Rústico na tela
Redação DM
Publicado em 17 de fevereiro de 2018 às 23:46 | Atualizado há 6 meses
Atualmente, sabemos que a arte e a educação caminham juntas. O ambiente escolar é um local que possibilita o desenvolvimento da expressão pessoal, onde a criatividade pode ganhar o céu nas asas da imaginação. Muitos artistas começam cedo, no período onde a inocência permite o fácil deslumbre. A história dessas pessoas, que são tocadas misticamente pela arte, já é por si só uma expressão artística. Um jovem que dedica boa parte do seu tempo, entre uma tarefa e outra, num quadro ou uma canção é motivo para arrepios. O artista Cipriano Francisco Bonfim Costa, trabalhador da arte, decorador, pintor, eletricista, artesão e mais um monte de funções que acumula, começou a pintar por volta dos sete anos de idade.
Foi no Museu de Artes de Goiânia (MAG) onde deu os primeiros passos dentro do mundo artístico. Márcia Pires, atual diretora do Museu, foi sua primeira professora. Ele conta que chegou na cidade de Goiânia com seis meses de vida, nos braços do pai, que era paulista, e da mãe de origem sergipana, porém, Cipriano diz com firme que é sim um goiano. Com timidez ele mostra um pouco do seu trabalho pela tela do celular. Entre as fotos de quadros, a maioria com traços firmes e rústicos, algumas fotos de flores em arranjos para casamentos. Ele conta que também é decorador de festas e diz que trabalha com plantas artificiais, mas prefere as verdadeiras. Com orgulho ele conta que sempre trabalhou, sempre foi uma pessoa que gosta de construir com as próprias mãos.
“Comecei a mexer com artesanato quando eu tinha meus nove anos. Sempre gostei de trabalhar, desde pequeno mesmo. Costumo dizer paras os outros que eu, com dez ou doze anos, ganhava muito mais que eu ganho hoje. Porque naquela época artesanato realmente dava dinheiro”, diz. Ele fala da competitividade com marcas importadas, com “esses produtos da China”. Afirma que antigamente os objetos eram construídos manualmente e “tudo que se tinha era a gente mesmo que fabricava”. Ele usa o exemplo das vestimentas para justificar seu ponto de vista. “São poucas marcas que conseguem se manter no mercado com essa concorrência. Porque, na maioria das vezes, as pessoas optam por olhar o preço e não a qualidade do produto”, conclui Cipriano.
TRABALHADOR DA ARTE
Durante três anos o artista goiano viveu na Europa. Além de vender os quadros, ele conta que trabalhava de dançarino, para ajudar no sustento financeiro. “Na Espanha e em Portugal eu consegui vender e me aproximar muito desse cenário artístico por conta do meu trabalho com a dança. Lá as pessoas têm mais contato e consomem mais arte”, diz. Os quadros de Cipriano mudam muito de um para outro, como ele mesmo diz, porém os traços e as cores, inspirados na modalidade rústica, estão presentes em praticamente todas as obras.
Sobre a vida na Europa, ele conta que seguia a mesma doutrina que no Brasil: trabalhar e construir com suas próprias mãos. “Lá eu pintava meus quadros e vendia, dançava nos bares e me pagavam por hora. Também trabalhava na área de construção cívil, reformar casas antigas, aquelas que ficam no alto das montanhas, sabe? Também trabalhava com pintura, eletricista, conserto e etc. Aqui no jornal Diário da Manhã eu trabalhei na mecânica das máquinas, na manutenção do prédio, por muito tempo. Entrei aqui a primeira vez em 1999. Em tempos de crise é difícil viver com arte, aí eu me viro”, conta.
ARTE E EDUCAÇÃO
Cipriano começou desde cedo a pintar, como foi citado acima. Desde os 7 anos ele trabalha com pinturas e realiza serviços diversos para se manter financeiramente. Ele também constrói histórias como a dele, dentro das escolas na região Metropolitana. “Trabalhei nos colégios municipais de Goianira, a cidade onde eu moro atualmente. ‘Um Artista na Escola’, era o nome do projeto. Eu dava aula para os alunos de pintura e desenho. Fiquei um bocado de tempo fazendo esse trabalho, mas tive que parar”, conta. Ele acredita que a educação e a arte caminham juntas, que não existe separação entre ambas e que o aluno que tem acesso aos dois, desde cedo, se torna um ser humano melhor.
Questionado sobre o período em que trabalhou nas escolas, dentro do projeto “Um Artista na Escola”, Cipriano aponta que muitos alunos tinham dificuldades em diversas matérias da escola, mas nas aulas de artes se portavam de maneira diferente, sempre comportados e interessados no que ele tinha a dizer. “As crianças tem muito interesse em arte. Trabalhei no Colégio Odilon, em Aparecida de Goiânia, e lá tinham alunos tanto da alfabetização até alunos do EJA (Educação de Jovens e Adultos), que são alunos de 15 e 16 anos até 60 ou mais. Eles tinham uma atenção muito grande por aquilo que eu falava. Os alunos às vezes falavam que tinham dificuldade em outras aulas mas nas de artes eles prestavam atenção”, diz. De acordo com Cipriano, essa era a forma como ele poderia retribuir para a sociedade brasileira aquilo que ganhou por aqui.
DUAS PARTES DE UM
Um pouco mais solto, falando sobre educação e da sua experiência na sala de aula, Cipriano tem ideias que também fazem sentido para muitas pessoas ligadas ao mundo artístico. “Educação no Brasil a gente diferencia de cultura, sendo que é uma coisa só, ao meu ver. Se existisse cultura nas escolas desde sempre, a educação da criança seria diferença, até mesmo quanto a relação dela dentro da sociedade”. O artista também acredita que essa mudança na educação brasileira poderia fazer que os jovens entendessem melhor o mundo, percebendo as nuances e particularidades do mesmo através do contato com as artes.
Apesar disso, a arte não pode ser uma imposição, assim como o ensino de matemática, filosofia, gramática e etc. A arte tem que aparecer na vida do aluno de forma natural e gradativamente ocupar o espaço que lhe é de direito. Cipriano concorda que é necessário mostrar as oportunidades que o jovem tem, influenciá-lo não é enfiar ou forçar a criança a produzir algo. Ele afirma que não se pode forçar ninguém a nada. “ Você faz um convite e a pessoa te segue, caso ela tenha real interesse no que foi proposto. Nunca podemos dizer ‘você deve fazer isso’, o certo é dizer ‘você pode fazer isso’. Isso chama a atenção da pessoa, porque ninguém quer ser obrigado a fazer algo, mas quando você oferece o interesse nasce”, diz.