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Entrevista

“Teatro é um ritual de cura”, diz Letícia Sabatella

Peça esteve em Goiânia com peça ‘Ilíada’, baseada em Homero. Ao Diário da Manhã, Letícia Sabatella fala sobre imersão à cultura grega

Intensidade cênica: atriz diz que adaptação foi uma grande aventura por dentro de suas batalhas internas e sociais - Foto: Patricia Lino/ Divulgação Intensidade cênica: atriz diz que adaptação foi uma grande aventura por dentro de suas batalhas internas e sociais - Foto: Patricia Lino/ Divulgação

Companheiros na vida real, os atores Daniel Dantas e Letícia Sabatella estendem a parceria da vida para os palcos com a peça “Ilíada”, que esteve cartaz na quinta, 6, no Teatro Madre Esperança Garrido, durante a programação do festival Aldeia Sesc das Artes. O espetáculo baseia-se em dois momentos do poema épico escrito por Homero sobre a Guerra de Troia no século 8 a.C. e demonstra interessante atrevimento artístico de Daniel e Letícia.

Os artistas debruçam-se sobre texto essencial da cultura Ocidental - a partir de tradução feita pelo escritor Manuel Odorico Mendes, cuja versão foi definida por Letícia como enigma de linguagem, com elementos que a tornam pitoresca, cheia de aspectos da brasilidade nordestina, bem-humorada e, veja só, possui até segunda intenções. Manuel humaniza a clássica obra ao mesmo tempo em que se dedica a preservar sua atemporalidade. Afinal de contas, além de fundamental à literatura, é também documento histórico sobre a Grécia.

“Ilíada” guarda nos seus mais de 15 mil versos uma espécie de frescor primitivo, como se o passar dos milênios, muito longe de lhe tirar brilho da glória eterna, contribuíssem para enaltecer a beleza proporcionada pelas palavras de Homero àqueles que ainda hoje as leem. Só com aquilo que já foi escrito sobre o poema épico se encheria estantes de bibliotecas: inspirou o escritor James Joyce durante o relato dos obstáculos pelos quais Leopold Bloom precisou pular em “Ulysses” e também Gabriel García Márquez ou Guimarães Rosa.

Ainda assim, até hoje, ninguém conseguiu dar conta de falar sobre a qualidade de “Ilíada” como o próprio Homero. Estão ali a Guerra de Troia, o entrechoque cultural, a morte de heróis. “Canta-me a Cólera - ó deusa - funesta de Aquiles Pelida, causa que foi de os Arquivos sofrerem trabalhos sem conta e de baixarem para Hades as almas de heróis numerosos”, escreve o grego, na abertura do “Canto I”, uma das partes encenadas em Goiânia - a outra, de acordo com material de divulgação, será o “Canto 20”.

Para Letícia Sabatella, levar aos palcos um clássico da literatura é “uma grande aventura por dentro de minhas batalhas internas e sociais”. “Um mergulho na tradição herdada dos gregos, na compreensão do que nos formou”, afirma a atriz, em entrevista ao Diário da Manhã. Nascida em Belo Horizonte, criada em Curitiba e artista de múltiplos talentos, Letícia alia a arte com engajamento nos movimentos sociais. Fez televisão, teatro, cinema - e balé amador, no Teatro Guaíba, quando se aproximou dos palcos.

Aos 52 anos, Letícia é progressista. Ao DM, a atriz - uma das melhores de sua geração - fala sobre a imersão à obra de Homero, conta como foi trabalhar com Daniel Dantas e revela do que sentiu mais saudade durante o tempo em que ficou sem visitar Goiânia. Confira:

Diário da Manhã - Como tem sido para você realizar esse mergulho na cultura grega por meio de Homero?

Letícia Sabatella - Uma grande aventura por dentro de minhas batalhas internas e sociais. Um mergulho na tradição herdada dos gregos, na compreensão do que nos formou. E enquanto exercício teatral, um tour de force físico, mental, criativo, poético. Uma super escola, junto a belíssima Companhia Ilíada Homero e nossos mestres Octávio Camargo , Chiris Gomes, Beto Bruel. E todos que compõem a companhia.

DM - Quais são os percalços - se é que tem algum - em estender a parceria entre vocês da vida prática para os palcos? É possível trabalhar com alguém de que se gosta?

Letícia - Daniel é um sonho de ator maiúsculo! Trabalhar com ele é maravilhoso! Generoso, dedicado, inspirado, com uma bagagem incrível e sui generis! Eu o admiro demais e, com a nossa proximidade, cada vez mais reconheço a pessoa linda que está ao meu lado. Só melhora!

DM - Como foi montar a representação cênica dos dois cantos do texto - ‘Canto 1’ e ‘Canto 2’ -, uma das passagens mais importantes da literatura Ocidental?

Letícia - Muito bacana termos a liberdade de criar, cada um, a sua performance própria. Ao mesmo tempo, a unidade que a mestria do Octávio Camargo gera com o seu profundo conhecimento histórico, astronômico, literário a respeito da obra de Homero e da Grécia. As suas composições lindas, que trilham os cantos e a luz estupenda do Beto Bruel, contribuem para que tenhamos uma pérola preciosa do teatro essencial! Uma linda defesa na linguagem poética. E, em tempos de emoticons, trata-se de uma rara oportunidade (risos).

DM - Acabamos de sair de uma pandemia, após dois anos sem contato com pessoas ou idas ao teatro. Como tem sido esse processo de levar “Ilíada” aos palcos brasileiros nesse pós-covid?

Letícia - A magia deste rito humanizador, que é o Teatro ao vivo e presencial, se mostra mais necessária do que nunca, né? As platéias lotadas confirmam isso. O teatro é um ritual de cura. Isto está muito comprovado. E é insubstituível, como temos observado. O público ávido por este encontro. Pela cura do nosso imaginário.

DM - Letícia, do que você mais gosta: música ou teatro? E quando essa paixão se manifestou?

Letícia - Pra mim, tudo é música, tudo é teatro, em um show, em uma peça teatral. Desde muito nova. Do ballet, ao Coral Sinfônico do Paraná, aos grupos amadores (onde sempre pediam pra eu cantar nas peças). Não separo de mim o ser e a artista, a perder de vista no meu passado (risos).

DM - Pensando num sentido brechtiano, por que o teatro é instrumento de transformação social?

Letícia - Porque propõe transcendência e isto é fundamental para romper opressões. Ao mesmo tempo que escancara o que somos de fato. Nada mais revelador que uma máscara teatral. Libertador.

DM - Quais são suas lembranças mais agradáveis que tem da cidade de Goiânia?

Letícia - Almoço na casa da Tia Naninha, poemas da Maria Abadia, os quartos da tia Zaia, as mulheres lindas da minha família. O Festival Na Ponta do Nariz. E as fotografias de Sandra.

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