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A festa antifascista

Itália, 1922. O fascista Benito Mussolini (1883-1945) chegou ao poder com a promessa de que iria trazer os anos gloriosos do Império Romano de volta. Neste meio tempo, que nunca chegara a se concretizar de fato, intelectuais foram perseguidos pelo regime to­talitário e permaneceram encarce­rados até o final da ditadura, após o término da Segunda Guerra Mun­dial (1939-1945). Marxista, o escritor Antônio Gramsci (1891-1937) foi um deles. No xilindró, escreveu o clássico Cadernos do Cárcere, conjunto de 29 cadernos onde ele se empenhou ra­dicalmente em explicar a importân­cia das contradições e da cultura na transformação da sociedade. Morreu amordaçado pelo fascismo.

Ponto, parágrafo... Agora, você está no Brasil na década de 2010. Após a reeleição de Dilma Rousseff (PT), ex-combatente pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) du­rante a Ditadura Militar (1964-1985), a dita nova direita começou a ganhar adeptos nas mais diversas camadas da sociedade. Com discurso trucu­lento, pregando uma ode ao machis­mo e ao armamentismo, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) é o mais cotado para subir a rampa do Palá­cio do Planalto no dia 1° de janeiro do ano que vem. Eleitores do ultradirei­tista veem no discurso dele uma jus­tificativa para a barbárie, vide os ca­sos de violência cada vez maiores e referência escrachada ao nazismo, que levara o mundo ao colapso en­tre as décadas de 1930 e 1940.

Preocupado com o futuro do País, o coletivo Metamorfose orga­niza hoje festa com temática anti­fascista. O evento vai acontecer na Casa Liberté, na Rua 19, Setor Cen­tral, próximo ao Colégio Lyceu. A primeira atração será o documen­tário da diretora carioca Lúcia Mu­rat, Que bom te ver vivo, lançado em 1989. Do começo ao fim, o filme exi­be depoimentos de mulheres que foram brutalmente torturadas du­rante os anos de chumbo na épo­ca em que os milicos governaram no Brasil. Em seguida, haverá roda de debates com a advogada popu­lar Sara Macedo e a mestranda em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Sofia Corso.

O ator e produtor cênico Geova­ni dos Santos, 22, comentou que a arte é a única maneira de conseguir se comunicar com todos os grupos sociais. Segundo ele, as manifesta­ções artísticas simbolizam uma for­ma de resistência contra todos os retrocessos e processos históricos pelo qual o Brasil já passou. “A per­formance Mídia Humana (que Geo­vani vai apresentar na Liberté) está diretamente ligada às minhas vivên­cias pessoais que se tornam fatores importantíssimos de luta no atual momento preocupante que vive­mos, além de representar parte das brigas diretas e violentas que eu já vivi no Pará”, explica o artista, que é natural de Marabá, no Pará.

Fotojornalista, Júlia Lee, 22, irá declamar alguns poemas que es­creveu ao longo de 17 anos. “Es­crevo sobre os gritos da alma para não morrer afogada em agonia”, argumenta ela, que é colabora­do da sessão literária DMRevis­ta (leia mais na página 8). “A arte é uma das formas de resistência contra todo tipo de opressão que a gente vem vivendo nos últimos tempos, sendo representada pela candidatura de um ex-capitão do exército abertamente fascista”. In­tegrante do coletivo de mídia inde­pendente Metamorfose, ela acre­dita que, mesmo com a derrota de Bolsonaro nas urnas, o autorita­rismo já é uma realidade no Bra­sil. “As eleições são uma farsa e re­presentam tudo aquilo que vemos na democracia liberal burguesa. Então, o processo que estamos vi­vendo no momento é algo muito maior. Por isso, organizamos essa festa”, pontua.

O agitador cultural e jornalista Heitor Vilela, 24, argumenta que os diversos casos de violência provo­cados por simpatizantes do ultra­direitista nas últimas semanas são efeitos da “cobra que estão criando na sociedade”. Para ele, que possui histórico de luta contra a opressão no Estado de Goiás, sendo inclusi­ve encarcerado no âmbito da Ope­ração R$ 2,80, a história vai se lem­brar de quem esteve ao lado “dessa podridão”. “A gente precisa resistir (enquanto podemos) contra toda e qualquer postura autoritária. Es­tamos com medo. E o que significa isso? E o que significa esse medo? A possibilidade nefasta de se man­ter em silêncio, de não reagir, não contrapor, não resistir ao pensa­mento e atitudes fascistas. Não é momento de se esconder, é mo­mento de enfrentar”.

ATRAÇÕES

A exibição do documentário Que bom te ver viva está marcada para as 16h, horário em que as portas da Casa Liberté estão abertas ao públi­co. Dirigido por Lúcia Murat, que participou da luta armada contra a ditadura e foi torturada nos porões do Departamento de Ordem Políti­ca e Social (Dops), o filme será a fa­gulha para o debate que irá rolar em seguida. Murat, em 2004, abordou a temática do militarismo de novo no filme Quase dois irmãos, que retrata a cadeia da Ilha Grande, no Rio de Ja­neiro, onde os prisioneiros e presos comuns dividiam o mesmo espaço. O longa é estrelado pelo ator Caco Ciocler e Flávio Buraqui.

Comandada pelas poetas Ma­ria Luiza Graner, Júlia Lee, Gardê­nia e Maha Iza (expoente da poesia marginal feminina goianiense, ten­do participado da Antologia Clan­destina, lançada no ano passado), a leitura que guiará o sarau será es­sencialmente com cunho de resis­tência antifascista. “Nossa amizade que nasceu da música se une pela primeira vez nos palcos para can­tar a injus­tiça social com poeticidade e performance. Unidos em suas vo­zes brasileiras, o objetivo é manter­-se cantando em um País que nos quer silenciar”, contou Maria Luiza Graner, 20, que deve se apresentar ao lado do poeta Wilson da Silva, 20, seu amigo de longa data.

Por fim, a principal atração da noite ficará sob a responsabilidade da banda goiana Guerrilha Armada dos Coelhos Mutantes. Formado em 2007, o grupo faz parte do movimento Calango Beat, que con­siste numa mistura entre estilos musi­cais regionais e das grandes metrópo­les. A Guerrilha carrega como alicerce a ideia de música de mensagem, com letras empoderadas, de protesto, que relatam problemas sociais cotidianos, sem nunca perder o ar revoltado que lhes caracteriza. A voz estridente de ngela Vitorette Leite é a marca regis­trada da banda. O show será em ver­são acústica.

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