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1º de abril e a pós-verdade

As chamadas fake news, notícias falsas, não são nenhuma novidade! Elas sempre estiveram no mundo. Desde o mito da criação, no qual a serpente engana Eva, dizendo uma mentira. Desde a Grécia antiga, onde existiam, definidas por Platão, duas categorias de "influenciadores", a do filósofo e a do sofista. O primeiro, tinha como primazia a busca pela verdade, o segundo, a dissimulação e a manipulação.

Em 2011, o tradutor Daniel Lopes, professor de Língua e Literatura Gregas pela USP, traduziu o diálogo de Górgias, de Platão, intitulado Protágoras de Platão, pela Editora Perspectiva.

Além da tradução e notas, Daniel apresenta um rico estudo introdutório que consiste, segundo o autor, "não apenas em saber o que é filósofo e o que é sofista, mas também em observar como eles agem e falam, e em descobrir o que eles pensam sobre questões fundamentais, especialmente, as de ordem moral".

As três características principais dos sofistas, segundo o estudo seria a "presunção de saber algo que não sabe, o emprego deste saber como meio de vida, não para autoexame ou aprimoramento ético", o que o classificaria como um "mercador do saber, interessado no dinheiro e não na formação do "comprador", no caso, seus discípulos. E por último, "o sofista como alguém destituído de fundamentos éticos ou a eles indiferentes", sendo assim, sua arma seria a acusação e não a busca pela verdade, pois, na acusação pode estar disfarçadas diversas mentiras.

"A verdade liberta"

Dois termos ganharam visibilidade em 2016, são eles as fake news e a pós-verdade. Ambos foram criados para explicar dois fenômenos que surpreenderam a opinião pública no mesmo ano. A saída do Reino Unido da União Europeia, movimento apelidado de Brexit (de Britain e Exit) e a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos, em novembro.

O dicionário de Oxford, em seguida, definiu "pós-verdade" como a palavra do ano, devido ao crescente uso do termo, associado, principalmente, ao Brexit e as eleições americanas.

A palavra foi definida pelo dicionário como "um adjetivo relacionado ou evidenciado por circunstâncias em que fatos objetivos têm menos poder de influência na formação da opinião pública do que apelos por emoções ou crenças pessoais". Tal definição faz lembrar os conceitos de filósofo e sofista, um buscando a verdade e o outro apelando às emoções e a manipulação das pessoas.

Com a disseminação das notícias falsas, os critérios de averiguação não seriam importantes, mas sim, se aquilo que foi noticiado estaria de acordo com as crenças pessoais do indivíduo que o lê.

As redes sociais são os lugares onde as fake news mais circulam. E longe de ser um espaço de debate e liberdade de expressão, os próprios algoritmos selecionam, através de buscas e gostos do usuário, aquilo que mais lhe "agrada", e o que surge são "bolhas".

Indivíduos totalmente fechados em suas crenças, sem espaço para debate e a prática da liberdade de expressão, que segundo o diretor de redação do jornal Folha de São Paulo, Otavio Frias Filho, "quanto mais densa e controvérsia entre opiniões variadas for uma sociedade , mais livres e conscientes serão as decisões que ela viera tomar".

Dia da mentira

Falando em fake news, notícias falsas, geralmente difundidas por "portais de notícias" falsos, o primeiro de abril, dia da mentira, surge realmente no contexto da informação, com a imprensa europeia.

O hábito de brincar com os leitores publicando notícias falsas surge após Carlos IX, rei da França, em 1º de abril de 1564, ter determinado que o ano começaria em 1º de janeiro. Essa brincadeira de ludibriar os leitores continua até hoje na impressa mundial.

Mas, tudo bem mentir no dia primeiro de abril. Agora, uma fake news, fora desta data, por se caracterizar em informação falsa, pode prejudicar terceiros. Ela é produzida de má-fé, com vistas apenas no lucro e na manipulação política.

Uma notícia chamativa atrai cliques, e a mentira acaba sendo um meio para o lucro. Ainda, segundo Otavio Frias Filho, o termo fake news ganha um outro aspecto, ainda mais permissivo.

"Fake news passa a ser tudo aquilo que me desagrada, não apenas fatos que contemplo de maneira diferente da exposta, mas interpretações das quais discordo com veemência e opiniões que me parecem abomináveis. O que é fake news para um fanático é verdade cristalina para o fanático da seita oposta", explica Otavio.

Esse tipo de comportamento, que parece aumentar em tempos de eleição, a exemplo das eleições brasileiras de 2019 no Brasil, coloca em risco "o próprio cerne da liberdade de expressão", que consiste afinal na tolerância para com a livre circulação de noções detestáveis, versões distorcidas, enfoques parciais, sentimentos odiosos, seja porque nos parecem assim, seja porque são de fatos", afirma Frias Filho.

*Com informações da Revista USP Pós-verdade e Jornalismo de 2018

Nota: O cartum, que ilustra a capa desta matéria, foi concedido pela ilustradora, educadora e artista Greice Aguiar. A mensagem que o cartum carrega, liga o dia da mentira junto à realidade dura frente a essa pandemia de coronavírus, que nos traz medo e incertezas. E a pergunta de todos soa em uníssono: Vai ficar tudo bem?

Arte/Cartum: Greice Aguiar

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