caruso, que tocaram bateria e baixo, respectivamente, em todas as faixas, além das sofisticadas orquestrações arranjadas por Marcelo Birck e participações especiais de artistas como Frank Jorge”.
Além do clássico de 97, Júpiter lançou outros três discos. Nenhum deles apresentava simplesmente mais do mesmo. Em “Plastic Soda” (1999), onde assumiu a persona Júpiter Apple, passou a compor em inglês e experimentou combinar elementos psicodélicos com bossa nova e jazz, o que deu a ele maior visibilidade internacional. “Hisscivilization” (2002), pico experimental da carreira de Júpiter, que traz um clima de calmaria e paranoia desenvolvido através de longas experimentações eletrônicas. Por fim, o esperado “Uma tarde na fruteira” (2008) – considerado pelos críticos seu trabalho mais acessível – traz clássicos como A marchinha psicótica de Dr. Soup. Em 2009 lançou o single Modern Kid, acompanhado por um clipe.