O estilista de luxo: o triste adeus a Givenchy
Diário da Manhã
Publicado em 16 de março de 2018 às 21:53 | Atualizado há 5 meses
Quando se fala sobre os maiores clássicos do cinema com a moda, o que sempre é lembrado é Bonequinha de Luxo (1961) estrelado por Audrey Hepburn, em seu take mais intimista e histórico em frente à famosa loja de Joias Tiffany tomando seu café da manhã, junto aos seus óculos de sol modelo Wayfarrer e um vestido preto, reproduzidos até hoje em fantasias e editoriais de moda. O que nem todos sabem é que este figurino, e muitos outros usados pela atriz foram criados à mão pelo estilista francês Hubert de Givenchy, que infelizmente morreu no último sábado (10 de março), aos 91 anos.
Givenchy, nascido em 21 de fevereiro de 1927, iniciou seu gosto por moda e arte logo cedo, sabendo que seu futuro seria rodeado ao luxo da alta costura francesa. Com o passar dos anos, ele deixou o desejo de sua família, em se tornar advogado, iniciando-se no ambiente couture desenhando roupas que adequariam ao corpo da mulher que o usasse. Nessa época já em Paris, aos 17 anos, Hubert inicia seu estágio na Maison de Jacques Faith dividindo seu tempo na universidade de belas artes, onde cursava Desenho. Ele passou por várias casas de moda, mas estágio onde o estilista mais se destacou foi junto ao costureiro Cristóbal Balenciaga, o qual teve uma influência tão visceral em sua vida e linha criativa, que até hoje é lembrado por isso, em suas criações elegantemente minimalistas usadas por Jacqueline Kennedy Onassis, Grace Kelly e outras mulheres importantes da época.
Porém, Givenchy foi assistente por pouco tempo. Catorze anos depois, em 1958, lançou sua marca homônima, hoje conhecida por estampar looks de celebridades em tapetes vermelhos e estar sempre presente junto a personalidades influentes, como Kim Kardashian e Lea T, movimentando a cultura popular massiva, presente fortemente na internet.
O estilista também sempre esteve à frente do seu tempo: após entrar no hall da Alta Costura Parisiense, de fato, ele foi o primeiro a lançar uma coleção prêt-à-porter em 1954, chamada Université, logo futuramente inspirando outros designers, como Yves Saint Laurent, a fazer o mesmo. O conceito de prêt-à-porter só foi valorizado nos anos 70, duas décadas depois, com a necessidade de aumentar as vendas e atrair um público maior de consumo que não poderia pagar os altos valores da High Fashion.
Durante essa época de ascensão no mundo da moda, Hubert conheceu Audrey Hepburn, a qual foi sua inspiração de como seria a mulher que usaria sua marca, e que levou a uma forte amizade durante anos. Eles se conheceram de forma inusitada, após a atriz aceitar o papel que faria em Sabrina (1957) ela pediu para conhecer o estilista que estava preparando-se para um desfile e acreditou que “senhorita Hepburn” seria Katherine Hepburn, outra atriz muito importante, sendo uma das mais aclamadas da história do cinema norte-americano. Após o encontro marcante, houve uma espécie de química entre ambos, e em todos os filmes da atriz Hubert era quem assinava suas vestimentas, e até chegaram a ganhar o Oscar de melhor figurino – com um detalhe interessante: Hubert de Givenchy não era creditado como o responsável, mas sim Edith Head, a figurinista chefe da Paramount Pictures, sendo assim até quando Audrey pressionou os estúdios a creditá-lo em tudo no que se refere á roupagem, após o filme Funny Face, de 1957. Esse foi o mesmo filme que estereotipou o vestuário francês conhecido até hoje e perpetuado pela mídia (até mesmo pelo desenho do Pica-Pau), sendo blusa ora listrada, ora preta de gola rolê, calça cigarrete e uma boina, conhecido como beatnik baseado no movimento literário americano do mesmo nome dos anos 50. Assim, ícone mundial, Audrey era a cara da mulher Givenchy: elegante, sensualmente discreta e dinâmica, e a mulher Givenchy era a cara da mulher do mundo.
O Brasil, curiosamente, esteve presente na trajetória do designer. Ele esteve aqui duas vezes, em viagens a negócios. A primeira foi uma visita em 1956 ao Rio de Janeiro, mais precisamente na antiga fábrica de tecidos Bangu, localizada no bairro de mesmo nome, que deixou de existir em 2005, onde hoje é o Bangu Shopping e também onde foi filmado o longa-metragem Olga (2004), de Jayme Monjardim. O motivo da visita foi uma apresentação e desfile de peças feitas com tecidos da fábrica. No embalo dos holofotes, o desfile não ficou apenas na capital brasileira da época, indo até São Paulo para apresentar sua nova empreitada à alta sociedade junto ao país tupiniquim onde haviam “tecidos de qualidade comparados aos da França” de acordo com o costureiro para um jornal da época. A segunda vez que Givenchy veio ao Brasil foi perto de sua aposentadoria, convidado a abrir o Primeiro Congresso Brasileiro de Moda, programado por uma faculdade privada de moda e o Instituto Zuzu Angel.
Após sua aposentadoria, quem assumiu seu local de diretor criativo fora John Galliano, ficando um ano, e logo depois outro ícone que não está mais vivo, Alexander McQueen. Ambos estilistas não agradavam aos olhares de Hubert, chegando até Riccardo Tisci, que ficou até fevereiro de 2017 fazendo coleções no padrão clássico até se rebelar e iniciar um reboot na marca, iniciando-se como o olímpio do streetwear, aumentando drasticamente as vendas de peças e acessórios e se inserindo novamente, e em uma nova faceta, na cultura pop mundial. Hoje, após o italiano Tisci sair da marca, quem desenha é Clare Waight Keller, misturando o melhor dos dois designs: o clássico e o rebelde de rua.
Quando anunciada a morte do estilista, foi um choque para as pessoas ligadas à moda, pois embora ele não estivesse mais diretamente ligado à marca que lhe levava o nome, ele estava sempre presente nas apresentações e exposições que falavam sobre sua história, como a de 2017, na França, sobre os figurinos de Audrey criados por ele. Foi anunciado por seu namorado e companheiro de vida Phillippe Venet – o qual também foi estilista de alta costura até os anos 90, sem levar sua história criacionista de moda para o âmbito corporativista e capitalista, como Givenchy fez, vendendo a marca para o grupo LVMH. Hubert morreu dormindo, em Chatêau du Jonchet, arquitetado em 1763 por Gabriel de Lestrade em Eure-et-Loir, perto de Paris. O estilista, além de seu companheiro, deixou sobrinhos, parentes em geral, e acima de tudo um legado histórico que nunca se apagará, nem mesmo quando o filme acabar.