Ritual da galinha em almoço de domingo
Redação DM
Publicado em 16 de maio de 2018 às 22:34 | Atualizado há 5 meses
A li fumegando na mesa, as coxas apontando para o céu. Sem adjetivos o frango de granja é cheio de hormônios, insosso e muito ruim. Não dá para comer. Precisa ser caipira ou, no mínimo, carijó. Branco, nem pensar, socorro. Caldo cheio de gordura eu passo, meu estômago sofre. Frangos têm que ser criados soltos. De preferência em casa, com pai e mãe conhecidos. A galinha gorda, cloaca larga. Para voltar ao “frango do bem” é urgente recaipirizá-lo. Comendo restos de arroz e feijão, quirera de milho. Com o criador emitindo o som: “curicó, pri, curicó” para que elas cheguem para a festa do almoço.
O frango caipira é, hoje, uma entidade de marketing, não de quintal; um espectro, um animal concreto. Este foi assassinado ao se descuidar dos vínculos entre a cidade e a ruralidade.
O que é uma galinha caipira? A velha galinha conhecida como “pé duro”, “caipira” ou de “fundo de quintal” é a galinha criada solta, nos terreiros, exercitando-se. Historicamente tem um prazo maior de produção de carnes e ovos, com baixa produtividade em relação à avicultura industrial, caracterizando-se como uma produção saudável.
Antigamente havia criação na casa, se comprava o frango de vara, na porta ou nas feiras ainda vivo. Me lembro que morávamos na antiga “Campininha” numa casa antiga e grande com um quintal com mangueiras e plantas que minha mãe cultivava com muito carinho. Ela comprava algumas galinhas e deixava em um improvisado galinheiro porque achava que precisava de um tempo para limpar por dentro. Comia só milho. E a pele ia ficando amarela, e o bicho engordava. A desvantagem é que às vezes ia cantando e tomando ares de galo. Eu ainda criança, me recordo dos sons das galinhas e dos galos. Sei que passava um pouco do ponto de abate mas eles eram gordos e aí ela se exibia num domingo para a família de sua fórmula de criar galinhas e obter um tempero único na panela que ficava cozinhando horas no fogão à lenha.
Eu não suportava o ritual de domingo, enfiando a faca na garganta da coitadinha, eu acho até hoje um ritual a sangue frio. O sangue escorrendo em um prato e depois a levando no fogo para despená-la. Nossa, parecia um culto do Candomblé. Um horror! Não suporto nem imaginar esta cena. Eu pequena, perguntava, “Você mata frango, mãe?” A resposta “mato, mas não fique triste, vai comer o melhor frango que nunca vai esquecer” significava que não esqueceria mesmo.
Quando me sentava à mesa, o cheiro defumado, o caldo, as pernas para cima, o milho cozido, as batatas-doces, eu preferia me deliciar com o caldo no arroz branco, até hoje vem na minha memória aquela cena, mas era delicioso sentar ao lado de meu pai e ouvir minha mãe cantar enquanto nos servia. Na época, minha saudosa avó dizia que não adiantava lavar, passar e engomar, encerar bem o chão da casa, de vermelho pintado de xadrez, com o escovão, se não soubesse matar uma galinha. Eu achava de uma coragem enorme. Meu pai com sua risada fácil, me perguntava, você tem coragem de matar uma galinha? E eu de pronta lhe respondia, não! Sou emoção! Eu sinto pena dela. Meu pai me respondia, Edinha, sua sensibilidade vai te ajudar a viver romanticamente, mas vai te prejudicar a ser forte com a vida. Então, vamos aproveitar este momento, e nos deliciar com este cozido maravilhoso da sua mãe.
Dava gosto sentar à mesa com meu pai, amava conversar com ele, inteligente, sensível, escorpiano, amava sua família, mesmo imperfeita. Ele se tornava um filósofo da vida, e tinha um humor sensacional que me fazia muito feliz. Meu pai contava que quando foi casar com minha mãe, meu avô disse para ele: Jair, Norma tem um bom tempero, de feijão e de frango. E tem sangue frio para matar uma galinha. Aí eu entendi o que meu avô quis dizer, que minha mãe é uma mulher forte e faz dos espinhos sua fortaleza.
Voltando à galinha, como se conserva o sangue? Com vinagre, para não talhar e fazer aquele frango com molho pardo. O melhor tempero era da minha avó. Ela sabia do gosto da casa. Vivia para agradar e agradecida. Na mesa, todos em volta do seu famoso frango.
Dona Norma, minha mãe, cabia dividi-lo porque mãe é quem sabe tudo sobre o gosto de cada um. Meu pai, claro, era sempre o primeiro. Ele gostava da coxa, o restante da família comia o que sobrava. De forma que as gerações iam se alternando no gosto de coxas e peitos.
Minha mãe sempre comia o que restava, que não é coxa nem peito, mas a asa e os pés, que não entravam na disputa. Mãe é mãe, sempre pairando acima dos conflitos. A asa que sobrava, só se comia na gula, na repetição. No final, sobravam alguns pedaços que todos ignoravam. Meu avô, que tinha sido várias vezes prefeito de uma cidade minúscula no Triângulo Mineiro, quando nos visitava, aos domingos, tinha dois rituais de sangue para dividir as coxas. Sobrava sempre na panela o “sobrebubum”, chamado de curanchim ou uropígio. Esses viravam sempre escaldado para a noite. Nunca vi comer-se um “sobrebubum” à mesa na minha casa. Sempre virava um prato rústico, ou ia para a comida do cachorro.
Meus pais viajavam muito, e meu pai amava conhecer lugares diferentes. Em São Paulo, ele adquiriu a tesoura de trinchar frangos: o pescoço junto à cabeça, a sobreasa levando um pedaço de peito e de asa… Meu Deus, Um horror! Em vez da comunhão, uma cena de mutilação na cozinha da minha casa. Como uma família assim poderia se amar e se respeitar? Com primos que perderam a mãe e que foram morar na casa de meus pais já revoltados, uma irmã de criação que vive em um mundo ignorante e sem produzir dignidade que é trabalhar e sair do papel de coitadinha?
Eu cheguei em casa com 3 anos de idade, única filha legítima de meu pai, numa relação extraconjugal, e ele optou por viver com seu grande amor que não pôde lhe dar filhos. Mas graças a Deus e para minha felicidade, convivi com a mulher mais incrível e extraordinária da minha vida. Que me adotou como sua filha, me deu um lar, amor, berço.
Muitos devem estar se perguntando, o que tem a galinha com isso? Eu não virei bandeja de frango de supermercado, com as partes de frango em bandejas resfriadas. O frango decomposto, com mau cheiro, que nem alecrim cura, sem gosto, molenga, gordura doente que não serve nem para canja. É por isso que eu digo: um parente falso na família é como conviver com tudo o que não presta em nosso corpo. Com certeza cheira mal. Por isso, comer harmoniosamente um frango com quiabo em um domingo entre cervejas, vinhos e boa conversa aflora a nossa poesia que é contato perene de anjo. Aromas finos; favos de lembranças celestiais”.
CAÇAROLAS E VINHOS DA SEMANA
PINOT NOIR
É uma das vinhas mais antigas cultivadas pela humanidade. Antes do império romano passar por Borgonha ela já estava plantada. Suas origens levam ao nordeste da França e ao sudeste da Alemanha. O Primeiro registro escrito sobre a casta foi em 1375 e 20 anos depois, Felipe “O Bravo”, duque de Borgonha, decretou que a uva Gamay deveria ser banida para favorecer a Pinot Noir. A família Pinot Noir está em mutações constantes, isso significa que elas podem se adaptar facilmente aos locais, porém também pode ser difícil manter as características clonadas.
Os grandes Pinot Noir são elegantes, suculentos, sem os taninos notáveis e o corpo pesado dos Cabernet, por exemplo: algo que se traduz em uma cor mais pálida, com uma acidez também leve que pede um novo gole, aromas sutis, que lembram frutas frescas, às vezes morangos, ameixas, assim como também podem ser tons florais, como violetas e rosas, além de notas de ervas e cogumelos por vezes. A Pinot Noir é considerada a uva mais difícil de cultivar e de difícil adaptação, mas também é considerada como a uva que produz os vinhos mais elegantes do mundo, sem deixar de mencionar que desta uva provém os vinhos com borbulhas mais interessantes do mundo todo, os Champagnes.
Esta uva tem uma grande diferenciação com as outras tintas nobres: ela não pode ser misturada com outras uvas (exceto nos Champagnes) tintas, já que, como a sua maior virtude é sua sutileza, fazendo parte de um blend ficam ocultas atrás da opulência e potência das outras uvas tintas.
Fora da Bourgogne, a Pinot Noir tem conseguido excelentes resultados nos Estados Unidos, onde Napa e Sonoma (em Califórnia) e Oregon são as regiões que mais se destacam. Em Nova Zelândia podem também se encontrar vinhos elaborados com uva Pinot Noir de altíssimo nível, principalmente os que provêm de Malborough, região vitivinícola localizada na parte norte da ilha do sul.
No caso da América do Sul, o Chile é o país que tem demonstrado o maior avanço qualitativo com esta uva, e que tem ganhado grande destaque na última década. Isto principalmente devido à procura de climas mais frescos com influência marítima, o que favorece ao crescimento e à qualidade dos vinhos desta uva. Casablanca, localizada na metade do caminho entre Santiago e Valparaiso, é uma região já consagrada e com mais de uma dezena de produtores que têm tido muito sucesso com esta uva.
HARMONIZAÇÃO
Se você é um fã de comida francesa, vai perceber que boa parte dos pratos combina com a uva. Aí vão alguns pratos: coelho com mostarda, presunto cozido, Beouf (carne lentamente cozida com legumes no vinho) fazem pares perfeitos. Os pratos simples como carne assada e grelhada, vegetais cozidos, risotos, alguns peixes de sabor acentuado como atum e salmão e queijos de massa mole, também fazem boa harmonização.
Se quiser experimentar e desfrutar de toda a elegância desta fascinante uva, deixo aqui a dica de três Pinot Noir que eu gosto muito:
VENTOLERA PINOT NOIR. CHILE
Um belo e aromático Pinot Noir, muito bem trabalhado pelo enólogo Stefano Gandolini, oferecendo potência e finesse, com sabores gostosos de ameixa, framboesa e cereja. Paladar elegante e picante macio com um belo final longo. Na boca, este vinho é concentrado e elegante com uma estrutura vibrante, dominado por finos taninos. Persistente, entregando um elegante mineral no final de boca.
LAS CHILCAS PINOT NOIR. CHILE
Medalha de prata no International Wine Challenge 2013–Medalha de bronze no Decanter World Wine Awards 2013–Certificado de Sustentabilidade Via Wines
“Produzido no Vale do Maule em solos aluviais, o Single Vineyard Pinot Noir envelheceu em barricas francesas de dez a 12 meses, sendo 20% novas. Mostra aromas de morangos e cerejas e, em boca, é simples com frutas vermelhas e curto final. Pronto para beber”. Custo benefício sensacional.
BRAVADO WINES SOFIA PINOT NOIR. CHILE
Excelente Pinot Noir de Casablanca, confirmando que é possível produzir com essa uva por lá. Produz só 10.000 garrafas desse vinho.
Fruta bem aberta, sem aquela goiaba. Toque de barrica aparecendo (ficou 9 meses) Na boca: Bem leve e com pouca acidez. Taninos muito macios.