Nas asas do passarinho
Diário da Manhã
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 23:46 | Atualizado há 4 meses
A o longo dos anos a arte tem sido uma aliada na psiquiatria. Nomes como Jung e Ulysses Pernambuco foram, inclusive, pioneiros na chamada arteterapia. E hoje existe até a União Brasileira das Associações de Arteterapia (UBAAT). E acreditando no poder terapêutico do teatro e encarado a cultura como um direito fundamental à cidadania, a atriz Rita Alves, que interpreta a palhaça Caçarola entre os dias 22 e 30 de novembro, habitat natural, os teatros, para outros ares. Ela vai apresentar em nove Centros de Atenção Psicossocial de Goiânia, o espetáculo “Tudo Passa… Eu Passarinho!”.
A peça faz parte do projeto “Nas asas do passarinho” que tem como objetivo colaborar com o novo modelo de condução do tratamento psiquiátrico de base comunitária. O projeto, financiado pela lei municipal de incentivo à cultura vai passar pelos Caps: Novo Mundo, Beija-flor, Esperança, Vida, Água Viva, Ad/Casa, Girassol, Negrão de Lima e Noroeste. Todas as apresentações são seguidas de bate-papo com pacientes e familiares.
Com a ideia de oferecer arte como remédio aos pacientes e familiares, que possuem necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. “Estes locais, que muitas vezes são identificados com sofrimento e tristeza, serão transformados em espaços coletivos de cultura. O projeto, assim, leva arte a regiões carentes desse tipo de manifestação”, diz a Rita.
INTEGRAÇÃO
A ideia do projeto nasceu no ano passado, quando Rita Alves foi convidada para participar de um evento em comemoração à Luta Antimanicomial. Ela levou sua palhaça Caçarola que fez alguns quadros de 20 minutos. “Percebi uma cumplicidade que se deu pela plateia reduzida e pela proximidade da palhaça com o público. Não tinha palco e eu transitava pela plateia e o olho no olho foi fundamental. A sensação daquele momento permaneceu tanto durante a apresentação como depois”, foi quando ela decidiu escrever o projeto na lei municipal de incentivo à cultura.
Além de apresentação de espetáculos, o projeto também contempla oficinas de palhaçaria, que duram oito horas divididas em dois dias. Através de brincadeiras, jogos, expressão corporal e caracterização, a oficina pretende despertar o palhaço de cada um. “O palhaço é acima de tudo uma criação particular, uma exteriorização de algo extremamente íntimo e puro do indivíduo. Uma essência que encontra no riso e no exagero a sua expressão”, argumenta a artista.
A escolha do palhaço, para estes espaços, não é em vão. Para Rita, ele é a figura que permite distorcer a realidade e criar outra paralela fruto da imaginação, brincadeira e lirismo. “A criação de outras realidades não deve ser motivo para o isolamento e sim de compartilhamento. O palhaço, tradicionalmente, é uma figura subversiva e transgressora de padrões e regras preestabelecidas. Ele é o que de mais humano habita em nós, pode ir do grotesco ao poético em segundos, pois ele é”, comenta a atriz.
ESPETÁCULO
A Palhaça Caçarola leva seu jardim picadeiro para realizar seu Grande número, “Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança Cai!”. Mas imprevistos acontecem e ela se atrapalha toda. Quando a Palhaça Caçarola finalmente anuncia seu grande número, ela fica tão emocionada… E para não chorar de tanta emoção, ela toca a “Carolina”, sua “sanfoninha oito baixos”.
Depois de agradecer a participação de todos, Caçarola vai fazer seu grande número, mas antes… resolve apresentar à plateia o menor bambolê do mundo. Ela aproveita e faz uma demonstração da sua técnica da câmera lenta. Terminada a demonstração ela não consegue tirar o bambolê que ficou entalado. Após algumas tentativas fracassadas, ela pede ajuda para alguém na plateia.
Caçarola finalmente vai realizar seu número, é o momento do “Gran Finalle”. Ela pede silêncio e atenção a todos, pois o número exige equilíbrio, alto poder de concentração, uns quilinhos a menos e outras coisinhas a mais… E Caçarola desliza pelos ares em seu monociclo, e ao som de uma valsa se despede do público para continuar a levar seu jardim para outras quintas.
A ATRIZ
Rita Alves é uma das artistas mais atuantes de Goiás. Participou de cursos e oficinas ligadas ao fazer teatral, se apresentou em casas de espetáculo, eventos culturais, teatros, escolas, empresas e em vários festivais de teatro regionais e nacionais. Constam em seu repertório hoje os espetáculos Reinação, “Era Uma Vez” e “Tudo Passa… Eu, Passarinho!”, com Palhaça Caçarola, apresentações solo da atriz na Cia. Teatro Reinação. E hoje é atriz convidada do grupo Arte e Fatos, e integra o elenco dos espetáculos “Lágrimas de Guarda Chuva” e “Os Avessos”, ambos dirigidos por Danilo Alencar.
Rita Alves começou a estudar teatro pela necessidade de desenvolver uma pesquisa da linguagem cênica, investigar o trabalho do ator e propor o resgate da magia e da diversão do jogo teatral. A criação do grupo de teatro Camaleão pela atriz em setembro de 1991 foi o início de um período muito fértil, tanto no que diz respeito à pesquisa, como também na criação e produção de espetáculos teatrais.
O primeiro trabalho encenado pela atriz foi “Empilhando Horrores de Brincadeira” com o grupo Camaleão, inspirado em textos de autores do teatro do absurdo, e logo a seguir “Tristezas de um Quarto Minguante”, com poemas de Augusto dos Anjos. No espetáculo cômico “Deu Palhaçada”, foram criados tipos galhofeiros, patéticos e bufões a partir do teatro de mamulengo e literatura de cordel.
A pequena farsa em três atos “O Médico”, foi inspirado no texto de Mollière “Médico à Força”. O “Olho da Fechadura” teve direção de Hugo Rodas e no elenco vários artistas, “Gira Mundo Trabalho”, em parceria com a atriz Renata Caetano e “O Giro da Criatura” com o grupo de teatro “Olho da Rua” foram outras realizações. A “Mais Forte”, um texto de Strindberg, foi um trabalho realizado em parceria com a Cia Trama Teatro. Em junho de 2011 a atriz estreou o trabalho “Desterro”, uma construção cênica inspirada na obra de Elomar Figueira de Melo.
SERVIÇO
Projeto leva espetáculo “Tudo passa, eu passarinho…” a nove Caps de Goiânia
Caps contemplados: Novo Mundo, Beija-flor, Esperança, Vida, Água Viva, Ad/Casa, Girassol, Negrão de Lima e Noroeste.
Datas: de 22/10 a 30/11