De mulher para mulher: cineasta indígena e pesquisadora branca criam juntas videoinstalação
Diário da Manhã
Publicado em 13 de dezembro de 2017 às 22:03 | Atualizado há 4 meses
Duas mulheres, uma branca, outra índia, cientes de suas condições e das diferentes oportunidades que tiveram refletindo a realidade uma da outra. É mais ou menos essa a tônica de “A Imagem Como Arma”, uma videoinstalação feita através da parceria entre a cineasta mbyá-guarani Patrícia Ferreira e a artista visual goiana Sophia Pinheiro. A obra será doada ao Museu Antropológico da UFG, mas antes o público em geral vai poder visitá-la em exposição que entra em cartaz amanhã no Centro Cultural UFG (CCUFG). O lançamento acontece das 18h às 21h, e será seguido de bate-papo com as artistas.
Realizado com apoio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC), o trabalho ainda esta semana vai chegar a Pirenópolis e a cidade de Goiás, onde a produção será exibida, respectivamente, neste sábado (16) e domingo (17). Depois da circulação, a intenção das autoras é de que “A Imagem Como Arma” chegue a outras aldeias indígenas e também fora do Estado de Goiás.
“A importância do projeto não é só regional, mas para todo o território brasileiro e para os demais locais do mundo, visto que a questão indígena e da mulher são assuntos universais”, defende Sophia, que começou a criar a videoinstalação em 2016, quando fazia a pesquisa de campo,para conclusão de um mestrado em Antropologia pela UFG, e assim conheceu Patrícia.
Mas antes de saber mais sobre a obra é preciso conhecer um pouco destas duas mulheres de realidades distintas, porém que foram unidas pelo cinema. Patrícia Ferreira é uma índia da etnia mbyá-guarani. Mora na Aldeia Ko’enju, em São Miguel das Missões (RS). Atua como professora desde 2006, e em 2007 cofundou o Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema e hoje é a cineasta mulher mais atuante do projeto Vídeo nas Aldeias (VNA).
Já Sophia Pinheiro é Mestre em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social na Universidade Federal de Goiás (PPGAS/ UFG) e graduada em Artes Visuais Bacharelado em Design Gráfico pela mesma universidade. Foi cofundadora e coordenadora do Coletivo FAKE FAKE (2008) e vice-presidente do Coletivo Cine Cultura (2012). Tem filmes recentes aplaudidos Brasil afora, como Notas de Falecimento (2016) e Seres sem umbigo (2017).
OLHARES
Para criação de “A Imagem Como Arma” Sophia esteve duas vezes na Aldeia Ko’enju, em São Miguel das Missões (RS). Enquanto Patrícia visitou uma vez o Estado de Goiás. Pela distância, parte do material audiovisual que compõe a videoinstalação vem de video-cartas trocadas pelas mulheres ao longo de dois anos.
Em princípio, o projeto procurava compreender, por meio de imagens, o processo criativo artístico de cada uma: a cultura impactando o olhar poético e afetos da mulher indígena e da mulher branca sobre o outro, o cotidiano, sobre tempo e espaço. No entanto, ao longo da produção, a obra foi evidenciando, cada vez mais, a relação pessoal entre as duas mulheres.
E isso se pode notar claramente no encontro das autoras na aldeia, cena que foi a grande responsável pela densidade da videoinstalação. Pois, neste momento, quando uma filma a outra, é que fica evidente seus olhares e pontos de vistas repletos de contrastes. “Nós aceitamos o desafio de mudar, de nos compreender”, conta Patrícia.
De acordo com a cineasta, foi rápido esta compreensão da realidade e valores morais e éticos de cada uma. “E acho que quando a gente percebeu essa verdade fomos acolhidas uma pela outra. Assim, compreendi que essa consciência é a nossa identidade, de cada uma, e apesar de sermos tão iguais − porque somos duas mulheres imperfeitas habitando esse mundo imperfeito. E ao mesmo tempo, também somos diferentes”, filosofa Patrícia.
Para Sophia, a obra traz à tona ainda “questões das mulheres” pouco discutidas na antropologia, nas artes visuais e no cinema. “São mostradas a casa, a maternidade, a mulher como esposa, mas com viés subjetivo e feminista, confrontando a desvalorização universal do domínio doméstico e do feminino”, explica Sophia.
ARMA POLÍTICA
Talvez um dos maiores pontos fortes da exposição é de dar oportunidade para mulheres indígenas, através da linguagem audiovisual, se expressarem socialmente, politicamente e artisticamente, ou seja, sem romantismos e clichês. “A imagem é nossa flecha, nossa arma, que aprendemos a usar assim como o papel”, argumenta Patrícia.
Já Sophia entra na obra muito consciente de seus privilégios e espaços que pode ocupar por ser branca. “No filme, quando Patrícia diz para os brancos: ‘Acho que vocês queriam que a gente não existisse’, ela também destina uma mensagem a mim. Mas, ainda sim, somos nós, vulgo ‘mulher branca’ e ‘mulher indígena’, criando uma obra artística juntas e isso, sim, pode ser uma arma pra rasgar o peito de todo olhar com viés hegemônico ocidental, etnocida, preconceituoso e machista”, arremata a pesquisadora.