Orós: o lado experimental de Fagner
Diário da Manhã
Publicado em 1 de maio de 2018 às 00:04 | Atualizado há 5 meses
A carreira do cantor e compositor cearense Raimundo Fagner é marcada por várias canções românticas. Hits como Deslizes, Borbulhas ao vento e Canteiros são canções recorrentes em rodas de violão da juventude e em trilhas sonoras de telenovelas. Em sua carreira de mais de 40 anos, Fagner acumula mais de 30 álbuns em sua discografia. Um deles, Orós, uma parceria entre o cearense e o maestro alagoano Hermeto Pascoal, chama a atenção pela diferença de tudo aquilo que Fagner já havia feito.
O título do álbum remete à cidade de Orós, uma pequena cidade no centro-sul do Ceará. As lembranças de infância do cantor estão em sua maioria na memória dessa cidade, o que dá um tom intimista ao disco. A viagem ao passado de Fagner passeia por muitos elementos, como a linguagem peculiar nordestina, dando ênfase à sonoridade brasileira. Foi lançado em 1977 pela gravadora CBS, contendo oito faixas, cinco delas contendo assinatura do próprio cantor.
RECEPÇÃO
Wilmar Bittencourt, em matéria especial para o portal virtual da TV Cultura, faz uma análise do famoso disco de 1977, que foi recebido com certo espanto pelo público, acostumado com as baladas românticas de Fagner. A inspiração de Fagner no momento era transmitir o Nordeste para o mundo, para isso recrutou os serviços de Hermeto, também conhecido como O Bruxo. “A opção por Hermeto foi acertada, pois o enfoque moderno e literário das canções do cearense pedia o som universal do alagoano que, naquela década, já havia tocado com Miles Davis e gravado dois álbuns nos Estados Unidos”, analisa Bittencourt.
Outro ponto importante na produção de Orós foi a escalação de músicos para a gravação do álbum. Além de Fagner e Hermeto, estão presentes nomes como Robertinho de Recife, Itiberê Zwarg, Paulinho Braga, Aleuda, Nivaldo Ornelas, Márcio Montarroyos, Dominguinhos, Chico Batera, Serginho, Meireles, Mauro Senise, Zé Carlos e André Dequech.
A blogueira Klaudia Alves, que mantém a página Música do Ceará, um catálogo que reúne comentários sobre discos de vários artistas do Estado, comenta como o disco de Fagner impressiona desde a capa. “Orós não tem nada de óbvio, a começar pela arte da capa (Cafi e Fausto Nilo) e também pelo número de músicas. Em uma época em que era quase que obrigatório se gravar 12 músicas, Orós tem oito faixas, sendo uma delas instrumental. Porém, o que mais surpreende no disco é a parceria com Hermeto Pascoal, um artista que até os dias de hoje é cultuado por todos que entendem de música, mas está longe de ser um músico popular”.
O que chamou bastante a atenção do público foi o grau elevado de experimentações nele presente. Apesar disso, é levado com bastante suavidade, o que o diferencia de discos assumidamente experimentais, geralmente difíceis de escutar para o grande público. Fagner como artista popular, não queria dificultar, e sim impressionar. Hermeto soube conduzir o trabalho, não deixando os momentos experimentais soarem invasivos demais ou quebrarem o clima leve das canções.
Para o crítico musical Bernardo de Oliveira, em análise publicada na revista Camarilha dos Quatro, Orós trata-se de “um disco que à época foi saudado como um mergulho do artista em suas origens cearenses. Quer dizer, no lugar de apelo popular temos a reverência e a inspiração por aquilo que supostamente o fez ser quem era”. Oliveira também colocou em discussão o ecletismo de Orós. “É tanto forró quanto jazz em sua abordagem de ruptura e conciliação. Passando de momentos de singela psicodelia a improvisos com naturalidade”