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ENTRETENIMENTO

Marmelada de banana,bananada de goiaba

  •  Destaque para as bandas brasilienses que desde o primeiro dia do festival mostraram uma nova leva de musicalidade e estética: irreverente, performática e bem executada
  • Apesar de altos valores, tanto nos ingressos quanto na consumação dentro do evento, a politização esteve presente com força nos palcos e na reação do público, em especial nos shows da Francisco el Hombre, As Bahias e a Cozinha Mineira, Rimas e Melodias, Larissa Luz e Nação Zumbi
  • A mudança do local do evento foi positiva, gerou uma momentânea mudança de significados de um espaço apenas comercial e fez com que jovens da zona sul da cidade ocupassem, ao menos durante um fim de semana, a parte norte da capital goiana

A pesar do título desse artigo começar citando o clássi­co infantil “Sítio do Picapau Amarelo”, gravado por Gilberto Gil em 1977, no disco Refavela, não é propriamente sobre esse show da última sexta-feira (11) que eu que­ro comentar. Após uma semana in­tensa, em amplos sentidos, consigo agora parar um pouco e refletir so­bre a gama de experiências sonoras e culturais que movimentou vários pontos da cidade nos últimos dias.

Uma das propostas mais interes­santes do Bananada, que neste ano foi potencializada, foram os showca­se nas casas, pubs e teatros da capital. A oportunidade de sair em em plena segunda-feira e ter acesso a dois sho­ws intensos como foi no Complexo Pub com o “Buca Brasília”, é realmen­te impressionante. Apenas dentro de uma vibe de festival seria viável lotar uma casa na segundona em Goiâ­nia, para assistir duas bandas auto­rais. E quem foi não se arrependeu, os shows das bandas Joe Silhueta e A Engrenagem apresentaram uma sonoridade nova de psicodelia, vir­tuose e performance, que apesar da proximidade com a capital federal, os goianos ainda não estão beben­do da mesma água.

Esse novo pessoal de Brasília que passou vários dias aqui pela cidade deixa a sensação que algo de diverti­do está de fato acontecendo por lá e que nós não estamos vendo de per­to, apesar de estar bem embaixo de nossos narizes. Alguns membros em comum, devo deixar claro para o lei­tor que um show da Rios Voadores é uma experiência linda, pulsante, en­cabeçado pela intensa frontwoman Gaivota Naves, que também can­ta na Joe Silhueta. Lembra das frita­ções de solos e camadas efervescen­tes da também brasiliense Almirante Shiva, que já passou algumas vezes por aqui e deixou diversos fãs ob­cecados pela onda psicodélica das canções. De alguma forma, assistir a esses shows faz com que brote a necessidade (e a vontade) de ver um intercâmbio maior e mais frequente com nossos vizinhos.

Esses eventos que percorreram os teatros, pubs e boates da capital goiana geraram uma rara sensação de “escolher o que fazer”, no que diz respeito a eventos culturais e boas apresentações. A princípio parecia até mesmo frustrante ter que esco­lher entre um show de guitarrada do nortista Lucas Estrela ou os paulistas da Dead Fish. Mas o evento provou que a cidade tem espaço para todo mundo, e em sua maioria os even­tos nas casas estavam sempre lota­dos, até pelo baixo preço das entradas avulsas que eram vendidas na hora. Umaoportunidadedeconheceruma ou duas bandas de uma mesma re­giãodopaísedequebracircularpelos pubs que por um acaso você nunca tinha pisado antes. Um ponto inques­tionável do festival é a amplitude de possibilidades e rolês que essa pro­gramação nas casas gerou nas qua­se sempre, tediosas e paradas noites de segunda, terça e quarta na capital.

UM GRITO

O line-up foi extremamente diver­so. Seria muito difícil alguém não en­contrar ao menos dois ou três shows quecontempleasuapreferênciaesté­tica. Apesar que a proposta de um fes­tival deste porte, é justamente provo­car uma integração de estilos, já que em determinado momento foi possí­vel escolher entre assistir um show da FresnooudaNaçãoZumbi, queocor­riamquaseaomesmotempo. Eclaro, conhecer novas bandas, novos sons e experimentar curtir um show de for­ma diferente. Tem uma dose boa de poesia ver rostos de metaleiros, hips­ters, maculelês e a galera do rap dan­çandoepulandoduranteumshowde cumbia como o da Francisco el Hom­bre, na noite de sexta.

A política e o discurso militante não ficaram de fora dos espetáculos, apesar de tocado pontual e breve­mente durante os apertados espaços de shows. Considerando uma gene­ralização correta que a maioria do pú­blico presente no fim de semana é de classe média alta (dado o preço dos ingressos e das bebidas/comidas), é interessante pensar que essas mes­mas pessoas se empolgaram, apesar de um leve cruzar de braços no co­meço de uma música como a Bolso Nada, da Francisco el Hombre.

A canção que teve participação especial do guitarrista paraense Lu­cas Estrela faz uma alusão e uma crí­tica direta (e certeira) contra o depu­tado e presidenciável Jair Bolsonaro. Foi uma festa de deboche e escárnio com o discurso propagado pelo mes­mo. Outro momento sinceramente emocionante e arrepiante foi quan­do a forte, belíssima e visceral Juliana Strassacapa cantou a música Triste, Louca ou Má. Um verdadeiro ma­nifesto de libertação e emancipação feminina musicado, se tornou uma referência em manifestações femi­nistas por mulheres de toda a parte do País e América latina.

Outras pautas relacionadas à questão de gênero foram tocantes ao longo de outros shows, com des­taque a apresentação de sexta da Bahias e a Cozinha Mineira, um es­petáculo divertido e forte. O público acompanhou em coro as versões e tributos históricos, como a da músi­ca Pagu–Rita Lee e A mulher do fim do mundo–Elza Soares. O show ain­da teve a participação especial da Pablo Vittar e do Mateus Carrilho, para dar uma pitada no que viria depois na noite seguinte.

A Pablo, artista já totalmente con­sagrada em todo o País, levou o públi­co com a palma da mão. Porém apro­veitou de toda a sua atenção e em um momentodoshowfezumahomena­gem a estudante de artes carioca Ma­theusa Passarelli, de 21 anos, que foi assassinada recentemente por trafi­cantes no Rio. Matheusa se identifi­cava como não binário – sem esco­lha de sexo masculino ou feminino – e era militante da causa LGBT.

A presença feminina foi forte nos palcos principais, e todas aprovei­taram para trazer questões como machismo, opressão de gênero e a luta diária das mulheres, em desta­que as minas da Rimas e Melodias e a cantora Larissa Luz. O espaço do Passeio das Águas se dividiu entre um público multicolorido, tanto no palco quanto na plateia. Com des­taque a noite de quinta-feira, com uma apresentação dançante como a do Heavy Baile e na noite do do­mingo, com as rodas improváveis aos olhos de tão intensa, como a da BaianaSystem (um dos shows mais aguardados do evento).

Porém, apesar dessa diversidade, uma outra coisa saltava aos olhos, os estudantes universitários da UFG e outros moradores da zona norte es­cutaram os shows a partir da opor­tunidade mais real de adentrarem o espaço do evento: trabalhando na limpeza, no estoque e nos caixas e bares do festival. Uma boa oportu­nidade, sem dúvida, para tirar uma grana extra e também poder partici­par, mesmo que de um outro ângu­lo, dessa grande festa. Certamente fa­zer um evento dessa magnitude sem verba pública é um desafio, dito por alguns até mesmo como uma loucu­ra inconsequente (pelos riscos). Não sendo saudosista e tampouco de­nuncista, mas constatando o público presente no fim de semana, é possí­vel constatar que o Bananada certa­mente perdeu o carácter democrá­tico (pelos preços dos ingressos) da época do Martim Cererê, para conse­guir fazer shows grandes e históricos, que infelizmente não são acessíveis paragrandepartedosjovensgoianos.

DE CASA

As bandas goianas foram um ponto bom fora da curva. Apesar de não serem headlines de nenhum dos dias principais, garantiram a presença de shows extremamen­te lotados, daqueles que as pessoas aguardavam na grade antes mesmo de começar. Em destaque as minas da AveEva, que tocaram na noite de sexta, uma música regional e cheia de ritmo e dança. Elas mostram que o espaço para a viola caipira (que an­tes só era vista em shows do Waldi e Redson), assim como outros estilos, cabem bem no espaço dito “alterna­tivo” da música goiana. Carne Doce, intenso, sensual e divertido. Certa­mente um dos melhores shows de todo o festival. A banda, que parece já ter surgido com uma maturidade sem precedentes, mantém um show firme e dançante da primeira à últi­ma música, usando termos e gírias boas de ouvir, principalmente em um sotaque goiano.

Outro show que dispensa apre­sentações é o do Boogarins. Certa­mente a banda goiana com maior repercussão fora da cidade. Uma re­percussão totalmente justa e ganha­da com muito esforço, criatividade e qualidade musical. O diálogo com a plateia é frequente e debochado, fa­zem a lembrança que passou des­percebida por demais bandas, e lem­bram a todos que é dia das mães. O grupo faz uma apresentação descon­traída como se estivesse no quintal de uma casa na Vila Alzira, porém sem perder a magnitude real que é a sen­sação de orgulho e prazer, misturada com o sabor psicodélico e das ma­rolas em nuvem baixa que plainam toda vez que tocam o épico clássico do primeiro disco: Doce.

UM PASSEIO

A grande dúvida e curiosidade para os frequentadores ativos do Ba­nanada era como seria o novo espa­ço. Acostumados a curtir o evento no Centro Cultural Oscar Niemeyer (perto do Parque Flamboyant e os ca­ros condomínios fechados de luxo), era ainda uma surpresa em como fi­caria o festival na zona norte da capi­tal goiana. O local escolhido foi o sho­pping Passeio das Águas, que de cara deu uma facilidade e conforto sem precedentes para o público: estacio­namento de graça e com muitas va­gas. Questão que já foi um problema em outras edições, tanto pela falta de local de estacionar quanto pela inse­gurança do local, que acabou geran­do casos de assaltos e arrombamen­tos. Até então, nesta edição do evento, não surgiram relatos desse tipo.

Um espaço mais intimista, o sho­ws na parte interna quanto externa eram possíveis ser acompanhados com perfeita qualidade musical ga­rantida pela equipe técnica (que de­talhe, era lotada de profissionais mu­lheres). Talvez um problema que vale a pena ser destacado para futuras edi­ções, é a questão do número de ba­nheiros e banquinhas de comida, que em diversos momentos gera­ram filas de espera numa média in­crível de 25 a 30 minutos, quase o es­paço de um show inteiro. As filas da cerveja, que apesar de custar 8 reais o copo da mais barata, também dei­xaram a desejar e lotaram bastante. Mesmocomumaboaquantidadede funcionários, não existia qualquer or­ganização–ou seja, não existiam filas de fato, apenas as pessoas se amon­toando em uma lei do mais forte e da falta de bom senso coletiva, para ver quem era atendido primeiro.

De resto a sensação de quem frequentou o Bananada 2018, essa que comemora 20 anos de existên­cia desse grande evento, é que é pos­sível curtir bastante na cidade. Não precisamos mais juntar muito di­nheiro para passagens e hospeda­gens em outros grandes festivais do país, aqui também vem gente de fora para curtir. Entramos e estamos no circuito, é cada vez mais provável assistir o show do seu artista favo­rito sem ter que sair do Estado. Coi­sa boa, em todos os sentidos: para o público, para as bandas e para a cada vez mais borbulhante e diver­sa “cena musical” de Goiânia.

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