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Focus Cia de Dança leva arquitetura dos corpos a Goiânia

DM Redação

Publicado em 15 de agosto de 2025 às 12:54 | Atualizado há 3 horas

Companhia se apresenta no Teatro Madre Esperança Garrido, neste fim de semana, com espetáculo ‘Carlota

Marcus Vinícius Beck

Esse fluxo de corpos evoca uma arquitetura. Os braços se encontram, as pernas e os quadris estão entrelaçados e abraçados na coreografia, então movem-se suavemente, despertam-se lentamente e serpenteiam ardentemente. Os bailarinos avançam, recuam e rendem-se.

Ao som do tango, eles recomeçam e, expressando todos os tons do sentimentalismo popular, existem na melodia sussurrante que se desenrola. Ao ritmo de Astor Piazzolla, eles renascem e, fluindo como uma paixão tórrida, deixam-se orientar pelo bandoneón lamurioso.

É a força dessa dança e dessa música que será vista pelo público goianiense, no Teatro Madre Esperança Garrido, neste fim de semana, às 20h. Uma celebração da emoção das baladas portenhas encenada em “Carlota”, da Focus Cia de Dança.

Espetáculo conta com 11 músicas passionais do compositor argentino Astor Piazzolla – Foto: Cristina Granato/ Divulgação

O espetáculo traz 11 composições passionais do bandoneonista argentino. Dentre essas músicas, todas impetuosas e ousadas, quatro constituem as “Quatro Estações Portenhas”, suíte construída por Piazzolla a partir do caloroso “Verão Portenho”, de 1964.

Sob direção do coreógrafo Alex Neoral, a montagem mostra o tango como ritmo que celebra, sobretudo, a arte no corpo humano. Também retrata as experiências de Neoral com suas mestras, sublinhando Carlota Portella (1950–2024), morta em 31 de agosto de 2024.

Portella foi a coreógrafa que apresentou Piazzolla a Neoral. Ou seja, trata-se de autoridade respeitada quando o assunto é energia corporal e movimentos musicais. Morou em Paris, estudou na Académie Internationale de la Danse e criou a companhia Vacilou, Dançou.

Segundo Neoral, a dançarina se apoderou da melancolia e rigidez do tango em cada momento da coreografia. “Fala muito de abandono, seja pela atmosfera do gênero, seja por momentos que vivenciei ao longo da minha vida profissional”, raciocina o artista.

Talvez Carlota represente, em termos coreográficos, a maior homenagem que a artista carioca recebeu pelas suas quatro décadas de serviços prestados à dança. Além dela, o espetáculo celebra ainda as coreógrafas Regina Sauer, Giselle Tápias e Déborah Colker.

‘Carlota’ tensiona tradição e reinvenção ao encantar público com coreografias – Foto: Elenize Dezgeniski/ Divulgação

“Ao mesmo tempo em que faço alusão à minha trajetória formativa, sou extremamente sensível à obra do compositor Astor Piazzolla, sempre quis criar algo para suas músicas”, confessa Neoral, cuja jornada criativa pregressa foi marcada por obras imagéticas.

Nos últimos espetáculos, conta o artista, fez roteiros ou partiu de produções criadas por compositores, escritores e pintores. Agora, volta a trabalhar o corpo como folha em branco para escrever gestos a partir de Piazzolla, considerado em seu país um poliglota musical.

Nascido em Mar del Plata, a 260 km de Buenos Aires, o bandoneonista exibia erudição em suas composições, jazzificando-as e atonalizando-as. Modernizava o estilo de Carlos Gardel e Aníbal Toledo, mas os tangueiros tradicionais o acusavam de profanar a música portenha.

Implicavam com o som, a harmonia das músicas, a maneira que tocava. Para os puristas, o bandoneón deveria ser empunhado sentado. Piazzolla, porém, o apoiava em cima do joelho. “Em meu país, se trocam os presidentes e não dizem nada”, defendia-se o instrumentista.

Cia Focus Dança celebra bodas de prata no Teatro Madre Esperança Garrido – Foto: Cristina Granato/ Divulgação

Falava ainda mais: “O tango deve ser deixado assim como é: chato, igual, repetitivo. Mas minha audácia está na harmonia, nos ritmos, nos contratempos, no contraponto de dois ou três instrumentos, o que é lindo, e buscar que não seja sempre tonal, buscar a atonalidade.”

Assim, “Carlota” logra êxito em tensionar tradição e reinvenção — marcas de Piazzolla, motor do espetáculo, encanto do público. A obra se inicia no outono e fecha no verão, como uma curva em direção à estação quente, metáfora evocada por Neoral à “Folha de S. Paulo”.

Isso oferece ao coreógrafo a possibilidade de ciclo, com as transformações particulares de cada período: sensações, movimentos, texturas. Figurino e iluminação registram tais reconfigurações. Acrobacias pululam aos olhos concentrados da plateia goianiense.

Solos e aéreos pincelam a cena, fluxos tangueiros e inflexões dançarinas alquimizam o espetáculo, com o qual, de certa forma, a Focus Cia de Dança celebra suas bodas de prata. Alex Neoral empreende uma obra para ser apreciada. Esteticamente apreciada.

CARTOLA

Sábado e domingo

Sessão às 20h

Pelo Sympla

A partir de R$ 20

Foto de destaque: Elenize Dezgeniski/ Divulgação


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