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Bolshoi Pub recebe tributo ao The Doors dez anos após tecladista e guitarra se apresentarem na casa

Subversivo e lisérgico, grupo estadunidense mudou o pop, nos anos 1960. Saiba o que torna a música do quarteto tão fascinante

Doors posaram para foto do disco "Morrison Hotel", lançado em 1970 - Foto: Henry Diltz/ Arquivo Doors posaram para foto do disco "Morrison Hotel", lançado em 1970 - Foto: Henry Diltz/ Arquivo

Poucos discos de estreia metem o pé na porta com tamanha força como “The Doors”, base do show-tributo que será apresentado nesta sexta, 22, a partir das 23h, pela banda gaúcha Back Doors, no Bolshoi Pub, em Goiânia. Lançado em 1967, o elepê põe a poesia sombria de Jim Morrison para dialogar com a guitarra flamenca tocada por Robby Krieger, músico que foi além do rock numa época em que muita gente ainda estava agarrada ao blues.

The Doors impacta não só pelo barítono inconfundível de Jim Morrison ou pela guitarra lírica de Krieger. Há uma bateria bossanovista tocada por John Densmore, aspirante a jazzista, em 1967. E, deslizando alucinadamente pelas teclas do órgão Vox Continental, Ray Manzarek explora um novo terreno musical, afastado do timbre consagrado pelo Hammond. Ainda ninguém poderia imaginar que Manzarek reproduziria o baixo num Fender Rhodes. É uma rica variedade de estilos - rock, blues, jazz, flamenco e bossa nova.

Obra do acaso, os Doors despontaram no cenário da psicodelia californiana em 65, quando o tecladista Ray Manzarek (responsável pela original fusão entre LSD e blues, base da música deles) pediu para o poeta Jim Morrison ler alguns versos. Envergonhado, Morrison balbuciou em Venice Beach, Los Angeles, a primeira estrofe: “Let´s swim to the moon/ let´s climb through the tide”, ou “vamos nadar para a lua/ vamos escalar a maré”. Dois anos depois, a banda gravaria a canção, sob o nome “Moonlight Drive”, no disco “Strange Days”. Dê o play no vídeo:

Jim não pensava em ser roqueiro, embora tenha visto Elvis Presley e Little Richard durante a adolescência, fase em que começou a tomar consciência. “Apenas estava lá. Nunca fiz aula de canto. Eu nem mesmo o concebia. Eu achava que iria ser um escritor ou sociólogo, talvez escrever peças teatrais. Fui a pouquíssimos shows - um ou dois, no máximo. Vi algumas coisas na tevê, mas nunca tinha feito parte daquilo”, rememorou o artista, numa entrevista dada ao jornalista estadunidense Jerry Hopkins, que viria a ser seu biógrafo - nos anos 1980.

Os Doors abalam as estruturas logo de cara, com a matadora estreia materializada em “The Doors”. A faixa de abertura, “Break on Through”, grita que o dia destrói a noite, a noite divide o dia e, bem, o eu-lírico confessa que tentou fugir - tentou se esconder. “Atravesse para o outro lado”, vocaliza Jim, num vozeirão que lembra Frank Sinatra e Elvis Presley, dois cantores dos quais Jim se dizia fã. Ouça o hit aqui:

“Soul Kitchen”, a segunda canção de “The Doors”, hipnotiza ouvidos despsicodelizados, enquanto “The Crystal Ship” revela a beleza em alterar a consciência, em provar o desconhecido, em sentir a sutileza dos paraísos artificiais. Releituras de velhas composições do blues demonstram ainda que se tratava de uma banda preparada, constituída por jovens intelectualizados egressos da Universidade da Califórnia: “Alabama Song”, assinada pela dupla Brecht/Weill, e “Back Door Man”, de Howlin Wolf, adquiriram arranjos lisérgicos.

Eu achava que iria ser um escritor ou sociólogo, talvez escrever peças teatrais. Fui a pouquíssimos shows - um ou dois, no máximo. Vi algumas coisas na tevê, mas nunca tinha feito parte daquilo Jim Morrison, cantor, compositor e poeta

Erótica e lasciva (Marquês de Sade total), “Back Door Man” torna perceptível a referência à sodomia, numa letra que fala coisas como “é, sou o cara da porta dos fundos/ sou o cara da porta dos fundos/ os homens não sabem/ mas a garotinha entende”. Daniel Sugerman, biógrafo de Jim Morrison junto com Jerry Hopkins, conta, em “Ninguém Sai Daqui Vivo”, que o vocalista dos Doors sabia que “a música é mágica, de que performance é adoração e sabia que o ritmo pode libertar”. Por isso, os shows eram encontros públicos catárticos.

Em “The Doors”, há ainda as duas faixas mais extensas gravadas pela banda. Composta por “Robby Krieger”, “Light My Fire” se torna um hino sexual influenciado pelo jazz e pelo sexo, com óbvias referências a estados alterados da consciência, ou seja, uso de drogas - especialmente o LSD. Num ensaio, antes de se apresentarem no Ed Sullivan Show, os Doors se irritaram ao serem informados de que precisariam trocar o verso “garota, nós não podemos ficar muito mais chapados” - o que eles, claro, não fizeram. Foram banidos da TV.

Já “The End” - épico de 11 minutos - anuncia o ethos dos Doors: sombrio, intelectualizado, charmoso. Edipiana e - por isso - embebida da psicanálise freudiana, a derradeira faixa de “The Doors” discute luxúria e morte, como se fizesse com sua taciturna musicalidade um contraste à figura de forma apolínea personificada por Jim Morrison. O pai, coitado, é assassinado pelo filho e, cruz credo, a mãe acaba sendo fodida pela sua própria criação: é um rock-teatro. Ou teatro roqueiro do absurdo. Artaud puríssimo. Escute a seguir:

Mitologia

Como os Doors tinham virado celebridade com o primeiro disco, após terem se tornado conhecidos pelas apresentações ensandecidas no Whisky a Go Go, em Los Angeles, a banda confirmou que a unidade era o principal atributo de sua sonoridade. “Strange Days” reúne os hits “My Eyes Have Seen You”, “Strange Days” e “Love Me Two Times”, além da misteriosa "You're Lost Little Girl”, da excitante “Moonlight Drive” e da sartreana “People Are Strange”. O disco fecha com “When The Music's Over”, outro épico criado pelo grupo.

São músicas sensuais. Boas pra se ouvir transando. Roupas voando ao som de Doors. Lábios agitados se encontrando na geografia do amor. Corpos se abraçando na sinfonia do desejo. “Ela é sábia e sabe o que fazer”, declara Jim. Aliás, “Love Street” é uma das onze composições de “Waiting For The Sun”, lançado em 68. Nas alturas do amor, o elepê abre com a gostosa “Hello, I Love”. Sucede-se a surrealista “Not To Touch The Earth” e vem o amor-ritual de “Wintertime Love”. Em seguida, aparecem os soldados misteriosos de “The Unknown Soldier”, mas o ápice é a flamenca “Spanish Caravan” e a bêbada “Five To One”.


		Bolshoi Pub recebe tributo ao The Doors dez anos após tecladista e guitarra se apresentarem na casa
Capa do disco "Strange Days", elepê lançado em 67. Foto: Divulgação


Testando os limites da realidade e loucos para saberem o que aconteceria, os Doors abrem as portas da percepção. Afinal, conforme preconizava o maldito William Blake, “a prudência é uma velha solteirona, rica e feia, cortejada pela incapacidade”. Jim Morrison, Robby Krieger, John Densmore e Ray Manzarek continuaram com a tríade rock-sexo-lisergia em “The Soft Parade”, elepê gravado com presença de metais, embora a crítica o considere aquém do esperado. Há, entretanto, a orgástica “Touch Me” e a sensual “Tell All The People”.

Lançado em 69, “The Soft Parade” foi considerado repetitivo. Entre shows arriscados (Morrison foi preso num deles) e visto como perigoso (por causa da medida), o grupo voltou às raízes em “Morrison Hotel”, de 1970. O impacto começa na primeira música, “Roadhouse Blues”, que tem Lonnie Mack no baixo e John Sebastian, da banda Lovin´ Spoonful, na harmônica. Funk buliçoso, “Pearce Fog” retrata o clima de convulsão social do período. Três pérolas ainda estão no repertório: “Blue Sunday”, “The Spy” e “Indiana Summer”.


		Bolshoi Pub recebe tributo ao The Doors dez anos após tecladista e guitarra se apresentarem na casa
Capa do disco "Morrison Hotel", lançado em 70. Foto: Divulgação


No ano seguinte, antes de radicar-se em Paris à procura de se reencontrar com sua poesia, Jim Morrison emprestou a voz para o disco “L.A Woman”. Em “The Changeling”, demonstra que ultrapassou limites pessoais para estar no estúdio. Nota-se também uma banda encorpada, com Jerry Scheff, ex-Elvis Presley, no baixo e Marc Brenno na guitarra rítmica. A temperatura sobe em “L.A Woman”. “Riders On The Storm” é Doors clássico. Tão clássico que seria a despedida de Jim, morto meses depois, na cidade luz, aos 27 anos.

“A banda representa duas coisas: verdade e liberdade. Fizemos a música da geração que cresceu nos anos 60 e quebrou as barreiras políticas, sociais e sexuais. Presenciamos um monte de revoluções comportamentais. A banda marcou aqueles tempos em que a guerra do Vietnã comia solta e Martin Luther King era assassinado”, disse o tecladista Ray Manzarek, em 2010, à “Rolling Stones”. Ouvir Doors, segundo ele, é como fumar o primeiro baseado.

Back Doors

Sexta, 22, às 23h

Bolshoi Pub

R. T-53, 1140, St. Bueno

40 reais (até às 21h)

50 reais (após às 21h)

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