Eno-esnobe
Diário da Manhã
Publicado em 27 de junho de 2018 às 23:00 | Atualizado há 4 meses
A par de toda a questão emotiva, creio ser extremamente difícil eleger o melhor vinho que já provei por um motivo mais, digamos, ligado à minha relação com o vinho: meu gosto muda com o passar dos anos. Aquilo que me encantou há cinco anos já não me agrada tanto. Também trilhei o caminho inverso: vinhos para os quais não dava muita bola, pelo seu estilo, agora gozam da minha predileção.
Pela subjetividade do tema, jamais existirá um melhor vinho, mas sim alguns grandes vinhos que nos seduzem de forma diferenciada de acordo com características do momento, do local, da harmonização com comida ou das pessoas com quem compartilhamos o doce néctar.
De olhos fechados, sem ter a menor ideia do que se está provando, o melhor vinho é aquele que surpreende no nariz pela sutileza de seus aromas, que permitem identificar ou não o que se vai tomar, pois o vinho pode ser maravilhoso e totalmente inesperado. O melhor vinho é aquele que continua surpreendendo na boca e no retrogosto, eventualmente “traindo” sensações esperadas pelo que se viu no nariz, eventualmente confirmando. E mais fantástico ainda, quando mesmo antes do seu rótulo e origem ser descoberto, sua vinificação, ele nos traz à boca a necessidade de uma comida qualquer, bem precisa. Quem já tomou um Pouilly Fumé com mexilhões apenas cozidos com mistura de água doce e da água do mar, sabe o que estou dizendo!
Outro dia me perguntaram qual o melhor vinho que degustei, vieram-me tantos na cabeça, que acabou me dando um branco. Por fim, o melhor vinho que aprecio, e é sempre o mais marcante, quando tomo a bebida de baco na companhia dos amigos. Sempre é um momento especial. As pessoas marcam mais que os vinhos.
CRÍTICOS DE VINHOS
A chamada “escola Robert Parker”, o mais conhecido critico de vinhos dos EUA, diz que nenhum vinho intrinsecamente pode valer mais de 100 dólares. Parker foi o principal responsável pela introdução de vinhos da África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e pela enorme expansão da venda de vinhos chilenos e argentinos nos EUA, tudo em detrimento dos tradicionais vinhos europeus. Além disso foi um grande propagandista dos ótimos vinhos californianos.
Parker foi ameaçado de morte na França porque disse que os Bordeaux de 5 ou 10 mil dólares eram uma mistificação, truque de marketing. A revista de Parker Wine Spectator é a bíblia dessa escola e seleciona mensalmente vinhos bons a preços razoáveis.
Para quem curte vinhos, os críticos são fundamentais, gosto muito de Hugh Johnson, inglês que tem uma visão melhor e mais abrangente, mas o Parker é um revolucionário que muito contribuiu para a popularização do consumo de vinho nos novos mercados.
ENO-INSUPORTÁVEIS
Quanto aos eno-chatos e aos eno-esnobes, a melhor coisa é não dar importância, eles caminham na linha do Burguês Fidalgo, de Molière, querem demonstrar importância através do vinho, acabam sendo uma comédia para diversão de todos nós, deixe-os falar e pensar que impressionam.
Existem também os Eno-nerds, que são aqueles que têm verdadeira paixão, às vezes patológica pelo mundo dos vinhos. Eles amam estudar a garrafa, rolha, até se a pessoa que está servindo o vinho se está usando algum tipo de perfume para não alterar os aromas de sua bebida!
Considera um crime beber o vinho tinto em uma taça que não seja apropriada para o vinho tinto. A opinião dos outros sobre o vinho é sempre chata. Não costuma se socializar muito, apenas nas degustações de vinho, falar de cerveja, meu Deus, é o fim! São esnobes, e às vezes se tornam insuportáveis.
ETIQUETA
Diante dos amigos, evite ficar descrevendo o vinho como se estivesse numa degustação técnica: “Reflexos violáceos, aromas complexos, taninos educados, retrogosto persistente…” Seu interlocutor vai sonhar em sair correndo, diante de tão rico comentário.
Não critique o vinho oferecido por um amigo, mesmo que você o deteste. Guarde com você comentários como “falta corpo”, “pobre em aroma”, alcoólico demais”. Seja discreto e deixe o vinho na taça descansando eternamente. Com certeza o anfitrião irá notar, e se tiver outras garrafas, educadamente, ele irá te convidar para escolher um vinho que mais lhe agrade. Faça do momento um prazer, não um curso básico sobre vinhos.
REFLEXÃO
Segundo Fernando Pessoa: “Boa é a vida, mas melhor é o vinho.”
“O amor é bom, mas é melhor o sono!” Com a sabedoria de sentir o meu silêncio, aprendi a gostar de mim, a cuidar de mim e, principalmente, a gostar de quem também gosta de mim. Nada melhor do que ter elegância da simplicidade, nãoachojusto alugar os ouvidos de amigos com minha sabedoriasobreabebidadebaco. Prefiro compartilhar a sabedoria do viver. Aí me pergunto: existe filosofia do vinho? Se há uma filosofia do conhecimento, da arte, daciência, da moral, da ação. Cada área do saber pode aspirar a ser objeto de reflexão filosófica. Mas, e o vinho? É claro, o vinho é mais um produto do saber e do conhecimento interior. Hojeovinhoévistomuitasvezescomosímbolodetransgressãodos valoresinformadospeloequilíbrioburguês, um período de transformações na estrutura social da nossa sociedade. Então, quando abrir uma garrafa de vinho, pense que ele já é uma parte intelectualdeumarefeiçãoedeencontros com amigos. O melhor vinho para miméaquelequeencantameu sorriso eaquecemeuespírito. Assim, continuo seguindo meu coração, e somente ele conduz minha vida, não a sociedade. Como diz Abigail Van Buren: “A sabedorianãovemautomaticamentecom a idade. Nada vem – exceto rugas”. É verdade, alguns vinhos melhoram com o tempo, mas apenas se as uvas eram boas em primeiro lugar.
É por esta mesma razão que um vinho tinto da Aurora, bebido ao sol de Búzios, vendo o sol se pôr no mar, parece o melhor vinho do mundo. Amigos e um amor são os segredos do bom vinho! Que a vida me traga vinhos e flores que adornem minha alma. Por fim, sempre que necessário, repita esta frase como se fosse uma oração: “Só existem aprendizes de vinho; só os humildes aprendem sobre a bebida de Baco”.
Receita com harmonização de vinhos
Feijão Manteiga comBochecha de Porco Alente
Rico em sabor, o prato legitimamente brasileiro tem um toque português, mas com a cara do Brasil. A receita me foi sugerida pela chef Rita Campos Simão, do Café Alentejo, em Évora, em Portugal. O que mais gostei foi saber que a coluna Prazeres à Mesa é lida em outros continentes, e receber esta receita desta chefe me deixou muito feliz. Este prato pode se tornar uma excelente opção para os dias frios.
Para harmonizar, Fred Benjamin, embaixador dos vinhos do Alentejo 2018, selecionou três vinhos tintos encorpados e potentes para uma perfeita harmonização com o prato, obtendo assim uma boa experiência gastronômica sem sair de casa.
INGREDIENTES
1 kg de feijão manteiga
1 kg de bochechas de porco alentejano
2 cebolas picadas
4 dentes de alho
1 linguiça
4 cenouras
batata-doce
louro
azeite a gosto
sal, pimenta e malagueta a gosto
arroz para acompanhar
PREPARAÇÃO
Cozinhar os feijões e as bochechas na panela de pressão separadamente. Num tacho coloca-se a cebola e alho a refogar com o azeite até ficar transparente. Adicione os legumes para cozinhar (cenoura e batata-doce), depois as carnes previamente cozidas e, por fim, o feijão. Deixa-se tudo ferver para todos os aromas se misturarem.
Dicas do sommelier para harmonizar
Como este prato é rico em sabor e ideal para o inverno, Fred Benjamin, embaixador 2018 dos vinhos do Alentejo no Brasil, recomenda vinhos tintos encorpados e potentes para uma perfeita harmonização com o prato. Abaixo, as sugestões do especialista:
SUGESTÃO 1
Bom Juiz Reserva Tinto – Carmim – Doc Alentejo da sub-região de Reguengos – O vinho estagia em barricas durante 1 ano e meio, é elaborado com as castas Alicante Bouchet, trincadeira e aragonez.
SUGESTÃO 2
Mouchao – Herdade do Mouchao – Doc Alentejo da sub-região de Portalegre – Elaborado com Alicante Bouchet e Trincadeira, o vinho estagia 24 meses em tonéis de 5.000 litros de carvalho português, macacaúba e mogno.
SUGESTÃO 3
Marques de Borba Reserva – Joao Portugal Ramos – Doc Alentejo da Sub regiao de Borba – Elaborado com as uvas Alicante Bouschet, Aragonez, Trincadeira, Touriga Nacional Estágio: 18 meses em pipas novas de carvalho francês.
CAÇAROLAS E VINHOS
ABE TRAZ AO BRASIL RENOMADO ESPECIALISTA NO ASSUNTO EM UM CURSO EXCLUSIVO
Pela primeira vez conduzindo um curso no Brasil, Jaume Gramona Marti vem compartilhar seu profundo conhecimento sobre Cava com um seleto grupo de 30 enólogos brasileiros. Reconhecido como uma das principais celebridades no assunto, o espanhol aceitou o convite da Associação Brasileira de Enologia (ABE) para estar nos dias 9 e 10 de julho conduzindo o tema “Conhecendo a Região do Cava e seus Espumantes”. O evento será no Salão Chardonnay, do Dall’Onder Grande Hotel.
Durante dois dias, um seleto grupo de 30 profissionais terá o privilégio de fazer uma imersão pelo universo de um dos espumantes mais famosos e reconhecidos do mundo: Cava. Serão 10 horas de intenso aprendizado. A oportunidade, gerada pela ABE, tem o patrocínio do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) – Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
BRASIL SE PREPARA PARA A MAIOR AVALIAÇÃO DE VINHOS DO PLANETA
Vai começar a maratona. A maior avaliação de vinhos de uma mesma safra do mundo já está em processo de elaboração. Vinícolas de todo o Brasil têm até o dia 6 de julho para inscrever suas preciosidades da Safra 2018 na 26ª Avaliação Nacional de Vinhos, o mais importante evento do setor vitivinícola brasileiro, reconhecido por enólogos e formadores de opinião do mundo inteiro. Regulamento e ficha de inscrição estão disponíveis no site www.enologia. org.br. O evento é uma promoção da Associação Brasileira de Enologia (ABE).