O novo Rock
Diário da Manhã
Publicado em 16 de maio de 2018 às 00:31 | Atualizado há 5 meses
As últimas duas décadas trouxeram muitas novidades para a música. Com a evolução do eletrônico e a nova ascensão do hip hop e do chamado R&B contemporâneo, novas texturas envolvem o trabalho de grupos musicais de praticamente todos os estilos. Para sobreviver em meio a tantas novidades, as bandas de rock vêm se reinventando, e reinventando o próprio gênero musical, tanto no sentido da criação, quanto na produção e na execução. Nos últimos anos, à sombra dos grandes destaques do hip hop (Kendrick Lamar, Danny Brown, Tyler the Creator, Brockhampton, e outros), alguns álbuns ganharam destaque apresentando novos comportamentos do rock – o gênero musical que predominou na segunda metade do século XX. Confira algumas dessas obras.
Prestes a morrer, David Bowie decidiu deixar um último agrado para sua grande legião de fãs, materializado através do álbum Blackstar, lançado quatro dias antes de sua morte. De acordo com o produtor musical Tony Visconti, a intenção do músico era, deliberadamente, evitar o rock’n’roll. Durante as sessões de gravação, Bowie costumava ouvir o álbum To Pimp a Butterfly, do rapper Kendrick Lamar, citando-o como uma de suas grandes influências do momento. Para conseguir evitar ainda mais o rock, Bowie recorreu aos artistas da música eletrônica, como a dupla escocesa Boards of Canada, e a banda norte-americana de hip hop instrumental Death Grips. Também existe uma grande aproximação do jazz.
Há tempos Bowie vinha se encantando ainda com a nova forma de se criar música pop. Em 2013 chegou a declarar que a cantora neozelandesa Lorde, autora do álbum Pure Heroine, era o futuro da música: “É como escutar o amanhã”, afirmou em uma entrevista. Outro disco de rock lançado em 2016 foi o aguardado A Moon Shaped Pool, o nono da banda britânica Radiohead. O grupo vem promovendo o anti-rockismo desde 2000, quando apresentou Kid A, um álbum bastante desapegado dos cartões de visita do rock, como os solos virtuosos de guitarra. Apesar de ser o álbum mais orgânico do grupo em mais de duas décadas, possui várias influências de gêneros, como a chanson francesa (Histoire De Melody Nelson, de Serge Gainsbourg) e a bossa nova.
NOVOS NOMES
Um dos lançamentos mais comentados do ano, o disco Twin Fantasy, da banda norte-americana Car Seat Headrest, colocou o indie rock numa evidência não vista em muitos anos. Trata-se de uma nova versão de um outro disco, de mesmo nome, produzido de forma caseira e lançado em 2011. Agora, com o apoio de uma gravadora, conta com a tecnologia necessária para satisfazer as ambições do vocalista, Will Toledo. A temática também é pouco comum no mainstream do rock. Fala de vários momentos e dos dramas de um relacionamento gay. O frescor do álbum é o fator X na conquista do público. “Fala do primeiro amor de Will, representado nas vívidas vísceras adolescentes através de gin roubado e sexo estranho”, definiu Peyton Thomas, da gravadora Matador Records.
Twin Fantasy, que foi lançado em fevereiro deste ano, inova não apenas na temática, mas na forma impressionista que se expressa através das palavras. Outro aclamado lançamento do ano fica a cargo da dupla Beach House. O sétimo disco, que também se chama 7, mostra a verdadeira cara da psicodelia oriunda da década de 10 do novo século. Lançado no último dia 11, vem sendo definido como experimental e ambicioso. A dupla, consagrada pelo pop onírico, traz de fato algo novo neste trabalho, apontado por críticos como o mais consistente da discografia. “São excelentes canções, cheias de deslumbre, e a banda sabe disso. Já são sete álbuns, eles estão começando a fazer algo novo”, comentou o crítico Simon Vozick-Levinson da revista Rolling Stone.
Apesar de já ter uma carreira bastante sólida na música, Phil Elverum – uma das mentes por trás da banda The Microphones – ganhou projeção mundial quando deu um novo rumo ao seu projeto solo, Mount Eerie, a partir de 2017. Depois da morte de sua esposa (a também música e cartunista Geneviève Castrée), devido a um câncer em 2016, Mount Eerie apresentou ao mundo o disco A Crow Looked at Me, que traz, através do folk, o período do luto e a convivência com a filha pequena do casal. De uma maneira muito franca, sem buscar por metáforas. “Quando viemos pra casa você estava grávida. Então nossa vida juntos não durou muito. Você teve câncer e foi morta. E estou vivendo desse jeito. Chorando nas estradas com suas cinzas em uma jarra”, narra a letra da canção Ravens.
Os críticos musicais chegam a dizer que A Crow Looked at Me não se trata de música, mas do verdadeiro som da morte. Em 2018, Mount Eerie trouxe um novo testemunho do período difícil que vem passando. Mais próximo do rock, Now Only, lançado no dia 16 de março, traz influências do do estilo drone e músicas longas repletas de distorção. No site Rate Your Music, o usuário canadense Nesquik deixou suas impressões sobre o disco. “De forma geral, é difícil chamá-lo de agradável, pois não existe nada agradável num homem lutando com a morte de sua esposa. Mas é tocante de uma maneira que poucos álbuns conseguem ser. Gosto de música triste, mas existe algo a mais, que me faz realmente enxergar a música como a extensão de uma pessoa”, avalia.