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Do limbo ao riso

Diário da Manhã

Publicado em 2 de fevereiro de 2018 às 01:49 | Atualizado há 4 meses

A programação de artes cênicas deste fim de se­mana na capital pode te levar tanto às profundezas do in­ferno como à zombaria do cir­co a partir de clássicos centená­rios e incontestáveis da literatura mundial. Adaptações de obras do poeta italiano Dante Alighieri e do dramaturgo francês Molière vão estar em cartaz amanhã por aqui. E, o melhor: seus textos se­rão interpretados por compa­nhias locais, que apostaram em versões inusitadas, repletas de críticas à sociedade moderna.

A Cia Novo Ato, por exemplo, encerra amanhã, às 20 horas, no Espaço Cultural Novo Ato, a temporada de apresentações de estreia do espetáculo “Inferno­-Lugar de Tormento”. A trama, que é livremente inspirada na primeira parte do livro Divina Comédia, Inferno, que Alighieri escreveu no XIV, recebeu dire­ção de Marília Ribeiro.

No processo criativo da mon­tagem, a diretora optou em trazer uma peça da qual o público pu­desse mais do que assistir, como participar. Sendo assim, os nove ciclos do inferno de Dante estão espalhados pelo Espaço Cultu­ral. O público transita pelo teatro conduzido pelos personagens da peça, como Xântipa, mulher de Sócrates, que levou a fama de bri­guenta, mas ajudou o marido a se tornar um grande filósofo, e é in­terpretada por Marília Ribeiro.

“Xântipa, equivale ao Virgílio, que na obra original levou Dan­te aos ciclos do inferno a partir do pedido de Beatriz, que está ao lado do Todo Poderoso e na peça é chamada de Luísa”, expli­ca a diretora e atriz do espetácu­lo, que incrementou à obra um inferno repleto de personalida­des históricas, bíblicas ou mito­lógicas. exemplo de Eva, espo­sa de Adão, a besta fera Medusa da mitologia grega ou Cleópatra e até a saudosa Carmem Miran­da, “está no inferno”, acusada de tirar a própria vida.

A cada ciclo, o público é le­vado à reflexão sobre o bem e mal, através da viagem ao infer­no medieval. Assim, surgem rios que ferve de fúria e dor que ator­menta assassinos como Hitler, torturadores que do alto segu­ram as tripas bipartidas de po­líticos corruptos, farsantes e la­drões, entre outros castigos.

Toda esta viagem dantesca, de acordo com a diretora, tem a intenção de trazer reflexões atu­ais ao texto de Dante, que para Valéria é tão rico. “Nesta obra a cada duas linhas podemos tirar reflexões para um dia inteiro. Então, através de metáforas ri­cas do poeta estamos refletindo questões ambientais, políticas, sociais e até religiosas. Já que em um dos ciclos está o Papa Urba­no II, que transformou a religião do dar a outra face em uma má­quina de guerra e morte”, argu­menta Valéria.

A ideia de adaptar tal espetá­culo, a diretora conta que nasceu após as reformas do Espaço Novo Ato, em que o espaço passou por momentos caóticos. E, passa­da a tormenta das reformas, veio como recompensa a glória, pois Valéria comemora que a peça, que estreou em dezembro, tem sido um sucesso de público.

“Finalmente estamos atrain­do o público. Dante é um gênio e clássico, fala muito a nós huma­nos, nossa condição. Muito atual neste mundo de pecados, conta­minação e absurdos. Por que na verdade o inferno é aqui e somos nós”, disse a diretora, que preten­de dar continuidade à Divina Co­média, ao adaptar ainda os capí­tulos do livro sobre o Purgatório e o Paraíso.

PALHAÇARIA NO CLÁSSICO

Em um ambiente mais leve, em que as cores e o espírito zombetei­ro do palhaço invadem a cena, que a Cia. Teatral Oops! entrará nos palcos, para dar sua versão ao texto de Moliére “O Doente Ima­ginário”. A adaptação foi feita por João Bosco Amaral e estreia acon­tece também neste sábado (3), às 17h, no Teatro Sesc Centro.

A peça faz parte de um proje­to do grupo, chamado Moliére Para Todos, e na próxima segun­da-feira (5) o espetáculo vai fazer uma temporada de apresenta­ções gratuitas no Centro Muni­cipal de Cultura Goiânia Ouro, onde permanece em cartaz até sábado (9/2), sempre às 20 horas. A peça tem apoio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (Lei Goya­zes), tem classificação livre.

Em cena, o grupo trabalha com a palhaçaria, uma pesqui­sa que a Oops! – que está com­pletando 18 anos de fundação – fez questão de fortalecer des­de o início de sua trajetória. E, juntamente com o clima far­sesco, próprio de Molière, dei­xaram com ares atuais. “Tanto a palhaçaria, como o farsesco, no contexto do espetáculo atu­aliza o texto de Molière para os dias atuais, dando um tom cô­mico inteligente, mas que pode ser acessível ao público de qual­quer idade”, explica o diretor da peça João Bosco Amaral.

Com trilha sonora tocada ao vivo, pelo próprio elenco com­posto por Lino Calaça, Sol Sil­veira, Francisco Nikollay e João Bosco Amaral, “O Doente Ima­ginário” conta uma história de amor repleta de intrigas e inte­resse. Tudo vem à tona porque o protagonista é Argan, um velho hipocondríaco, que prometeu a filha, Dominique, para se casar com um médico, na intenção de ter um profissional sempre à dis­posição e se livrar dos gastos. No entanto, a jovem é apaixonada por Cléanto, um artista e músi­co de origem simples e que nada tem a ver com a medicina.

Além do pai avarento, o casal apaixonado ainda tem que lutar contra a madrasta da garota, San­tinha, que deseja internar Domi­nique em um convênio. Porém, a sorte dos pombinhos é que Nieta, a esperta empregada da casa, faz de tudo para ajudar no romance proibido. Assim, já pode-se prever muitas risadas.

Uma curiosidade desta peça, lembrada pela companhia é que quando estreou, há 345 anos, era o próprio Molière quem dava vida a Argan e, estava – ao contrário do personagem – gravemente doente.

“Molière faleceu encenado esse protagonista na quarta apre­sentação de sua peça, misturan­do a vida à arte, e tornado-se um símbolo de resistência, mostran­do que a criação artística o levou à imortalidade de seu nome”, dis­se João Bosco Amaral, que em entrevista ao DMRevista, falou mais sobre o processo criativo da montagem, Moliére e palhaçaria. Confira no box desta matéria.

 

ENTREVISTA DIRETOR DE “O DOENTE IMAGINÁRIO” – JOÃO BOSCO AMARAL

DM- Que nuances o palhaço e o clima farsesco deram a peça?

João Bosco Amaral- A escolha pela linguagem do palhaço para a composição da dramaturgia cê­nica e no processo de criação dos personagens se deu justamente na tentativa de dinamizar o jogo cê­nico do espetáculo, trazendo a es­pontaneidade e a irreverência para o contexto de um texto clás­sico. Isso dá ao espetáculo uma to­nalidade mais viva, pois torna os atores compositores da cena e co­-autores também da dramatur­gia textual. Mas, a pesquisa da lin­guagem do palhaço está desde os primeiros anos do grupo – que nes­te ano comemora 18 anos de fun­dação e perpassa sempre todos os processos criativos da Oops!.., mantendo a obra aberta à criativi­dade dos artistas cênicos. O clima farsesco da peça é também uma das linhas de pesquisa da Oops!.., mas já é um elemento presente na obra de Molière, que bebeu mui­to na “Commedia Dell’Arte” italia­na para realização de suas obras. Nessa proposta, há uma exacer­bação de características peculiares dos personagens e uma caricaturi­zação das mesmas, transforman­do cenas cotidianas, em cenas mais extravagantes, algumas até tendendo ao absurdo e a carnava­lização.

DM– Como foi esta experiência de fazer tocar ao vivo a trilha sono­ra do espetáculo?

João Bosco Amaral– A trilha sonora executada ao vivo pelos atores é antes de mais nada, um grande desafio ao grupo, que está buscando aliar a interpretação cê­nica ao desenvolvimento da musi­calidade. Assim, segue uma linha de pesquisa baseada em instru­mentos que já são característicos dos “Clowns” que cada ator pes­quisa, além de buscar na própria música, um elemento do jogo tea­tral, um componente fundamen­tal para auxiliar na narrativa desta comédia, para criar as at­mosferas e também para quebrar ritmos e desenvolver chistes e gags dentro da dramaturgia do espetá­culo. Para esta montagem, busca­mos trabalhar a partir de paródias e de ritmos populares e circenses.

DM– O que acha mais fasci­nante na obra de Molière?

João Bosco Amaral– Molière é um dos mais importantes drama­turgos da história teatral. Talvez o maior nome quando o assunto é comédia. Influenciou milhares de autores, como Ariano Suassu­na. Mas, o que me parece mais in­teressante é o fato de que Moliére era, além do autor de suas obras, ator e diretor. Escrevia seus textos já pensando na encenação dos mesmos, o que para um grupo de teatro como nós, que vamos fazer uma nova montagem, é fascinan­te, pois nas leituras já é muito fácil e divertido perceber os momentos mais cômicos e visualizar a ence­nação. Somado a isso, a drama­turgia de Molière é bastante in­teligente, sagaz e muito irônica, o que dá uma vitalidade e frescor à sua obra. Pois, por incrível que pareça, ainda vivemos as maze­las muito parecidas com a de três ou quatro séculos atrás.

 

 

ESPETÁCULO “INFERNO-LUGAR DE TORMENTO”

Quando: amanhã, às 20h

Onde: Espaço Cultural Novo Ato (Rua Dr. Sebastião Fleury Curado, 193, Qd. 24, Lts. 18/5, próximo Setor Criméia Leste)

Ingressos: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia)

ESTREIA “O DOENTE IMAGINÁRIO”

Estreia: amanhã, às 17h, no Teatro Sesc Centro (ingressos e informa­ções: www.sescgo.com.br)

Temporada: dos dias 5/02 a 9/02 (de segunda a sexta-feira), às 20h, no Teatro Goiânia Ouro (entrada franca)

 

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