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Os males das noites em claro

Diário da Manhã

Publicado em 4 de julho de 2018 às 00:41 | Atualizado há 4 meses

Se você tem orgulho de dizer que é uma pessoa noturna, que prefere viver e fazer as coi­sas quando o sol já se pôs, aqui vai uma má notícia: de acordo com um novo estudo, pessoas que se iden­tificam como “noturnas” têm um maior risco de contrair diabetes, problemas psicológicos e de mor­rer mais cedo. O estudo, publicado na revista Chronobiology Interna­tional, rastreou quase meio milhão de adultos no Reino Unido duran­te uma média de seis anos e meio. Os pesquisadores descobriram que aquelas pessoas que diziam ter há­bitos noturnos no início do estudo tiveram um aumento de 10% no risco de mortalidade por todas as causas em comparação com pes­soas matutinas.

Segundo o estudo, quem vive à noite tem mais chances de ter diabetes, distúrbios neurológicos, psicológicos, distúrbios gastrintes­tinais e respiratórios. “O que acha­mos que pode estar acontecendo é que há um problema para os cha­mados notívagos que tentam viver no mundo dos matutinos”, apon­ta Kristen Knutson, professora de neurologia da Feinberg School of Medicine, da Universidade de Nor­thwestern, nos EUA, e principal au­tora do estudo.

“Esse descompasso entre o reló­gio interno e o mundo externo pode levar a problemas para sua saúde a longo prazo, especialmente se o cronograma for irregular. Trabalhos anteriores mostraram que pessoas noturnas tendem a ter piores per­fis de saúde, incluindo diabetes e doenças cardíacas, mas este é real­mente o primeiro estudo a anali­sar a mortalidade”, acrescenta a es­pecialista.

Os pesquisadores utilizaram da­dos do United Kingdom Biobank, um grande estudo realizado entre 2006 e 2010 que investigou os fato­res de risco para as principais doen­ças em homens e mulheres de 37 a 73 anos de idade. Para avaliar seu rit­mo circadiano natural, o período de cerca de 24 horas que influencia no nosso sono, digestão e todo nosso ciclo biológico, também chamado de cronotipo, os participantes foram solicitados a se identificarem como “definitivamente uma pessoa ma­tutina”, “mais uma pessoa matutina do que noturna”, “uma pessoa mais noturna do que matutina” ou “defi­nitivamente uma pessoa noturna”.

Dos 433.268 participantes, aproximadamente 10.000 mor­reram durante o período de se­guimento de seis anos e meio do estudo. Após o controle de fato­res como idade, sexo, etnia, índi­ce de massa corporal, tabagismo e duração do sono, os pesquisado­res descobriram que aqueles que se identificaram como “definitiva­mente noturnos” tiveram um au­mento de 10% no risco de morte durante o período de acompanha­mento em comparação com aque­les que se identificaram como “de­finitivamente matutinos”.

O risco de morte não foi aumen­tado para aqueles que se identifi­caram como “mais matutinos” ou “mais noturnos” em comparação com quem se identificava como sendo uma pessoa da manhã.

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS

O estudo não investigou quais eram as causas específicas das mor­tes, embora pesquisas já tenham sugerido que as pessoas noturnas têm maior probabilidade de desen­volver doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer, como prósta­ta e câncer de mama. Por isso os es­pecialistas dizem que os resultados precisam ser mais aprofundados.

“Esta é apenas uma peça do quebra-cabeça. As descobertas sobre a mortalidade na verdade não foram tão robustas quanto eu esperava. Acho que eles teriam re­sultados mais fortes se, em vez de apenas olharem para o cronotipo, tivessem olhado para o alinhamen­to do cronotipo: as pessoas esta­vam indo dormir na hora certa?”, questiona Jamie Zeitzer, professor de psiquiatria e ciências compor­tamentais (medicina do sono) da Escola de Medicina da Universi­dade de Stanford, que não esteve envolvido na pesquisa.

Além da mortalidade geral, ter uma vida mais noturna estava asso­ciado a vários problemas de saúde, como distúrbios psicológicos, neu­rológicos, gastrintestinais e respi­ratórios. A associação foi mais for­te para os distúrbios psicológicos: aqueles que se identificaram como “definitivamente noturnos” eram quase duas vezes mais propensos a relatar ter uma doença psicológi­ca do que aqueles que eram “defi­nitivamente matutinos”.

“Definitivamente seria preci­so um acompanhamento para ver o que isso significa. Isso é depres­são? Isso é ansiedade? Existem fe­nômenos psicológicos específicos que estão mais ou menos relacio­nados ao cronotipo, especialmen­te a disparidade entre o momento adequado do cronotipo e a hora real de dormir?”, sugere Zeitzer.

Um estudo de 2014 também mostrou que aqueles que ficam acordados até tarde tinham me­nos matéria branca em certas áreas do cérebro, o que está associado à depressão. A matéria branca con­siste em projeções nervosas que transmitem e coordenam a comu­nicação entre diferentes áreas do sistema nervoso.

DIFERENTES CRONOTIPOS

De acordo com Knutson, o cro­notipo de uma pessoa é provavel­mente uma mistura de fatores he­reditários e ambientais. “Se você é ou não uma pessoa noturna, isso é em parte determinado por seus genes, o que obviamente você não pode mudar”, diz Knutson. Porém, ela também afirma que esta carac­terística não é totalmente imutável.

Pessoas que querem dormir mais cedo podem adotar certas estratégias, que incluem o adian­tamento gradual de sua hora de dormir e o uso de tecnologia à noi­te, de acordo com a especialista. “Quero enfatizar o aspecto gra­dual. Você não pode, de repen­te, ir para a cama três horas antes. Não vai funcionar”, alerta.

“Também é necessário evitar a luz à noite, incluindo as do smart­phone e dos tablets”, acrescenta ela. “Isso não só dificulta adormecer como também é um sinal para o seu relógio interno voltar a ser mais tardio”. Para aqueles que ainda lu­tam com as manhãs, encontrar um emprego que tenha horários flexíveis ou horas mais consisten­tes com seu relógio biológico po­deria ser uma solução.

“Você pode encontrar um em­prego que comece depois, mas isso não é um conselho particularmen­te útil para muitas pessoas”, apon­ta Zeitzer. Knutson acrescenta que os empregadores devem reconhe­cer que alguns de seus funcionários serão do tipo matutino e outros se­rão do tipo noturno. “E se as horas de trabalho fossem flexíveis para re­fletir a preferência do relógio bio­lógico e permitir que os notívagos tivessem um horário de trabalho posterior, isso seria preferível para eles e potencialmente melhor para sua saúde e produtividade se esti­vessem trabalhando num momen­to mais aprazível”, sugere.

LIMITAÇÕES

Quase 94% dos participantes da pesquisa se identificaram como caucasianos, o que significa que os resultados podem não ser gene­ralizáveis para outras demográficas, de acordo com Zeitzer. “É limitado por causa disso”, disse ele. “É forte porque é uma grande amostra de quase meio milhão de pessoas, mas são principalmente caucasianos de ascendência irlandesa ou inglesa”.

“Não é intrinsecamente o cro­notipo que é ruim, é o cronotipo diante da nossa sociedade, e nem todas as sociedades são iguais. Se você olhar na Espanha, onde as pessoas vão para o trabalho mais tarde, meu palpite é que as conse­quências para a saúde são prova­velmente menores do que no Rei­no Unido”, compara Zeitzer.

Outra limitação é que o estudo também se baseou em muitos rela­tos dos participantes, e não em me­didas mais objetivas. Mas o estudo ainda deve ser um alerta para pes­soas noturnas, que podem querer fazer esforços extras para manter um estilo de vida saudável.

“Uma mensagem importan­te aqui é que os notívagos devem perceber que eles têm esses pro­blemas potenciais de saúde e, por­tanto, precisam ser mais vigilantes sobre a manutenção de um estilo de vida saudável”, acrescenta Knut­son. “Comer bem, exercitar-se, dor­mir o suficiente – todas essas coisas são importantes, e talvez particu­larmente para os amantes da noi­te”, complementa.

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