A gastronomia posta à mesa entre versos e cores, caçarolas e paladar
Diário da Manhã
Publicado em 1 de agosto de 2018 às 22:13 | Atualizado há 4 meses
E m sua grande maioria os encontros literários são pautados pelo toque mágico da culinária entre discursos de profissionais mesclados a incontáveis e tantos outros papos mais informais que discutem o forno e alcançam a mesa, não sem antes transcorrer entre o prazer e a rima. Esse ritual dá-se em todo o mundo.
Muito já foi dito sobre a gastronomia ser uma arte do paladar em forma de amor e poesia. Mesclados, viram estes dois conceitos ligados intimamente ao coração e ao desejo que satisfaz a gula da alma e finalizam-se em forma de prato e prazer determinados pelo sabor. E nada faz esta retórica mais verdadeira que alguns nomes históricos de importantes personagens que imortalizaram esse idílio inevitável, verdadeiro entrelaçamento de ingredientes e palavras, métricas e aromas complexos ou não.
GASTRONOMIA INTELECTUAL
Nos versos da “Oração do Milho”, a poetisa mais doce de Goiás, meiga e eterna Cora Coralina fala com o coração da simplicidade que é transformar-se no milagre da vida na morte, ou seja, de fazer da semente alimento e saciar a fome do ser humano: “Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.” Em “Ode ao Vinho”, o imortal e Nobel de Literatura, Pablo Neruda, morto em 1973, denota à bebida as cores dos mais preciosos metais, assim como o vinho, extraídos da Terra, quando escreve e finaliza seus versos na imponência de uma ferramenta de luta, vitórias e derrotas travadas a sangue cor do precioso líquido de Baco: “ Vinho cor do dia, vinho cor da noite, vinho com pés púrpura, o sangue de topázio, vinho, estrelado filho da Terra, Vinho liso como uma espada de ouro”.
Já a poeta americana Emily Dickinson, considerada moderna, ainda no século XIX, nunca se cansou em afirmar que, para ela, a cozinha sempre foi um espaço de inspiração e interação criativas, e, certa vez, neste mesmo espaço escreveu um de seus poemas que foi acidentalmente adicionado ao rótulo de mais uma de suas receitas de bolo de coco a qual se tornou famosa no mundo por duas culpas benignas, ou seja, o nome e o sabor do bolo da autora e poetisa gastrônoma.
Brasileiríssimo, Vinícius de Moraes entregava-se à arte das panelas com a mesma paixão destinada aos versos que fizeram bater corações. O poetinha era dono do segredo em fazer um frango, único, embebido na cerveja e escondia detalhes da sua fórmula, especial, em cozinhar com prazer para os mais íntimos, como, por exemplo, as famosas fritas sequinhas. É ele o autor da descontraída “Feijoada à minha moda”, onde brinca com as palavras enquanto aguarda para saciar o paladar: “Enquanto nós, a dar uns toques no que não no seja a contento, vigiaremos o cozimento, tomando o nosso uísque on the rocks” e ainda a carioquíssima: “Não comerei alface verde pétala”, onde reafirma sua brasilidade: “Não nasci ruminante como os bois, nem como os coelhos, roedor; nasci omnívoro: deem-me feijão com arroz”. Segundo o filósofo Cícero: “O prazer dos banquetes não está na abundância dos pratos, mas na reunião dos amigos e o que advém desta conversação.”
Quando embarco na viagem do champanhe que lava uma taça enriquecida com gelo mineral, tenho a impressão que essas taças, apontadas para os céus e o infinito, denunciam pedidos, anunciam mais que cem desejos. E para que o momento do amor possa alcançar sua eternidade, um banho nos sentimentos lavado a emoções infinitas tatuadas no ego com a cor de um bom vinho.
Se sou poeta, como me afirmam alguns leitores de Prazeres à Mesa, talvez seja pela simples audácia de jorrar a identidade com alguma sensualidade influenciada pelo ritual e poder em transformar tudo o que é bom em bom de comer, além de beber da solicitude da alma que convida a beber na fonte da magia, da inspiração com transpiração, na ousadia pisada no caminho do romance simples que é a ato de viver.
Ao produzir meu livro Emoções, fiz questão de trazer o subconsciente à tona do mundo dos normais, ou seja, dar sentido com prazer ao prazer sem sentido nem cobrança alguma, banhado em vinho e suor, bebido, transpirando feito alimento perene levado ao fogo de lenha: “O vinho desperta o amor no desejo do quarto, de gritar: – Faça-me sua, rasgue minha roupa enquanto bebe da minha boca e do meu vinho, sufoque-me no seu abraço, descubra-me inteira, e, perca-me em seu caminho.”
GASTRONOMIA SENSORIAL
Com o fascínio atiçado pela cozinha sensorial, que desperta as mais nobres sensações de desejos e também prazer, aprendi com a percepção sensorial, aliada ao entendimento daquilo que venha a ser o sabor verdadeira trama dos sentidos cuja relevância denota ao conceito da cozinha carente de atenção, tanto ao tempo presente e as diversificadas exigências denominadas pelas atividades cotidianas, e, ao mesmo tempo, desconfiar da simplicidade em ‘saborear’ as coisas como se fosse menina, como um sorvete numa hora qualquer e numa área verde que sequer me esperava.
Se a atividade vital do ato de comer alimenta o corpo, é imperioso saber que a alma também pede por alimento. Talvez seja por isso, e não por acaso, que existam na gastronomia moderna tantas citações de textos, fontes, links e livros sobre o prazer de ingerir a comida em todas as cores e formas que se apresentam os alimentos. Muitos deles são bem elaborados, capazes de nos fazer salivar, outros, transportam os sentimentos para o tempo das cozinhas afetivas das mães e avós, tias, amantes e amigos que o tempo não deixou esquecidos.
E é exatamente este sentimento que me invade quando leio trechos do conto de Drummond. A cena descreve, transpira em cheiro e sabor, dá cor e som ao imaginário e, por isso, não penso duas vezes ao compartilhar sempre junto aos amigos da magia da culinária. Hoje, Prazeres à Mesa traz como entrada estes versos: “Certos bolos e cremes, antes de serem degustados pela boca à vida, o são pelo nariz e pelos olhos, e, se não o permitissem, o seria pelas mãos que amariam verificar a maciez, a doçura e a delicadeza da pasta.
Único sentido não beneficiado, o ouvido permaneceria alheio a essa fruição geral, se não chegassem até ele os ruídos normais de uma casa onde se come, choque de louça no mármore, de metais na louça, pequenos rumores familiares a que se ligam imemorialmente as sensações do paladar, e que tanto contribuem para a composição desse extraordinário prazer de comer”.
A cozinha sensorial encanta chefs estrelados, tais como Helena Rizzo, do restaurante paulistano Maní. São os precursores da gastronomia de classe no Brasil. Eles brincam com as formas, texturas, variam temperaturas, mexem no aroma e estética dos alimentos. Querem mesmo é brincar, confundir, surpreender. Helena propõe uma sobremesa que visualmente lembra o ovo, frito. É composta de uma bola do sorvete de gemada adicionada com espuma de coco, imitando a clara. E que tal o Tagliatelle ao Pomodoro sem um único fio de macarrão do badalado restaurante Clos de Tapas? São finas lâminas de mandioquinha com xarope de açúcar, purê de tomate e castanhas provenientes do estado do Pará salpicadas, substituindo o queijo ralado.
A culinária sensorial é esboçada pelo ato de mexer com os padrões a que nosso inconsciente está acostumado.
Sair da rotina do memoriável arroz com feijão é se permitir a outros prazeres. Adoro como tudo na arte da gastronomia se torna imprevisível como o sabor, a textura e o formato, incluindo as combinações.
Sempre que me proponho a experiências novas, e, neste sentido, exercito a poesia sobre as receitas que a vida dá, e, sempre de uma forma feliz. Afinal, a felicidade encontra-se nestes pequenos, mas enormes prazeres do imaginário.
Já gerenciei alguns jantares sensoriais que uniam a poesia, a música, e, claro, a gastronomia. Na maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, consegui encantar atores globais com as minhas poesias acompanhadas de um belo cardápio. Tive o privilégio de ter sentado à minha mesa figuras do mundo cultural, tais como o ator Pablo Morais, que tocou ao lado de sua incrível banda; Cissa Guimarães, Cande Salles, Paula Klin, Andrea Dellal, Alessandra Ambrósio e outros, o que definitivamente foi sucesso! Depois, retornei várias vezes ao Rio para romancear o prazer à mesa.
Em Goiânia, realizei o jantar no Antônia Bistrô com a casa lotada. Infelizmente, na cidade poucos são sensíveis à poesia e o sentir. O resultado foi milhares de fotos no instagram, onde o mais importante foi o clique do inusitado, mas o sentir pouco importava. Fato curioso.
MÁSCARA
A venda nos olhos faz com que tenhamos um momento destinado a parar e prestar mais atenção, a cada detalhe, tanto no cheiro quanto nas texturas, tudo que nos rodeia, à magia da música, a poesia erótica cheia de sensualidade e amor que escrevo e declamo. Sentir as pessoas e, por que não, a nós mesmos. Nos dias de hoje, com a frequente estimulação da visãonocelular, aguçada, outrossentidos tornam-se pouco explorados. Há que se dar espaço para que isto aconteça, e, suprimir a visão, mesmo que por alguns instantes, é uma forma de proporcionar prazer, enriquecer a experiência que brota da mágica arte e do prazer gastronômico. Pare, olhe, sinta, cheire, ouça, se permita. Uma visita incomum, com estímulos aos quatro sentidos. Coloque a venda, se solte, viaje com seu parceiro e descubra os roteiros que provocam interações humanizadas.
Receita da semana
PASTA AMATRICIANA: BACON E O VINHO BRANCO JUNTOS
O sabor forte e defumado do bacon casa muito bem com os vinhos tintos, mas isso não significa que usá-lo com um vinho branco também não possa funcionar bem. Um dos pratos mais famosos da culinária italiana é o macarrão à Matriciana, uma receita de molho que promove essa mistura encantadora.
A receita original vem da província de Amatrice, na região italiana de Lazio, e na verdade não leva bacon, mas sim o guanciale, uma carne parecida com o bacon, mas retirada das bochechas do porco. Devido ao preço e à dificuldade de encontrar o guanciale, quase todas as adaptações modernas do Matriciana levam toucinho em sua receita.
MODO DE PREPARO
Para fazer essa delícia, deve-se refogar o bacon em sua gordura até dourar. Tire da panela e reserve. No mesmo recipiente, cozinhe tomates maduros ou pelatti com queijo pecorino, depois coloque o vinho branco e o bacon novamente. Neste caso, o vinho deve ter um bom corpo e boa acidez para acompanhar o tomate e para que deixe um pouco do seu sabor no molho. Deixe tudo cozinhar por alguns instantes e sirva com bastante queijo ralado! Se quiser apreciar sua receita com o mesmo vinho, tome cuidado para que ele tenha boa acidez, assim você terá uma combinação harmoniosa. Mas prefiro harmonizar com o vinho tinto italiano da uva Primitivo, da região de Puglia.
CAÇAROLAS
TENDÊNCIAS GASTRONÔMICAS
A sustentabilidade, a preocupação com a saúde, a vontade de descobrir sabores ainda pouco globais e retomar métodos tradicionais de cozinha vão crescer ainda mais.
CHOCOLATE DE MANHÃ
Já é muito nas mídias que chocolate amargo é bom para a saúde. A pesquisa da universidade americana Syracuse concluiu mais: entre os benefícios está a capacidade de raciocínio, a melhora na memória e no foco. A Tel Aviv University completa: a sobremesa, quando consumida pela manhã, ajuda na perda de peso. Então, está entendido: bolo de chocolate logo de manhã.
“CARNES” VEGETAIS
O grão-de-bico, milho, leguminosas e cogumelos tomarão o posto das carnes. Haverá o crescimento do vegetarianismo e do veganismo, mas, principalmente, o aumento de carnívoros que irão buscar alternativas à carne de todo dia. Esta mudança acontecerá muito pela conscientização sobre a produção da carne, investigada por uma série de document á r i o s que estão sendo produzidos e assistidos.
ZERO DE DESPERDÍCIO
Consumidores e empresas vão reduzir o desperdício dos alimentos, reutilizando caules, cascas e tudo que tradicionalmente seria descartado. O impulso para esta mudança será a vontade de consumir com mais consciência ambiental e social. As receitas são criativas, como picles de casca de melancia, arroz de caule de couve-flor e muito mais.
APPS-CHEF
Assim como Uber e Airbnb, o aplicativo EatWith conecta casa cozinheiros com pessoas famintas. Os dois marcam e o cozinheiro vai à casa do cliente preparar a refeição. A ideia é boa, só resta saber se vai pegar por aqui.
COMIDA DOS IMIGRANTES
Os refugiados estão espalhando culturas gastronômicas pouco conhecidas por todo o mundo. Este movimento trará inúmeras fusões de sabores entre o Oriente Médio e o resto do mundo. Receitas que vão muito além do hummus e do kebab. As cozinhas estarão abertas para estes sabor.