A Cruz do Anhanguera
Redação
Publicado em 13 de maio de 2018 às 02:19 | Atualizado há 4 meses
Luiz Ramos de Oliveira Couto, juiz de Direito, respeitado professor da Faculdade de Direito de Goiás e autor dos livros: Violetas (1904), Lilazes (1913) e Moema (1927), entrou, ainda mais, para a história de Goiás, não pelo seu desempenho jurídico, literário ou ainda como co-fundador da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Mas, sim, como mentor intelectual do achado da Cruz do Anhanguera (?). Luiz do Couto, como ficou conhecido, nasceu na Cidade de Goiás, no dia 6 de abril de 1884.
Depois de atuar como juiz de Direito, na então cidade de São José do Duro (GO), atual Dianópolis (TO), foi transferido para o município de Catalão (GO), onde se daria o achado da Cruz do Anhanguera (?) em 1914, nas terras da Fazenda dos Casados.
A Cruz do Anhanguera (?) estava assentada próxima à sede da Fazenda dos Casados, margeando o ribeirão Ouvidor, a uns seis quilômetros do antigo Porto Velho, cujas águas do rio Paranaíba, dividem os Estados de Minas e Goiás. A cruz, também, fora plantada, ao lado da mais antiga picada, aberta na segunda incursão do Anhanguera, Filho, às terras goianas, no ano de 1722. Durante décadas, essa foi uma das principais entradas do solo goiano, de viajantes do sul do País.
Luiz do Couto, atuando como mediador, em uma contenda de divisão de terras, teria encontrado a Cruz que “considerou”, como afirma seu neto Di Lourenzzo do Couto, no livro de sua autoria, Reminiscências Maçônicas de um Vilaboense, ter sido fincada pelo Bueno, Filho. Gravada na cruz de aroeira, foram observados os seguintes dígitos: 172. O quarto e último número que faria parte da sequência numeral estava apagado. Estranha coincidência que deixou em aberto à data precisa do possível assentamento da Cruz.
Com o “descobrimento” da Cruz foi constituída uma comissão composta por autoridades e integrantes da Loja Maçônica Paz e Amor III de Catalão (fundada em 27 de outubro de 1913) para providenciar o translado da peça cristã, da Fazenda dos Casados, para a cidade de Catalão, ficando a cruz sob a guarda da loja maçônica.
Luiz do Couto utilizou a influência do seu poder como magistrado e orquestrou o envio da Cruz do Anhanguera (?) para a Cidade de Goiás. Intento que encontrou certa resistência por parte de membros da loja maçônica e do poeta catalano Randolfo Campos.
Havia dentro e fora da maçonaria, o sentimento de que a Cruz pertencia historicamente ao município de Catalão e que era um ato despótico por parte de Couto, utilizar-se do importante cargo que exercia para legislar em causa própria, o destino do artefato cristão, para remetê-lo com o propósito exposição pública, assentando-o em seu berço natal, o antigo Arraial de Sant’Anna, fundado pelo Anhanguera, Filho.
Vencida a resistência catalana, acomodada em uma prancha, no lombo de um vagão cargueiro, seguiu a cruz rumo à cidade de Ipameri, então ponto terminal da Estrada de Ferro Goyaz. Ali, a cruz foi entregue, aos cuidados do juiz Municipal da Comarca, Rodolfo Luz Vieira. Sob a sua guarda, a Cruz permaneceu em Ipameri, um ano, dois meses e dezoito dias, até seguir viagem, em carro de boi, para a Cidade de Goiás.
Após a hibernação ipamerina, a Cruz foi festivamente inaugurada à margem do rio Vermelho, no dia 17 de setembro de 1918. Se a comissão encarregada do assentamento da cruz em terras vilaboenses, houvesse esperado apenas mais dois dias para o feito, a data seria oportuna, para lembrar o falecimento do Bartolomeu, Filho, que morreu no Arraial da Barra, (atual distrito da Cidade de Goiás), em dia 19 de setembro de 1740.
Durante 83 anos a Cruz do Anhanguera (?) integrou poeticamente a arquitetura belíssima vilaboense. Era, talvez, o mais destacado monumento postal da cidade, em disputa com a casa de Cora Coralina, até ser tragado pela violência das águas da enchente de 31.12.2001. Aterrada na lama, entre entulhos pagãos, a Cruz foi localizada, às margens, do rio Vermelho, dois dias depois.
Em 2016, a Cruz do Anhanguera (?) está abrigada entre as paredes centenárias do Museu das Bandeiras, resguardando sua história ambígua, inconclusa, muito suspeita, enquanto o seu lugar de origem, ao lado do Teatro São Joaquim, é ocupado por uma réplica.
Assim, como a imersa Atlântida figura no imaginário universal, a Cruz do Anhanguera (?) resguardando as devidas proporções, significa para nós goianos, a epopeia do nosso processo civilizatório ocidental. Náufraga aroeira das águas deleitosas do molhado simbolismo.
Quanto à paternidade pública da descoberta da Cruz do Anhanguera (?) é dúbia. A descoberta da Cruz e ao fato de associá-la a Bueno, Filho, conduzem a certas evidências históricas, ao primeiro Venerável da Loja Maçônica Paz e Amor III, de Catalão, Bento Xavier Garcia, que era agrimensor e fazia um trabalho topográfico, na área da Fazenda dos Casados, no ano de 1914, em que a Cruz foi encontrada. Num segundo momento, quem deu toda ênfase pública à Cruz e abraçou com vigor o propósito de levá-la para a Cidade de Goiás, esse mérito pertence, indiscutivelmente, a Luiz do Couto, falecido no dia 20 de junho de 1948, em sua terra natal, Cidade de Goiás