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ENTRETENIMENTO

A cara da derrota

Amigo torcedor, amigo secador, quan­do o juiz apitou o final da partida entre Bra­sil e Bélgica vi gente chorando na rua; vi pro­letários reclamando que não haverá mais desculpas para matar trabalho no meio da semana com objetivo de beber cerveja, fa­zer churrasco e abrir bares às segundas-fei­ras pela manhã; vi homens e mulheres pi­sando com ódio em cima da camisa verde e amarela que minutos antes fora sagrada; vi bêbados arremessando garrafas contra a parede; vi senhores, que assistiram Pelé, Garrincha, Rivelino, Sócrates, Zico, Romá­rio, Ronaldo e Ronaldinho desfilar elegan­temente pelos gramados do mundo com a cara triste, sem ter força para dizer absoluta­mente nada; vi rapazes e moças celebrando a derrota para não ficar sem o que comemo­rar; vi boêmios ouvindo Leandro e Leonar­do, Zezé Di Camargo e Luciano e Chrystian e Ralf madrugada adentro na terra do pequi; vi internautas bradando impropérios racis­tas ao volante Fernandinho por conta do gol contra e da falha no contra-ataque belga que culminou no segundo tento dos europeus.

E chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados em função dos cinco títulos mundiais que exibi­mos ao lado esquerdo do manto canarinho, é um instrumento para a renovação da nos­sa vida, para a renovação de nossos hábitos de torcedores, para nos deixar mais humil­des em relação aos adversários, para a reno­vação de um ciclo que há de ter início na sele­ção brasileira – e se possível com Tite à frente, pois o treinador é o que menos tem culpa pela tragédia da última sexta-feira.

Ora, imagine só se apenas ganhássemos e não tivéssemos experimentado nunca o gosto amargo do fracasso? Seria terrivel­mente chato e sem graça, não é à toa que do tricampeonato mundial na Copa do México, em 1970, para o tetracampeonato na Copa dos EUA, em 1994, esperamos 24 anos. Perder, citando o poeta Carlos Drum­mond de Andrade, em crônica publicada no Jornal do Brasil após a dolorosa Tragé­dia de Sarriá, na Copa do Mundo de 1982, “implica na remoção de detritos”.

Sem dúvida, fizemos quase tudo que es­tava ao nosso alcance para ganhar o Mundial da Rússia. Todavia, em futebol será que “qua­se tudo” basta para triunfar, ou é necessário algo mais? Não seria sensato atribuir ao aca­so, ao Sobrenatural de Almeida, como titio Nelson Rodrigues se referia àquilo que foge da compreensão humana durante uma par­tida, ou até mesmo ao absurdo, ao surrealis­mo, ao dadaísmo, às estatísticas com o obje­tivo de explicar o inexplicável, especialistas sem especialidade, os lances que nos afu­gentam nessa ressaca pós-Copa?

Na realidade, e eu seria cretinamente de­sonesto ao não levar este fator em consi­deração, a imprensa esportiva contribuiu para semear o mito de que nosso camisa 10, Neymar, possui desvio de conduta. Longe de jogar bola como os grandes do futiba brazu­ca, ele foi execrado pelos idiotas da objetivi­dade em suas crônicas chinfrim. Resultado: o craque teve dezenas de tentativas de homi­cídio quando procurava fazer alguma joga­da diferente, daí a fama de cai, cai.

Bem, a verdade é que não voltamos de mãos vazias para a casa porque fracassa­mos em trazer a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, talvez o entendimen­to de que já não somos a pátria de chutei­ras e, além de tudo, para ir à contramão da verborragia midiática das mesas-redon­das, vestimos sandálias da humildade. Sim, porque não suplantamos nenhuma sele­ção poderosa, apenas caímos feito solda­dos em uma batalha sangrenta no quinto jogo. Em peleja nervosa e desequilibrada, a sorte foi um fator que passou longe dos jogadores brasileiros e dos belgas, que sa­biam muito bem o que estavam fazendo em campo e não precisaram dela.

Por fim, gostaria de conversar rapida­mente com Tite e seus jogadores, como Thia­go Silva e Miranda, e reservas e reservas de reservas, como Firmino, Gabriel Jesus e Re­nato Augusto. Queria lhes explicar, especial­mente aos zagueiros, que defensores não po­dem ser gentis com marcadores. Enfim, às favas com tudo isso, pois ainda hei de ber­rar aos borbotões “Brasil é hexacampeão do mundo”. Enquanto isso, que nossa abstinên­cia de craques, tal como nos acostumamos no passado, seja atenuada com o campeo­nato brasileiro das séries A e B, futiba nos­so de cada dia.

Sem mais.

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