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Os 100 anos de dona Gito

Redação

Publicado em 18 de março de 2018 às 01:48 | Atualizado há 7 anos

A escritora e pio­neira goianien­se, Jacira Bran­dão Veiga Jardim (dona Gito), completou 100 anos de vida. Ocupante da Cadeira nº 42, da Aca­demia Feminina de Le­tras e Artes de Goiás, a instituição promoveu na última quinta-feira, uma belíssima homenagem a sua mais longeva deca­na. A festa gastrocultural contou com bolo (mui­to mais), música e depoi­mentos memoriais do filho da escritora, o con­ceituado médico, Paulo César Brandão Veiga Jar­dim que falou em nome da família, e da sua espo­sa, Mara Públio, mem­bro da AFLAG, repre­sentando a Entidade. Os especiais depoimentos, embora parcialmente fragmentados, pela limi­tação de espaço físico da coluna, estão reproduzi­dos a seguir:

PARA DONA GITO

(Por Paulo César Bran­dão Veiga Jardim)

O que dizer sobre uma mulher que se casou aos 18, viveu harmoniosa e apaixonadamente com o marido por mais de 70 anos, gestou, pariu e ama­mentou 4 filhos, viu nas­cer 11 netos e 16 bisnetos?

Como contar a história de uma mulher que ajudou a cons­truir uma cidade que hoje tem mais de 1milhão e quinhentos mil habi­tantes. Difícil acreditar num tempo de curtas lembranças que D. Gito quando veio para Goiânia, sequer havia Goiânia.

Na realidade veio com Seu Joa­quim para Campinas. Uma casa de três cômodos, chão batido e ba­nheiro do lado de fora. Luz elétri­ca, nem pensar! Água encanada? ……Cisterna! Saneamento? O que é isto? Temos a fossa!

E foi assim. Enquanto nossa metrópole era construída neste cerrado, eles sobreviviam na ve­lha Campininha.

Só algum tempo depois com as primeiras casas ficando prontas, mudaram-se para a Rua 4. Bem no centrinho da cidade.

A rua, poeira pura, um grupo de casas quase idênticas aqui, ou­tro grupo acolá.

A cidade sendo criada, aos tran­cos e barrancos.

As construções oficiais, alguns marcos como o Grande Hotel, a Praça Cívica com nosso Palácio das Esmeraldas, o Mercado Central e assim um a um foram chegando, surgindo do nada.

E lá estava D. Gito lado a lado com o parceiro.

Era uma poeira vermelha! E os redemoinhos!?

Imaginem senhoras e senhores que de nossa casa, na rua 4, se en­xergava o Palácio das Esmeraldas e o caminho até lá era feito pelo triei­ros, entre os milhares de lotes va­zios da cidade.

Me vem uma ótima lembrança (de minha mãe é claro), os bailes no Palácio. Existiam com alguma frequência, todos iam. E o pitores­co é que as damas, que iam a pé, tinham de levar os sapatos de fes­ta guardados, para calçá-los só na entrada do Palácio (barro ou pó!).

Mato a fora, cobras, tamanduás bandeiras, tatus e um tanto de ou­tros grandes, médios e pequenos bichos da região.

E a jovem senhora ainda não tinha completado 30. Firme, feliz, altaneira, companheira. O tempo correu, a cidade cresceu, a famí­lia floresceu!

Agora um outro momento, uma outra faceta.

  1. Gito apoiadora do Goiânia Esporte Clube. Nosso quintal era uma boa lavanderia, de unifor­mes de futebol, alguém consegue imaginar esta situação? Nos varais um conjunto de uniformes a secar! Após os jogos, em muitas ocasiões as trouxas de roupas iam para nos­sa casa e era ela quem cuidava. Afi­nal o Goiânia ia jogar!

Firme, feliz, companheira.

Interessante que a memória que tenho de minha mãe se con­funde com a do tempo da cidade!

As idas ao Mercadão algumas vezes na semana.

As idas à Igreja Coração de Ma­ria nas missas dominicais.

As idas nas casas dos parentes com regularidade.

E haviam os vizinhos, Vô Filhi­nha, com os filhos Tia Doly, Zuqui­ta e Bizuta na casa da direita, depois o Hotel Dom Bosco onde às vezes almoçávamos aos domingos.

Do lado esquerdo outro tanto de amigos queridos e muito fre­quentados: começando por Vó Inhara, Vô Lu e Comadre Airan que moravam logo ao lado, depois D. Maria de Bessa, D. Melica de Cas­tro, Lourdes de Bessa, D. Zinha Ac­cioly todas com seus maridos e a penca de filhos e sobrinhos.

Era um tempo de convivência, de apoio mútuo, era um tempo CA­LOROSO!

Fecho os olhos e me vem à ca­beça minha mãe e a vizinhança, uma troca de ideias, uma troca de receitas, uma troca de afagos, uma troca de sonhos.

Sem me preocupar com a cro­nologia vou trazendo do túnel do tempo os vizinhos do outro lado da rua e como num filme me pas­sam nomes e nomes.

Chego até Tia Cema e Tio Rei­naldo Baiocchi com os 6 filhos, pri­mos queridos, com os quais ma­mãe, papai e todos nós, sempre nos sentimos como irmãos.

Todos se viam, conviviam, se apoiavam.

  1. Gito meio senhora, ainda menina ao lado de Seu Joaquim foi construindo uma vida e uma cidade.

Valeu a pena.

Um novo piscar de olhos e uma nova referência, surge a COME­MORAÇÃO DO NATAL!

Desde que me entendo por gen­te era uma ocasião muito especial. Nossa casa na rua 4 juntava toda a família, dos dois lados, os irmãos e irmãs de meu pai (tio Joaquim Edi­son e Tia Fia; Tio Dico e Tia Nieta, Tio Zuca e Tia Nair) e uma parte da sua irmandade, que era bem nu­merosa. Sempre estavam presen­tes: Tio Reinaldo e Tia Cema, Tio Moa e Tia Neca, Tio Zé Perillo e Tia Jurema, além de outros parentes e amigos queridos que apareciam quando estavam na cidade e to­dos com a tropa de filhos.

A ceia de natal era organizada com maestria, com a colaboração e participação de todos. Era o mo­mento de comunhão maior.

Este lembrança é muito forte e com ela poderia resumir toda uma trajetória da D.Gito ou D. Jacira pra quem preferir a formalidade.

Juntou-se a um homem, criou uma família, ajudou a construir uma cidade, conviveu e usufruiu a vida com amigos, com solida­riedade,

E para completar, bem mais vi­vida, do alto de seus 70 anos pas­sou a mostrar seus escritos e a par­tir daí pode conviver também nesta casa, com pessoas brilhantes e fa­zem parte da nossa história.

Finalizo agradecendo a está AFLAG no nome de sua presiden­te pela merecida homenagem que presta a esta pequena e forte guer­reira, louvando a esta vida que pos­so chamar literalmente:

DE FRUTIFICADA.

DONA GITO

(Mara Públio de Souza Veiga Jardim)

Há cem anos, duas das funda­doras da Aflag começavam a brin­car com suas bonecas de louça. Ro­sarita Fleury, então com 5 e Nelly Alves de Almeida com 3 anos.

Há cem anos, o fundador de Goiânia, Pedro Ludovico Teixeira, iniciava sua carreira médica, com 27 anos de idade. Provavelmente já sonhando com seu ideal.

Há cem anos, terminava a Pri­meira Grande Guerra.

Há cem anos, nascia Nelson Mandela.

Há cem anos nascia, em São João del Rey, Jacira Monclar Bran­dão, filha de um militar a serviço naquela cidade.

Pequenina ainda, veio para Goiás, onde foi criada no casarão da rua Rosa Gomes, correndo e brincando pelo quintal com seus onze irmãos.

Estudou no Grupo Escolar Mo­delo, na Escola Complementar e graduou-se normalista na Escola Normal Oficial de Goiás, em 1935. Foi nomeada professora interina do Jardim de infância de Goiás. O ambiente da cidade, propício às ar­tes, forjou uma personalidade inte­ressante e curiosa. Suas melhores amigas, desde os tempos de meni­na, foram mulheres que se destaca­ram no cenário cultural do estado de Goiás (e fora dele): Regina La­cerda, Goiandira do Couto, Amália Hermano, Lurdinha Maia.

Como quase todas as mulheres que nasceram há cem, noventa, oi­tenta anos atrás, dedicou-se ao lar.

Casou-se, veio para Goiânia, criou família, filhos, agregados, aju­dou na criação dos netos, bisnetos, foi filha dedicada e irmã amorosa.

As atividades das suas amigas de infância sempre a encantaram. Ela participava dos seus lançamen­tos de livros, exposições de arte, sempre modesta, sem dei­xar transparecer um espí­rito vivo e criador.

Escrevia seus poemas, mas não mostrava a nin­guém, tímida e insegura. Suas gavetas foram se en­chendo de poesia. Fica­ram abarrotadas de noites de lua cheia, de beiras de rio, de árvores frondosas, de quintais sombreados. Era quase possível ouvir o canto dos pássaros e os violões durante as sere­natas, pelas ruas de pe­dras de Goiás. Seu gran­de encantamento e feitiço foi sempre o rio Araguaia, onde passava os meses de julho com toda a família de seu marido.

Um dia, criou coragem e começou a mostrar o que escrevia. Acredito que uma de suas amigas teve um pouco de responsabi­lidade nisso: minha mãe, Armênia. Saíam sempre juntas, trocavam expe­riências e aposto que co­meçaram a trocar “escri­tos”. Foi acompanhando essas duas conterrâneas vilaboenses que, inclusi­ve, comecei a frequentar a Aflag. Tanto vim que to­mei gosto e hoje sou uma das mulheres de azul.

Jacira inicialmente era sócia corresponden­te. Mas só o fato de ser só­cia a enchia de orgulho. Quando se tornou “dona” de uma cadeira, mal cabia em si de contentamento. Pendu­rou seu diploma na parede de sala, para que todos que entrem na casa saibam que ela é da Academia Fe­minina de Letras e Artes de Goiás.

E numa dessas loucas peças que a vida nos prega, essa sema­na, conversando com o Antônio Caldas, que está levantando a ge­nealogia da família Gomes Pin­to, do meu avô materno, descu­bro que as duas, Armênia e Gito, são primas: um membro dessa fa­mília casou-se na família Brandão, transferindo-se de Curralinho, Ita­beraí, para Goiás. Os seus bisavós eram irmãos.

Jacira Brandão Veiga Jardim é coautora dos livros Poesia Brasil e Poesia Hoje, ambos de 1990. Tam­bém Valores Literários do Brasil, de 1991.

Em 1990, recebeu diploma, na categoria Menção Honrosa, no XI Concurso Nacional de Poesia, em Brasília. Em 1991, recebeu o diplo­ma e a Medalha Cultural da Revis­ta Brasília, com o poema O Vulto. Publicou, em 1993, o livro de poe­mas, Revoada de Sonhos.

Dona Gito é a primeira acadê­mica que completa centenário en­tre nós, tão bonita, alegre, elegante.

Nossa presidente, Alba Dayrell, entendendo a grandeza dessa co­memoração, reuniu as acadê­micas, amigos, parentes, admi­radores, para prestar-lhe justa e merecida homenagem. Incum­biu-me de fazer essa saudação em nome da Aflag, pois a neta de dona Gito, Danielle Gouthier, seguidora dos passos da avó no caminho das artes e acadêmica como ela, temeu que a emoção lhe tomasse as pa­lavras. Em uma mistura de alegria, orgulho, responsabilidade, estou aqui agora, falando de uma con­freira, da sogra, da avó de meus fi­lhos e bisavó de meus netos.

Alba convidou os sobrinhos de Gito, Naire, Marcio Alencastro Veiga e o compositor Gustavinho Veiga que, mais que sobrinho, é também afilhado, para lembrar as canções que ela gosta. E convido a todos a partilhar esse momen­to, pois são músicas que falam de Goiás, de Araguaia, de carnaval, coisas que ela ama e que, com cer­teza, trazem à sua memória bons tempos, bons amigos e, mais que tudo, a sua vida que é um exemplo para todos nós, vivida com simpli­cidade, com fé, com muito amor.

Parabéns, querida acadêmica Ja­cira, por um século de vida plena. Parabéns, querida dona Gito de to­dos nós. Que Deus a conserve bem assim, para a alegria de todas nós, suas confreiras, e de todos seus ami­gos e parentes que aqui estão.

 


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