Entretenimento

Conheça o curta goiano INTERVENÇÃO

Diário da Manhã

Publicado em 10 de março de 2018 às 00:45 | Atualizado há 4 meses

Segurança pública. Drogas. E violência. Temas constante­mente debatidos, e diaria­mente vivenciados por pessoas de diferentes idades, etnias e persona­lidades nas grandes cidades, prin­cipalmente no que diz respeito ao âmbito da Classe C – uma popu­lação que recebe pouca preocupa­ção governamental, e quando sim, sempre em detrimento de interes­ses políticos e sociais de empresas e projetos que visam o favorecimento de poderosos. O curta goiano Inter­venção, dirigido por Isaac Bruum, se passa em Goiânia e utiliza o ce­nário de uma das metrópoles mais violentas do Brasil para contar uma história corriqueira, e comum a tan­tas outras cidades pelo país. Casos que envolvem jovens de bem, inte­ressados em ganhar o pão de cada dia com respeito e dignidade, mas que, por uma série de fatores, são atraídos pelo tráfico e a possibili­dade de receber um dinheiro fácil.

Intervenção acompanha o pro­tagonista Dudu, um rapaz negro, de boa índole, que trabalha como moto táxi, mas, infelizmente, escolhe in­gressar no tráfico. Ao mesmo tem­po, temos uma exploração do pre­conceito muito vigente com a classe negra. A polícia que enxerga o negro como culpado, e o principal suspei­to, é claramente expressado atra­vés de detalhes visuais importantes do curta, e apresentados de manei­ra coerente, realista e contundente na obra. E em muitos casos o racis­mo é expresso sem intenção, já en­raizado no cerne social que cauteri­zou o subconsciente para uma ação que, infelizmente, se tornou natural.

Intervenção é um retrato crível de uma cidade que se torna cada vez mais desigual, e cuja ascensão acon­tece com descontrole e desorganiza­ção estatal. O mais incrível de tudo? É que Intervenção pode até usar Goiâ­nia como exemplo, mas sua história é oportuna para qualquer cidade. Qualquer capital. É um relato firme, e incisivo, de uma realidade triste re­sultado de anos de má formação

 

 

A SEGUIR, LEIA PARTE DA ENTREVISTA COM O DIRETOR, ROTEIRISTA E PRODUTOR ISAAC BRUM

 

M.V. – Quando surgiu a ideia de escrever Intervenção?

Isaac Brum – A ideia desse curta surgiu da vontade de dis­cutir o tema da segurança pú­blica, da política de drogas. O personagem do motoboy sur­giu primeiro, e depois surgiram os policiais, então resolvi criar uma narrativa paralela. Hoje em dia estamos muito acostu­mados a ver o trabalho da po­lícia na TV, existem inúmeros reality shows policiais. Eu as­sistia esses programas enquan­to estava desenvolvendo o ro­teiro, eles também serviram de referência para a construção dos diálogos, por exemplo, dos códigos usados. Mas nesses pro­gramas, os policiais são repre­sentados de uma forma, com um determinado comporta­mento. E nós sabemos que nem sempre é assim. Ao mesmo tem­po, o tema da segurança públi­ca é bem complexo e analisar o papel da polícia na sociedade é uma tarefa árdua. O curta sur­giu então da vontade de abor­dar essa questão, de estimular uma reflexão no espectador so­bre todos esses temas.

M.V. – Você explora um coti­diano comum há muitos, seja em Goiânia, ou em qualquer parte do Brasil e do mundo. Muitos estão só querendo ter mínimas condi­ções financeiras para viver, ali­mentar a família, e optam pelo caminho do tráfico. Como foi a pesquisa para você montar Inter­venção, em quais histórias você se inspirou?

Isaac Brum – O personagem do Dudu é um jovem brasileiro comum, que nasceu na perife­ria, não teve acesso a uma edu­cação de qualidade, foi criado pela mãe, e quando completa 18 anos e vai para o mercado de trabalho, a única opção que tem é ser motoboy. Trabalhar nas ruas de moto é viver inten­samente o caos urbano das nos­sas metrópoles, é estar sujeito a tudo. A nossa intenção é contar a história de um jovem normal, de boa índole, mas que acaba sendo atraído pelo pequeno trá­fico, por uma série de fatores.

O filme abre com um plano de Dudu em cima de sua moto, com sua mãe na garupa, indo da periferia para o centro da ci­dade. É uma cena simbólica no sentido que representa os dois e a moto como uma unidade. Quando ele chega e deixa a mãe no ponto de ônibus, é uma me­táfora do nascimento, da mãe que gera o filho para o mundo.

Mas o filme é também sobre a relação do indivíduo com o es­tado, sobre as obrigações do es­tado com o indivíduo, de prover segurança e garantir direitos, e sobre os deveres do indivíduo para com o estadoe com a so­ciedade. É sobre como e através de que meios todas essas coisas são determinadas na realidade socioeconômica do Dudu, esse cidadão, que é o personagem principal do curta.

M.V. – E como introduzir o ce­nário de Goiânia à narrativa do tema? Quais aspectos da cidade você quis explorar para compor a ambientação?

Isaac Brum – Esteticamente, eu queria buscar algo bem ur­bano, explorar essa estética de periferia, o contraste com o cen­tro da cidade. E também dialo­gar com ela, explorar a familia­ridade que as pessoas tem com essas partes e esses elementos da cidade, como o viaduto da Av. 85. E também queria contrastar a região central da cidade com a periferia, mostrar também a be­leza e os problemas da periferia. Por exemplo, na cena em que o Rodrigo Cunha traz o Dudu al­gemado, vemos os dois em uma rua de periferia e ao fundo te­mos a imagem da cidade, com seus prédios altos e brancos.Mas o filme não foi pensado como uma história que se passa em Goiânia, e sim em qualquer me­trópole brasileira.

Eu acho que, esteticamente, a câmera tem um papel funda­mental no filme. Esteja em mo­vimento ou parada, ela observa indelicadamente a vida desses personagens. E é também uma câmera muito móvel, que vai onde o personagem está, acom­panha-o ao seu lado, na moto, na viatura, em alta velocidade. E outros momentos, ela se move lentamente revelando camadas da realidade urbana em que es­ses personagens estão inseridos. É também uma câmera imprevi­sível, que se torna um elemen­to fundamental da narrativa, por exemplo na cena em que o personagem Razé, se afasta dos policiais próximo ao final do filme, e seguimos ele até a esquina.

M.V. – Outro tema que você apresenta através da imagem, mesmo não sendo citado por falas, é o preconceito enraiza­do na cultura popular. Do ne­gro ser o principal agente e res­ponsável pelo tráfico.

Na cena final que encerra o curta, por exemplo, você fala dis­so ao mostrar duas motos. A moto preta, que pertence ao persona­gem negro do filme, é a única que fica estacionada após o dono ser detido pela polícia. E na mesma situação, a mesma polícia libera o branco que saí discretamente para buscar a sua moto vermelha.

Não sei se foi realmente a sua intenção usar as motos como analogia, mas eu senti isso, e gostei muito. Foi sua intenção?E como foi retratar estes temas atra­vés dos simbolismos da imagem?

Isaac Brum – A questão ra­cial também é abordada no fil­me, mas não é central. As cores das motos foram coincidência. A intenção era que a moto fosse um símbolo mesmo, uma conti­nuidade do personagem do mo­toboy, e também uma persona­gem da narrativa, ao mesmo tempo. O filme começa e en­cerra com a imagem da moto. A moto é testemunha da vida desse jovem, e nós também a acompanhamos. Isso abre es­paço inclusive para uma dis­cussão sobre mobilidade ur­bana.

Um outro símbolo que que­ríamos destacar é o capacete, onde o Dudu escreveu Dudex Entregas”, que está inclusive no cartaz do filme.


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