Sob a sombra do Fascismo
Diário da Manhã
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 03:55 | Atualizado há 7 anos
“A história do fascismo não está concluída porque o fascismo é ainda uma realidade em suspenso”, disse João Bernardo no livro Labirintos do Fascismo. O autor lembra que apesar deste movimento ter sido derrotado militarmente ele ainda não está politicamente e ideologicamente esgotado. As discussões a respeito do fascismo no Brasil estão se espalhando, principalmente após a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência, que trouxe visibilidade pública às suas falas, apontadas como discurso de ódio contra diversos grupos sociais, mas que estranhamente fizeram com que ele ganhasse adesão de parte do eleitorado brasileiro.
Makchwell Coimbra, Mestre em História pela UFG e doutorando em História Social, fala sobre o fascismo: “A definição de fascismo é algo complicado, especialmente pelo fato do fascismo ser algo meio camaleônico e se aliar em determinados contextos com grupos que abominam, como o caso da aliança com os liberais e o catolicismo na Itália de Mussolini. Assim, não existe uma forma simples ou fácil para se definir o fascismo”.
“Edda Saccomani define o fascismo da seguinte maneira: Em geral, se entende por Fascismo um sistema autoritário de dominação que é caracterizado: pela monopolização da representação política por um partido único de massa, organizado por hierarquia; por uma ideologia fundada no culto ao chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição ao socialismo e ao comunismo; pela mobilização das massas; pelo aniquilamento das oposições, mediante o uso da violência e do terror; pelo controle das informações; pela tentativa de integrar nas estruturas de controle do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, as relações econômicas, sociais, políticas e culturais” elucida Makchwell.
Makchwell esclarece que o uso irrestrito do termo pode acabar por extrair seu significado: “A facilidade que o fascismo aparece no jogo político cria um duplo problema, de um lado pode ocorrer uma banalização, certa vulgarização do conceito, tudo se torna fascismo, de outro, certa sacralização do conceito, nada mais é fascismo, é como se o fascismo tivesse morrido com Benito Mussolini. Mas enfim, em meio a tudo isso, o que é fascismo? Quando for utilizado deve ser feito de forma que não caia nem para um lado nem para outro dos extremismos conceituais, fascismo não é um adjetivo para atacar inimigos”.
FASCISMO PARA ALÉM DOS REGIMES
O mestre em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos do Rio de Janeiro, Ian Caetano, fala sobre as configurações do fascismo para além dos regimes totalitários, como aconteceu em alguns países: “Quando pensamos em fascismo, por vezes recorremos aos eventos mais bárbaros da história humana, como o nazifascismo alemão de Hitler ou o fascismo italiano de Mussolini. Este é o ápice do fascismo, sua manifestação mais plena e evidente. Antes disso e mesmo depois disso acabado, entretanto, ele existe de diversas formas”.
Ian aponta como a eleição de um candidato que propaga uma ideologia tida como fascista pode legitimar a ascensão deste movimento político: “O fascismo, historicamente, busca legitimidade através do Estado, portanto uma eventual vitória dele (Jair Bolsonaro) dará guarida para um recrudescimento social agudo. Visto que aqueles que nele se enxergam vão se sentir legitimados nas suas convicções fascistas”.
“Independente de quem vencer, não serão fáceis os próximos anos. Como disse, é possível derrotar a expressão eleitoral do fascismo, um pequeno, porém importante passo, entretanto temos também de trabalhar para exterminá-lo nas suas raízes”, completa Ian Caetano.
Lira Furtado é cientista social, formada pela UFG, e explica um pouco sobre como acontece a consolidação deste fenômeno: “É preciso lembrar que o fascismo antes de ser um movimento político é um fenômeno social, um movimento que se consolida como movimento de massa. Então por isso mesmo o perigo do fascismo já está dado, ainda que Bolsonaro não ganhe, pois já existe um movimento de massa que tem como bandeira a opressão, a violência e até mesmo o extermínio das minorias sociais. São falas onde negros não são colocados como gente. Em que quilombolas são comparados a gado”.
A cientista se refere a episódio, que teve um vídeo amplamente divulgado em redes sociais, em que Bolsonaro utilizou termos associados à criação de gado, de forma pejorativa, se referindo a quilombolas: “Fui num quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais“ disse o candidato.
FORMAÇÃO DE UM MOVIMENTO AUTORITÁRIO
Ian Caetano reitera a gravidade das afirmações públicas do candidato: “Quando Bolsonaro diz, impunemente, que um “afrodescendente pesa sete arrobas”, ele está distanciando-se deste enquanto um igual e equivalendo-o a um animal. Quando ele diz que as pessoas só “aturam” homossexuais, mas que “no fundo ninguém gosta deles”, o que ele faz é dar legitimidade àqueles que são incapazes de respeitar e aceitar que o outro tenha desejos e vontades diferentes das próprias. Quando diz que uma mulher “só não foi estuprada porque não merece” está implicitamente afirmando que existem outras que mereçam” especifica Ian.
O cientista político ainda expõe que a adesão dos eleitores de Bolsonaro, devido aos seus discursos, demonstram a formação de um movimento autoritário e excludente: “O diagnóstico mais rigoroso do fascismo não é só o absurdo destas declarações e eu poderia citar várias outras, mas o fato de que elas encontram reconhecimento, ainda que difusamente, no seio da sociedade. Podemos, por isso, nomeá-lo uma expressão do fascismo. A falta de reconhecimento do outro como um igual que merece não só o mesmo tratamento, mas a dignidade existencial de um igual; a intransigência e o autoritarismo que muitos de seus eleitores manifestam, legitimados pela sua ascensão nas pesquisa, tudo isso configura elementos que nos permitem considerar sua candidatura parte de um movimento fascista”.
“O desprezo ainda que “jocoso”, “menos explícito”, racial; o desprezo com o outro sexo; o desprezo com homossexuais… tudo isso implicitamente supõe uma noção do “normal” e do “anormal”, uma premissa básica do fascismo. Ao dizer que é legítimo a mulher ser penalizada com menores salários porque pode engravidar, está dizendo que o “normal” é o homem, pois não tem essa possibilidade. Ao dizer que ninguém gosta de homossexuais, mas só os atura, está dizendo que é um “desvio” da normalidade. Ao equiparar negros a gado está a dizer que somente brancos merecem ser pesados como iguais. Todas estas são características do fascismo, pois criam um padrão específico dito “superior” e, a partir deste como régua, definem um inferior” conclui Ian.
APOIO NEONAZISTA
Lira ainda pontua a participação direta de movimentos neonazistas em favor do candidato: “Eles (os neonazistas) estão apoiando a candidatura de Jair Bolsonaro. Tempos atrás houve o apoio público de um movimento neonazista ao candidato em São Paulo, colaborando na construção de um ato. Então, inclusive por essas alianças, claramente a perspectiva bolsonarista vai de encontro ao fascismo e ao nazismo.”
Uma manifestação de apoio a Jair Bolsonaro foi convocada na internet no ano de 2011, no vão do Masp em São Paulo. O protesto, batizado de “ato cívico”, foi divulgado em uma rede social no fórum “Stormfront”, em página administrada pelo movimento neonazista “White Pride World Wide”. A ideia do ato era justamente apoiar o lançamento como candidato a presidente o então deputado Jair Bolsonaro.
Um dos argumentos utilizados pelos eleitores de Bolsonaro é a proteção de uma suposta ameaça comunista, que o candidato diz que irá combater caso eleito, para Lira este medo exacerbado de ideologias de esquerda também é um traço do fascismo crescente: “É interessante porque o fascismo chega no atual contexto a se aproximar de sua forma clássica com o temor do comunismo e o ódio a esquerda, que é uma característica clássica do fascismo, inclusive com a propagação de notícias falsas sobre o risco do comunismo, que sem sombra de dúvidas não existe. Vale lembrar que temos ainda em atuação um movimento integralista, que é um movimento fascista”.
ASSÉDIO NO TRABALHO
Lira ainda especifica que existe uma relação do fascismo com a intensificação da exploração de trabalhadores: “E é bom lembrar que o fascismo não é só uma questão cultural, é uma forma política que ao oprimir ainda mais as minorias se utilizam disso para intensificar o processo de exploração. A política econômica do Bolsonaro diz isso: corte de direitos, aumento da alíquota no imposto de renda. O fascismo é uma política contra a classe trabalhadora. Basta lembrar dos assédios dos patrões que estão acontecendo, como do dono da Havan”.
Lira se refere a Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, que publicou um vídeo no qual está coagindo os funcionários a votarem em seu candidato. O empresário ameaçou os funcionários dizendo que caso Bolsonaro não ganhe “Talvez a Havan não vai abrir mais lojas (sic). E aí se eu não abrir mais lojas ou se nós voltarmos para trás? Você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta da Havan?”.
Independente de quem vencer, não serão fáceis os próximos anos”Ian Caetano, mestre em Sociologia
É preciso lembrar que o fascismo antes de ser um movimento político é um fenômeno social, um movimento que se consolida como movimento de massa”
Lira Furtado, cientista social
O HISTORIADOR MAKCHWELL COIMBRA EXPLICA O CONTEXTO DE SURGIMENTO DO FASCISMO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS:
Mussolini Em 1914, fundou o grupo Fasci d’Azione Rivoluzionaria (mais tarde, em 1922, surgiria o conhecido Partido Nacional Fascista). O uso do fascio não foi à toa. A Itália enfrentava uma profunda crise desde sua unificação tardia (concluída em 1870), e as consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pioraram a situação. Mussolini prometia, com o fascismo, trazer de volta os tempos áureos do antigo Império Romano.
Em 1919, os italianos Alceste de Ambris e Filippo Marinetti publicaram o Il manifesto dei fasci italiani di combattimento, texto hoje conhecido como Manifesto Fascista, que propunha um conjunto de medidas para resolver a crise da época. Nas décadas seguintes, o termo “fascismo” passou a ser usado para designar as políticas adotadas por Mussolini e seus seguidores.
Saliento, que mais importante que uma definição fechada é observarmos as principais características do fascismo, para tal, busco a junção das caracterizações de Robert Paxton e de Umberto Eco em “Ur-Fascism ou o fascismo eterno”, texto de fácil acesso, linguagem simples e esclarecedora e que sugiro para quem quer entender minimamente sobre a temática. Pois bem, as principais características são:
A retórica apoiada no sentimento de uma profunda crise; para além do alcance das soluções tradicionais.
Monopólio da representação política por um único partido de massa; organizado hierarquicamente.
Uma ideologia fundada no culto do chefe; que sozinho é capaz de liderar e reconstruir valores nacionais e encarnar o destino histórico da nação.
A exaltação da coletividade nacional, no desprezo tanto por ideais liberais quanto por projetos comuns como o Socialismo, Comunismo, Anarquismo optando ao invés deles pelo ideal da colaboração de classes estagnadas e corporativas.
Mobilização das massas e seu enquadramento em organizações que tendem a uma socialização política planificada, que trabalha para o regime.
Crença que um determinado grupo racial, nacional, regional, religioso ou a junção de alguns deles, é uma vítima, sentimento que justificaria qualquer tipo de ação, sem limites legais ou morais, contra inimigos internos ou externos.
Um aparelho de propaganda baseado no controle das informações e dos meios de comunicação de massa.
Um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado.
Tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou Estado, de acordo com uma lógica autoritária ou totalitária, a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais.
Ênfase em valores tradicionais em contraposição à modernidade e a recriação do passado a partir da invenção de tradições.