Se não sabe brincar, fica em casa
Diário da Manhã
Publicado em 9 de fevereiro de 2018 às 23:51 | Atualizado há 4 meses
Viu uma menina no bloquinho, olhou pra ela, a guria não correspondeu o olhar, chegou nela e mandou: “Tem uma pedra em cima da montanha, rola ou não rola?” Ela responde “Não rola”, o que fazer? Há muitos homens que cogitam a alternativa ficar insistindo, porque o não ele já tem agora é correr atrás do constrangimento da mina. Tem outros que tomam posturas ainda mais agressivas e tentam beijar ou tocar a força. Depois do “não rola”, o que se tem a fazer é sair numa boa e procurar alguém que te queira, simples. Não é tudo “mimimi”, não “tá virando crime falar com as meninas”, mas não respeitar a vontade delas é crime sim.
Se tem uma coisa que não é brincadeira é assédio e abuso sexual durante os festejos carnavalescos. O ar de liberdade sexual que o carnaval inspira é, muitas vezes, confundido com liberdade sobre o corpo alheio. A mensagem que precisa ser compreendida é que o “não” das mulheres continuam significando “não” nos dias de folia. E é importante lembrar que nenhuma fantasia é convite aberto, mesmo que ela esteja literalmente usando uma placa escrito “não sou pavê”, está nas entrelinhas que alguma liberdade sexual com ela é depois do consentimento da própria.
Nessa época do ano o número de casos de violência contra as mulheres aumenta em até 30%. Isso é extremamente preocupante, visto que mulheres sofrem violência sexual todos os dias no Brasil. Por ano ocorrem 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no País, dos quais apenas 10% são reportados à polícia, dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Esses dados, apesar do absurdo, ainda podem estar distantes da realidade, já que os números não incluem outras formas de agressão à liberdade sexual que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, se trata de “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”.
CAMPANHAS CONTRA O ABUSO
Com frases simples, a campanha #CarnavalElesPorElas, da ONU Mulheres, tenta mostrar que os homens não podem julgar o comportamento das mulheres e nem tomar atitudes que contrariam a vontade delas.
As frases da campanha evidenciam que a mensagem é óbvia e que não cabem outras interpretações pelos homens:“Se a mulher disse não para você, significa que ela disse não para você”; “Se a mulher veste roupas curtas, significa que ela está querendo vestir roupas curtas”; “Quando a mulher falar que vai pedir o táxi para ir embora, significa que ela vai pedir o táxi para ir embora”.
Outras frases da campanha: “Quando a mulher falar que quer curtir a festa com as amigas, significa que ela quer curtir a festa com as amigas”; “Quando a mulher diz que não quer beijar você, significa que ela não quer beijar você”; “Quando a mulher está rebolando até o chão, significa que ela está querendo rebolar até o chão.” O objetivo dessas mensagens é provar que assédio não é paquera, e que a diferença entre as duas abordagens é o respeito. Se a resposta da mulher não foi respeitada ou se ela não concedeu a aproximação, a abordagem é assédio sexual.
Este já é o terceiro ano que a ONU Mulheres promove uma campanha no período do carnaval visando a conscientizar os foliões e foliãs sobre a necessidade de combater a violência sexual. As denúncias de violência contra as mulheres aumentam expressamente durante o período: em 2017, esse aumento chegou a 90%. A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 – registrou 2.132 atendimentos nos quatro dias de carnaval. Mesmo durante o frenesi carnavalesco é importante que se denunciem os abusadores.
Entrevistadas pela Agência Brasil, foliãs foram unânimes ao afirmar que sofreram vários tipos de abuso. “O cara chegou e me deu uma chave de braço [técnica de imobilização no pescoço]. Não tive como sair e ele me beijou”, relatou a designer Paula (nome fictício), que participou de um bloco no centro do Rio. “É carnaval e a galera acha que pode pegar, passar a mão, beijar à força. Se estiver de shortinho, então…”, conta outra foliã.
A DIFERENÇA DE FLERTE E ASSÉDIO
No facebook várias páginas e grupos feministas vêm divulgando material para conscientizar contra os abusos de carnaval contra as mulheres. A página “Moça, você é machista” vem postando relatos que evidenciam para os homens a diferença entre flerte e assédio: “Um carinha perguntou meu nome e disse ‘você é muito linda, Raíssa, posso te beijar?’ eu disse sim e a gente se beijou”, conta o simples relato de Raíssa Madoz. A página postou o relato de Raíssa com o comentário “Assim pode, viu, meninos?”, para calar o argumento de “Agora tudo é assédio”.
Para mostrar as posturas que são inaceitáveis, a página “Moça, você é machista” postou o texto de Danielli Massi: “Eu estava em uma boate e um cara chegou pegando no meu braço e na minha cintura antes mesmo de falar oi. Ignorei ele e sai andando. Ele ficou bravo, me chamou de vagabunda e não entendeu o porquê eu não queria conversar com ele. Se ele tivesse se apresentado e perguntando meu nome, teria alguma chance”, evidenciando que assédio não é nem um pouco atraente.
Um fato que é largamente conhecido é que os homens respeitam muito mais a presença de outros homens que a vontade das mulheres como conta Caroline Araújo na página: “Sábado passado estava em um bloco de pré-carnaval. Quando fui fazer uma selfie, um rapaz vestido de fada se aproximou e tentou “entrar” na foto, abaixei o celular e disse que não queria, pois o celular era do meu namorado, que estava no banheiro. Ele insistiu e disse que eu estava mentindo. Quando meu namorado, vestido de power ranger rosa, se aproximou, os dois me deixaram de lado e saíram pelo bloco dançando. Resumindo: tem homem que só respeita outro homem”.
Lembrando que abuso, além de atos expressos de violência física ou sexual, também são atos como beijar uma mulher à força, prendê-la pelo braço e não deixá-la ir embora, tocar seu corpo sem permissão e ofender, agredir verbalmente ou desrespeitá-la caso ela diga ‘não’. Estes casos podem – e devem – ser denunciados.