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Filme ‘Santa Dica’ revisita personagem que marcou Goiás

DM Redação

Publicado em 18 de agosto de 2025 às 20:05 | Atualizado há 2 dias

Para cineasta Simonia Queiroz, Benedicta Cypriano Gomes teve parte de sua trajetória usurpada pelo machismo

Meyrithania Michelly

As filmagens de “Santa Dica” já começaram. O projeto é inspirado na trajetória de Benedicta Cypriano Gomes, líder comunitária conhecida como Santa Dica, que no início do século 20 comandou um movimento popular em Goiás, fundou uma vila autônoma e marcou a resistência no sertão central do Brasil. 

Santa Dica” mistura elementos históricos, religiosos e de realismo fantástico, conta com apoio do Fundo de Apoio à Cultura do DF e será lançada em duas versões: uma minissérie de quatro episódios e um longa-metragem. As gravações ocorrem em Corumbá de Goiás e em cidades no entorno do DF. 

O elenco traz a atriz Pâmela Germano no papel-título, com Rosanna Viegas, Márcia Duarte, Murilo Grossi, Chico Sant’Anna, Sérgio Sartório, Abaetê Queiroz e Otto Caetano no núcleo principal. Também conta com participações especiais de Adriana Nunes e Marcello Linhos.

Dirigido por Simonia Queiroz, com elenco liderado por Pâmela Germano, o projeto é formado majoritariamente por mulheres em cargos de liderança e busca resgatar a memória de uma figura feminina apagada da história nacional. O lançamento está previsto para 2026.

Cineasta Simonia Queiroz e atriz Pâmela Germano durante filmagens de longa-metragem sobre Santa Dica – Foto: Luciana Melo/ Divulgação

Benedita Cipriano Gomes, a Santa Dica, nasceu em 1905 próximo a Pirenópolis e se tornou uma líder comunitária, messiânica e política reconhecida por promover igualdade, distribuir terras e recursos, realizar curas milagrosas e comandar um exército de seguidores. 

Sua influência atraiu milhares de devotos, enfrentou oposição de autoridades e participou de conflitos históricos, sempre cercada de relatos de milagres. Casada com o jornalista Mário Mendes, Dica faleceu em 1970, mas seu legado permanece vivo em Lagolândia, povoado que preserva sua memória com bustos, altares e celebrações em homenagem à coragem e à fé.

Segundo Germano, a imersão na obra foi profunda, unindo estudo histórico, preparação física e um mergulho emocional no universo simbólico de Santa Dica. Para ela, interpretar uma liderança feminina surgida no Cerrado goiano, marginalizada pelo Estado e pela Igreja oficial, mas capaz de mobilizar um movimento popular de fé e resistência, foi um processo transformador. 

Pamela acredita que a complexidade da personagem ultrapassa o campo político e social, alcançando dimensões afetivas e transcendentes. “Foi o papel em que eu mais pude me entregar na carreira, mergulhando nesse rio misterioso que é a Santa Dica. Espero que as pessoas também sejam movidas por tudo o que ela levanta, em debates e sentimentos, e que percebam esse convite ao mistério e à revolução”, afirma.

Pamela afirma que complexidade da personagem ultrapassa campo político e social – Foto: Luciana Melo/ Divulgação

De acordo com a diretora Simonia Queiroz, “Santa Dica” remonta à história de uma mulher que teve parte de sua trajetória usurpada pelo machismo e pela misoginia da época. Como não sabia escrever, tudo o que relatava ganhava tradução deturpada e era reescrito sob olhares masculinos, numa tentativa de moldar os costumes impostos pela sociedade.

A produção tem um trabalho social de resgate de uma história marcada pela dor e pela resistência de uma mulher humilde, que não mediu esforços físicos e psicológicos em nome das causas sociais. O pouco que se sabe da íntegra dessa trajetória está na memória da família, que tenta ao máximo repassar os detalhes que vivenciaram.

Causas sociais

O Diário da Manhã conversou com parte da equipe de produção do longa e teve acesso, com exclusividade, aos detalhes da curadoria realizada para reconstruir — de forma fidedigna — a história dessa mulher.  A diretora Simonia Queiroz afirma à reportagem que a trajetória de Santa Dica, mulher considerada à frente de seu tempo e engajada em causas sociais, foi a principal inspiração para a produção do filme.

Segundo Simonia, parte da pesquisa envolveu entrevistas com familiares da líder sertaneja. Entre eles, uma irmã de 94 anos e uma filha que vive em Goiânia. “Eu encontrei algumas reportagens da época falando sobre os trabalhos e a influência da Santa Dica”, afirma. 

“Só que há uma distorção, pois as reportagens eram escritas por homens ou padres e, querendo ou não, eles não retratavam na íntegra o que realmente acontecia justamente por causa da sociedade machista da época”, emenda a diretora.

Atriz Pâmela Germano e codiretor Jimi Figueiredo trocam ideias no set de filmagem – Foto: Luciana Melo/ Divulgação

A diretora destaca que Santa Dica foi uma mulher influente e mantinha relações com políticos de grande projeção, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek. “Ela teria ido algumas vezes ao Rio de Janeiro e, por lá, estreitou relacionamento com políticos importantes, que abraçaram a causa dela”, revela Simonia Queiroz.

Para Simonia, o filme é um resgate de memória. “O objetivo do filme é resgatar a luta e a visibilidade de uma mulher que não mediu esforços para lutar pelos menos favorecidos. Ela ajudava como podia, com seus conhecimentos medicinais, fabricando garrafadas, sendo herança de seus avós, que eram indígenas”, detalha. 

A diretora revela que tentaram silenciar Santa Dica. “No meio dessa luta tentaram calar Santa Dica, sendo obrigada a ir para uma guerra para morrer. Lá ela foi presa. Ao longo de sua vida foram três prisões, e o filme conta como aconteceu a primeira.”

O codiretor Jimi Figueiredo detalhou os desafios e escolhas criativas durante as filmagens de Santa Dica. “Pirenópolis já não é mais a Pirenópolis daquele tempo, de 100 anos atrás. Então a gente recorreu a Corumbá, principalmente para fazer a igreja, que está mais preservada de acordo com o que era naquela época”, fecha Figueiredo.


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