Música Preta Brasileira
Diário da Manhã
Publicado em 19 de novembro de 2017 às 04:25 | Atualizado há 4 meses
“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. A frase acima foi escrita no final do século XIX pelo escritor abolicionista, Joaquim Nabuco. A citação está contida na obra “Minha Formação”, publicada mais de uma década depois da abolição da escravatura. Joaquim sabia, naquela época, que a escravidão deixaria traços na sociedade brasileira a tal ponto que se tornaria um dos nossos principais atributos. Caetano Veloso, compositor e cantor baiano, tem diversas canções específicas sobre a cultura negra, a musicalidade, religiosidade e, consequentemente, sobre o demônio da escravidão. Na canção “Noites do Norte”, do CD com o mesmo título, Caetano inicia com esta mesma citação de Joaquim Nabuco. No decorrer da letra, ele conclui: “ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos”.
“Noites do Norte” é um dos álbuns de Caetano Veloso mais “negro”. Porém, o trabalho do compositor sempre vai contra às diferenças sociais, do mais atual ao mais antigo, e o racismo ainda “permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”, e é preciso sempre falar sobre. É preciso lembrar dele diariamente. Não só no dia 13 de maio, data que foi assinada a Lei Áurea abolindo a escravidão, não só na próxima segunda-feira 20/1, data em que se celebra o Dia da Consciência Negra. É preciso lembrar que da escravidão no Brasil diariamente e da forma que for necessário: uma canção, um poema, um manifesto que seja. A fim de que, talvez, o Brasil deixe de ser lembrado e definido como um país escravocrata.
A banda Mundhumano lembra dessa característica brasileira em uma apresentação ao vivo e exclusiva. Neste domingo (19/11) o grupo apresenta no Hermeto Bar o show “Caetano Preto–Negras Melodias de Caetano Veloso”, que permeia o universo do povo negro no Brasil descrito nas letras do compositor baiano. Caetano se autodenomina um “mulato branco” e assim percebe a força de sua posição privilegiada, respaldando a voz de tantos “mulatos pretos”. Como um mergulho no mar da Bahia, a banda Mundhumano aprofunda a cultura negra, sua religião, e outra características que também permanecerão por muito tempo como característica do povo brasileiro. O grupo é formado por Janaína Amora, na voz, Kleuber Garcêz, no violão, Danilo Rosolem, na percussão, César Henrique, na guitarra, Fernando Cipó, no contrabaixo e Pedro Verano, na flauta.
CONSCIÊNCIA NEGRA
A apresentação Caetano Preto estreou em 2016 no palco do Teatro Sesc Centro. O formato inicial dialogava com o teatro, mas serviu de confirmação para o trabalho que veremos hoje. O show será realizado como celebração ao dia da Consciência Negra (segunda-feira) e faz parte da programação do projeto Brasilidades do Hermeto. A proposta é ocupar o espaço com música preta e brasileira sem deixar de afirmar questões necessárias, ou seja, resistindo sempre.
A Mundhumano se intitula como uma banda de MPB: música preta brasileira. Foi criada em novembro de 2012 e tem como uma de suas propostas debater a forma como se vive a experiência artística e estética negra na capital do Estado de Goiás. A Mundhumano é uma formação que transmite a produção artística negra para além das datas comemorativas e para além da tradicionalidade. A banda trata das possibilidade de sobrevivência dessa movimentação negra na cidade, apesar da invisibilidade opressora do mercado cultural. Resistência apesar dessa “característica nacional do Brasil”. Resistência.