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ENTRETENIMENTO

Reclusão e invisibilidade

Uma sociedade milenar em constante transição: a Chi­na, com seu 1,37 bilhão de habitantes, mostra-se cada vez mais expressiva e influente no mundo contemporâneo. A partir dos anos 1980, que trouxe uma explosão eco­nômica sem precedentes país, mui­tos jovens passaram a enxergar na fotografia uma forma de se expres­sar e de apresentar ao mundo os inúmeros parâmetros da socieda­de chinesa. No artigo Nine Chinese Photographers You Need to Know, publicado na revista norteamerica­na Time, o autor Ye Ming apresen­ta-nos alguns dos nomes que acres­centam seu olhar e personalidade à história recente da fotografia chi­nesa. Nesta matéria, o leitor pode­rá conhecer um pouco do trabalho documental de Yuyang Liu, um dos grandes nomes da nova geração.

De acordo com Ye Ming, uma das principais características do fo­tógrafo (nascido em 1991 na pro­víncia de Sichuan, na parte ociden­tal do país) é a naturalidade que ele apresenta a colocar-se em ambien­tes sujeitos a inúmeras intempéries. “Ele tem uma habilidade única de se aproximar de seus personagens em ambientes difíceis”, conta. “Seja numa casa com doentes mentais ou a bordo de um barco de pesca chi­nês na Guiné-Bissau”. Ye Ming refe­re-se, primeiramente, ao ensaio At Home With Mental Illness, que cha­ma a atenção para o descaso com a saúde mental no país, que possui mais de 4,2 milhões de diagnósti­cos, e em 80% dos casos os pacien­tes não possuem suporte suficiente e necessário para se tratar.

CONFINADOS

No site do fotógrafo, ele dispo­nibiliza mais de dez ensaios, rea­lizados ao longo da década atual. A série At Home With Mental Ill­nes, Yuang Liu acessa a intimidade de vários personagens em condi­ções de dificuldades causadas em decorrência de seus quadros clí­nicos, contando histórias que nos ajudam a compreender um pouco mais sobre saúde mental, um gran­de tabu, pouco discutido tanto na China quanto no Brasil. As atroci­dades cometidas no Hospital Colô­nia de Barbacena, em Minas Gerais, foram documentadas pela jornalis­ta Daniela Arbex, no livro Holocaus­to Brasileiro. Estima-se que mais de 60 mil pessoas morreram em oito décadas de funcionamento do Co­lônia. A quantidade de corpos era tamanha, que os cadáveres eram vendidos ilegalmente para várias Universidades Federais.

Voltando à China, uma das das questões apresentadas por Yuya­ng Liu é a desintegração social pela qual os doentes mentais são sub­metidos, tornando-se improduti­vos e dependentes por falta de tra­tamento adequado. “A maioria das pessoas que sofrem dessas doenças são forçadas, em casa, com suas fa­mílias, por conta própria”, explica o fotógrafo no texto que introduz a sé­rie, que conta a história de pessoas como o menino Zhendong Liang, que não tem acesso a educação des­de 2009, quando sua escola primá­ria o recusou por acreditar que sua presença causaria um efeito negati­vo para os outros estudantes. Tam­bém podemos ver Mei Lin, uma se­nhora de 83 anos que tenta levar para casa sua filha, diagnosticada com esquizofrenia.

O trabalho, realizado em 2015, percorreu várias partes do planeta, em publicações e exposições em galerias de grande reconhecimen­to, como a Hoxton Gallery de Lon­dres. O fotógrafo explica que o ob­jetivo principal do documentário é desmistificar a visão superficial transmitida pela sociedade a res­peito dos doentes mentais. “Eles são esquecidos ou mesmo não re­conhecidos na sociedade. São in­visíveis. Esse projeto visa explorar os aspectos únicos dos relaciona­mentos entre os doentes mentais, suas famílias, e a sociedade como um todo”. O interesse do fotógrafo em mergulhar no tema rendeu a ele o prêmio da Ian Parry Scolar­ship, instituição que promove um concurso internacional de fotogra­fia específico para fotógrafos com menos de 24 anos.

Em entrevista à revista Time, Yu­yang Liu afirma que apesar de tra­tar de um assunto delicado, o docu­mentário não deve ser visto apenas como uma exposição das dificulda­des das pessoas. “Não quero foto­grafar o quão infelizes eles são, em­bora algumas fotos inevitavelmente transmitam isso. Quero me concen­trar principalmente no apoio entre os doentes e suas famílias”, explica. Liu tomou consciência do assunto quando recebeu um boletim infor­mativo de um Centro de Prevenção de Doenças Crônicas de uma pe­quena cidade do país, que falava do grande esforço que era tentar ajudar os doentes e suas famílias durante o tratamento. “Fiquei impressionado”, conta. “Percebi que embora os pa­cientes sejam, em grande parte, in­visíveis na sociedade, eles e suas fa­mílias vivem uma vida real”, conclui.

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