Entretenimento

O cineasta apaixonado por Glauber Rocha e Godard

Diário da Manhã

Publicado em 8 de setembro de 2018 às 00:02 | Atualizado há 4 meses

Na recepção do Diário da Manhã, esperando para conversar sobre seus fil­mes, o cineasta Divino Conceição, 64, vem em minha direção e con­ta que por pouco não desistiu da entrevista. “Achava que você não ia querer conversar comigo”, diz o ar­tista, sorrindo amigavelmente e es­tendendo a mão para me cumpri­mentar. “ Claro que não ia deixá-lo no vácuo”, brinquei. Crítico do cine­ma comercial, ele comentou que o primeiro contato que teve com a sétima arte fora por meio das pro­duções hollywoodianas. Mas pou­co tempo depois descobriu Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues, e mudou sua con­cepção. “Toda minha arte é essen­cialmente autoral”.

Conheci-o numa dessas noites quentes que fazem parte do coti­diano goianiense. Bebendo cerve­ja e maldizendo a vida, eis que vejo um sujeito se achegar à mesa em que estava com amigos. Observei que em suas mãos havia uma pilha gigantesca de filmes, mas esperei ele ficar à vontade para começar a conversar conosco. “Oi, gente. Sou cineasta e estou vendendo mi­nhas produções cinematográficas. Já exibi em grandes festivais, mas vejo que o público em geral não tem tanta aceitação quando o as­sunto é cinema para refletir. Filme que faz pensar não agrada o públi­co”, contou. Perguntei qual era o preço. “10 reais”, respondeu. Pedi uma cópia, entregando-lhe uma cédula de R$ 10.

Guardei aquele cd, porém nun­ca cheguei a assisti-lo. O primeiro contato que tive com a obra de Di­vino foi por meio do youtube. Dias depois, comemorando o aniversá­rio de uma amiga no Mercado da 74, ele parou em nossa mesa e co­meçou a puxar conversa. Quis sa­ber qual era minha visão sobre os dois filmes que estavam no dis­positivo. Como não tinha assisti­do, teci algum comentário gené­rico. Ele ficou com a cara fechada, visivelmente chateado e não dis­se nada. “Vamos fazer assim: você pode ir ao DM e lá a gente faz uma entrevista contigo, pode ser? Até lá, verei suas obras”, sugeri. Alegre, perguntou em qual horário eu che­garia à redação. “Às 14h”, respondi.

Divino Conceição me confes­sou que sua vida seria pautada pelo cinema a partir de 1972. Tempos depois, teve contato com os france­ses e tornou-se fã de François Truf­faut e Jean-Luc Godard, expoen­tes da vanguarda Nouvelle Vague que surgiu após a Segunda Guer­ra Mundial, na década de 1950. “Ali nasceu o ‘cinema cabeça’. Essa ga­lera influenciou o Cinema Novo, na década de 1960, e transformou para sempre o jeito de se fazer fil­me no Brasil. O retrato do Tercei­ro Mundo é o nosso combustível para faz obras cinematográficas”, discorre. Reforçou que as produ­ções da terra do Tio Sam não per­dem a veia novelística. “Cinema in­dustrial, ponto de vista econômico, é acumulativo. É um produto ca­racterístico do capitalismo”.

Divino não quer saber de dinhei­ro, e sim de arte. Embora tenha exi­bido três filmes no Festival Interna­cional de Cinema Ambiental (Fica), nunca chegou a graduar-se no curso de Audiovisual. Seu conhecido teó­rico se deu por cursos à distância na Universidade de São Paulo (USP). “Comecei a fazer cinema em fun­ção do sonho. Daí descobri outras linguagens que não apenas a indus­trial. Passei a experimentar diversas formas”, relata. Tanto os filmes de curta quanto os de média metra­gem possuem linguagem experi­mental. Divino acredita que por isso não foi bem recepcionado no Fica. “Tive problema com o som do cur­ta Altar. Tive de ir atrás do cara para dizer que deveria voltar e arrumar aquele problema”, recorda.

OUTRAS ARTES

Além de ser fã do cinema ca­beça, Divino Conceição também tem simpatia pela literatura. “Meu primeiro contato, ao contrário que muitos possam imaginar, foi com a arte da escrita, e não com o cine­ma”, conta. Divino já escreveu nar­rativas curtas e longas, mas ficou conhecido por conta de seus fil­mes. “A construção de uma estória por meio de palavras dá ferramen­tas para que o roteirista dê vidas aos seus personagens”, diz. Ainda que goste de literatura, saudou o irreve­rente método de filmagem do fran­cês Jean-Luc Godard. “Chegava ao estúdio e começava a escrever o es­boço das cenas. Não tinha essa coi­sa pré-definida de pôr tudo no pa­pel antes. Tudo acontecia na hora”.

Na década de 1970, antes de ma­nifestar paixão pela sétima arte, Di­vino fez aulas de teatro em Goiânia. “O teatro é considerado a mãe das artes cênicas. Conhecê-lo é funda­mental para quem desejar perder a vergonha”, declara ele, que é natural de Anicuns, a 100 quilômetros da capital goianiense. Mais tarde, já nos anos de 1990, o multi-artista Divino Conceição despertou interesse pela música. Em seu canal no youtube, é possível encontrá-lo cantando suas músicas e fazendo interpretações de outras canções, além de poder assis­tir aos filmes dele. “As cordas sem­pre me atraíram. Acho fascinante o poder que a música tem”, sustenta.

Quando nosso diálogo estava chegando ao fim, Divino lembrou que o cineclubismo fora essencial para a formação de “grandes ci­neastas intelectuais”. “O que nos ajudou bastante foi o cineclubis­mo. É como se fosse um pai da arte, dos grandes cineastas intelectuais. Lá, conhecemos vários gênios do cinema cabeça, que nos desper­taram e nos mostraram uma nova forma de se fazer cinema, total­mente diferente de tudo o que co­nhecíamos até então”, exaltou.

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias