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Olavo Tormin: uma história que não pode ser esquecida

Redação

Publicado em 19 de novembro de 2017 às 04:52 | Atualizado há 7 anos

Um comércio varejista diferenciado surgiu em1952parasaciarafomedaintelectua­lidade goianiense: o Bazar Oió. Situado na Avenida Anhanguera, 79, quase esquina com a Rua 6, Centro, foi palco de memoráveis lança­mentos de livros e bate-papos regados a cafezinho, uma cortesia da casa, para escritores como Eli Bra­siliense, José Godoy Garcia, Oscar Sabino Júnior, Bariani Ortencio, Gilberto Mendonça Teles, A. G. Ramos Jubé, Modesto Gomes, Carmo Bernardes, Domingos Félix de Sousa, José Mendonça Teles, Bernardo Élis Luiz Fernando Valladares Borges.

Nocenárionacional, escritoresrenomadoscomo Malba Tahan (pseudônimo de Júlio César de Mel­lo e Souza), Mário Palmério, Ascenso Ferreira, José Mauro Vasconcelos e o médium psicógrafo Chico Xavier, visitaram o Bazar Oió, e, às vezes, promo­vendo lançamento de suas obras.

No cenário internacional, um escritor que veio a Goiânia para participar de um encontro de escri­tores, no ano de 1954, promovido pela Associação Brasileira de Escritores de Goiás (ABDE), precurso­radaUniãoBrasileiradeEscritores-seçãodeGoiás, é digno de registro: o senhor Neftali Ricardo Reyes, futuro prêmio Nobel de Literatura, conhecido em todo mundo pelo pseudônimo de Pablo Neruda.

Por trás deste aconchego cultural que Goiânia ainda não havia experimentado estava à figura do co-fundador do Bazar Oió, Olavo Tormin, nascido emCampinas(SP), nodia12deabrilde1925. Asua chegada em Goiânia deu-se em 1943, para traba­lhar no Banco do Comércio e Indústria de Minas Gerais S/A, localizado na Avenida Goiás, 27, onde permaneceu até 1946. Desta data até 1969 traba­lhou na Caixa Econômica Federal (CEF). Paralela­mente à sua atividade na CEF, Olavo era também representante da editora Saraiva e da Companhia Melhoramentos. O seu irmão, Otelo Tormin, que morava em São Paulo era também representante comercial. Visitando Goiânia em 1952, Olavo pro­pôs ao mano a abertura de uma livraria, que topa a ideiaejuntos, nesteano, fundamoBazarOió, agre­gando a denominação do estabelecimento as ini­ciais dos seus nomes: Olavo e de Otelo.

Quando o Bazar Oió começou a funcionar no ano de 1952 havia em Goiânia a Livraria Vanguar­da, de Lucas Freire e o Bazar Municipal, de Francis­co Ribeiro Scartezini. Dois anos depois da funda­ção do Bazar Oió, o apoio de Tormin ao escritor Eli Brasiliense, que na época era o presidente da ABDE, foi fundamental para que acontecesse o encontro de escritores de 1954. A ABDE não tinha dinheiro para financiar o evento. Então, Eli e Olavo foram pedir socorro financeiro ao secretário da Fazenda e futuro governador de Goiás, Juca Ludovico, que lhes respondeu

— Se o Tribunal de Contas aprovar, vocês rece­bem; se não, não recebem.

Com o despacho favorável do secretário, eles se dirigiram ao então presidente do Tribunal de Con­tas do Estado, José Gomes Filho, que, para sorte da memória cultural de Goiás, autorizou o pedido na hora, e o encontro foi realizado não apenas com a presença de escritores, mas também de artistas plásticos e atores.

O Bazar promovia nas noites de quintas-feiras, as mais variadas discussões, com um tema pre­viamente estabelecido, que era afixado no mural da loja, fazendo companhia a poemas, crônicas, reportagens de futebol e críticas literárias. Os te­mas discutidos variavam desde alguma novidade na medicina, certo filme, um livro, tudo calorosa­mente debatido na livraria lotada.

O mural fartamente lido pela população goia­niense trouxe motivação para que Olavo Tormin começasse a editar o Jornal Oió, com periodicida­de mensal, solicitado para leitura, não apenas pelo eixoRio-SãoPaulo, masaténaSuécia. Apublicação circulou de fevereiro de 1957 a agosto de 1958. Tor­min era o diretor-editor. Nos seus dois primeiros números, o livreiro contou com a colaboração do escritor e jornalista Eliézer Penna, desempenhan­do a função de secretário. No ano de 1957 a livraria foi considerada a oitava em vendas em todo Brasil.

Uma visita muito especial e que faz parte da história brasileira, aconteceu no ano de 1959. O lí­der comunista Luiz Carlos Prestes, que comandou a maior odisseia militar terrestre de todos os tem­pos (a marcha da Coluna Prestes) nos anos 20, de­sembarcou em Goiânia em 1959, para ser home­nageado na Assembleia Legislativa.

No entanto, uma determinação do deputado udenista Lisboa Machado impediu que Prestes fos­se ali homenageado. Diante das portas trancadas o chamado Cavaleiro da Esperança saiu da sede da Assembleia Legislativa, localizada na Avenida Goiás, no Palácio da Pecuária–imóvel que perten­ciaàSociedadeGoianadePecuária-, caminhando nosentidosuldaAvenidaAnhanguera. Nelaaden­trando, deparou-secom oBazar Oió. Neste momen­to, parouedisseàspessoasqueoacompanhavam:

¬— Conheço isto aqui, vou entrar.

Recebido por Tormin, folheou livros, conver­sou com velhos amigos, deu autógrafos e entrevis­tas. No Bazar Oió, Prestes permaneceu até 22 ho­ras. Perdeu a Assembléia Legislativa de Goiás uma oportunidade histórica de enriquecer seus anais. Sorte do Bazar Oió.

Outro político que faz parte da história legislati­vadeGoiás, deputadoAlfredoNasser–queempres­ta o seu nome à atual sede do parlamento goiano -, quando era deputado federal no Rio de Janeiro, sede então do Distrito Federal, sempre que vinha à Goiânia, dirigia-se ao Bazar Oió. No local, ocu­pava o escritório de Olavo Tormin, despachando, atendendo populares e por lá mesmo almoçava.

Jovensescritoresdaépocaeramtambémbem­-vindos e abraçados com o mesmo carinho pelo ca­rismáticolivreiroOlavo Tormin, comoJacySiqueira (de quem Olavo e a sua esposa Francisquinha fo­rampadrinhosdecasamento), JoséMendonça Te­les e Helvécio Goulart. O Grupode Escritores Novos (GEN), que ajudou a modernizar a literatura goia­na na década de 60, não pela força coletiva do gru­po, mas pelo talento individual de alguns dos seus membros, usufruiu deste arquipélago irradiador de cultura chamado Bazar Oió. Certamente, isto incentivou a trajetória literária de Aldair da Silveira Aires, Geraldo Coelho Vaz, Yêda Schmaltz, Miguel Jorge, HelenoGodoyeMarietta TellesMachado, in­tegrantes do GEN.

No elenco de lançamentos de livros de escrito­res goianos, figura a primeira obra de Cora Corali­na, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. O também escritor e membro do GEN, Luiz Fernan­do Valladares Borges, sabedor que o livro da Cora estavahámesesempacotado, empilhadoeesque­cido debaixo das escadas da sua casa na Cidade de Goiás, conhecidacomoaCasadaPonte, fezconta­tocomaautora, acertoucomPaulo Tormine, junto comseusparesdoGEN, promoveramolançamen­to em 1965, vendendo Aninha, 279 exemplares, na noite de sua estreia literária.

Apesar de a literatura ser o carro chefe do Bazar Oió, osartistasplásticostambém forammerecedo­res da atenção e o carinho de Olavo Tormin. O vi­laboense Octo Marques, numa exposição, vendeu algo em torno de 20 quadros, número inédito em Goiânia. Frei Nazareno Confaloni, depois de uma exposição na casa e registrada no Jornal Oió, aca­bou sendo descoberto por Cândido Portinari, em São Paulo, que lhe mandou uma carta elogiando sua pintura. Depois disso, o reconhecimento do seu trabalho pictórico foi imediato. Era o empur­rão que o talento do frei aguardava.

Olavo Tormin em paralelo com a sua atividade de livreiro era funcionário da Caixa Econômica Fe­deral. No dia 13 de dezembro de 1968 foi acusado por integrantes do golpe de 64, de desfalque con­tra o erário público. Além de perder a liberdade, ao ser preso no 10º BC de Goiânia, seus bens foram confiscados. Sobre esse episódio, disse Olavo Tor­min em depoimento registrado nas páginas do li­vro Memória Cultural, iniciativa da Assessoria Es­pecial de Cultura, no ano de 1985:

“ …A polícia invadiu lá (Bazar Oió) a pedido da Caixa Econômica, pegou livros, jogou tudo num depósito lá na Vila Nova. Naquela época, eu tinha aquelas réguas de cálculo de engenharia, coleções de direito, livros de engenharia, de medicina, de tudo. Quando me devolveram, só devolveram os docursoprimário, edoginásio, orestosumiutudo”.

O amargor da injustiça, a perda dos bens pes­soais, inclusiveasuaprópriaresidência, contribuiu paraodesaparecimentodoBazarOió. Noiníciodos anos70, alivrariafechouasportas, depoisdequase duas décadas contribuindo para a memória cultu­ral-varejista do comércio goianiense.

Abatido por ver não a sua dignidade moral e econômica restauradas em resposta ao processo movido contra a união faleceu Olavo Tormin com esse peso na alma. Certamente no céu, Tormin re­cebendo o carinho do Frei Confaloni, de Cora, de Nasser e de tantos outros devem falar apenas das coisas boas como foi a história do Bazar Oió.

 


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