Três espetáculos de Hugo Rodas
Diário da Manhã
Publicado em 3 de maio de 2018 às 22:06 | Atualizado há 4 meses
O mundo de perto não tem cercas. Pode ser explorado de acordo com a intenção dos pés. Mesmo frente ao vasto ambiente possível em cada região, o ser humano não se contenta com o mínimo da passagem. O caminho tem que ser estreitado pelos laços com os lugares, as pessoas e os acontecimentos. Existe uma vontade de pertencer, algo como tentar definir aquilo que lhe define, e assim poder chamar qualquer pedaço de terra de casa. “Essa é minha segunda terra”, é o que afirma o diretor de teatro Hugo Rodas sobre o Centro-Oeste. Natural do Uruguai, e radicado em Brasília, Hugo traz para Goiânia, mais precisamente para o palco do Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (CCUFG), três peças em que assina como diretor. Os espetáculos compõem a programação da terceira edição da Mostra Manga de Vento.
O início é nesta sexta-feira (4) e a programação segue no sábado (5) e domingo (6). O grupo de Brasília que Hugo participa, a Agrupação Teatral Amacaca (ATA), encena a OperAta: um programa duplo, com os espetáculos “Ensaio Geral” e “Punaré e Baraúna”, a partir das 20h. No mesmo horário, mas no domingo (6), um segundo elenco dirigido por Hugo apresenta a remontagem de Adubo ou a Sutil arte de escoar pelo ralo.
A primeira apresentação da Mostra, Ensaio Geral, começou a ser construídaháseisanos. Apeçabrincacom oambientedoensaiodeumgrupode teatro musical. A narrativa do espetáculo gira em torno das diversas colocações para a palavra “amor”. “Treinamosesseespetáculoprimeirocom trechos de amor de Shakespeare, depois decidimos que era muito melhor que cada ator trabalhasse seu próprio texto, que procurasse e escolhesse uma definição para a palavra por conta própria”, diz. A busca dos integrantes da companhia de teatro encontrou formas diversas onde a palavra é utilizada, como, por exemplo, o amoreahumanidade, oamordentro da política e outros. “Temos trechos de Chaplin, Hilda Hilst, Galeano, Carlos Drummond e Caio Fernando de Abreu. Fizemos um jogo cênico, por isso a peça se chama Ensaio, onde o grupoeaorquestracontamahistória. Ela sempre está presente nos espetáculos. Somosumaorquestraqueconta histórias”, conclui Hugo.
DUO DE AMOR
A Orquestra d’Amacaca, com direção musical de Cacai Nunes, é a responsável por criar uma transição entre “Ensaio Geral” e a peça “Punaré e Baraúna”. “Nós terminamos Ensaio Geral e então entra um músico falando que teremos outra história de amor, mas que agora é realizada no sertão”, conta Hugo. De forma sútil, os espetáculos se ligam pelo tema: ambos tratam relações amorosas, mas com olhares distintos. “São dois pontos de vista: um de Punaré e o outro de Baraúna”, diz. Os dois personagens apresentam seus relatos em busca do amor de Cicica. A peça é uma adaptação do romance Cansaço, a longa estação, escrito por Luiz Bernardo Pericás. A obra retrata a sociedade nordestina (agrária, seca e oprimida) entre o fim do século XIX e início do século XX.
MORRER E A MORTE
Por fim, no domingo (6), pontualmente às 20h, um outro elenco dirigido por Hugo traz ao palco do CCUFG a remontagem de “Adubo ou a Sutil arte de escoar pelo ralo”. A peça está circulando o mundo tem 13 anos e já foi realizada em Goiânia neste mesmo palco. O espetáculo fala sobre a morte e o ato de morrer, utilizando de fio condutor o atropelamento de um cão filhote. O acontecimento estabelece uma atmosfera oscilante entre o fúnebre e o lírico, o riso e o nó na garganta: “Celebrando a vida diante da certeza inefável do fim”.
A terceira edição da Manga de Vento – Mostra Expandida de Dança se inicia na sexta (4/5), no Centro Cultural UFG, em Goiânia, com três espetáculos dirigidos por Hugo Rodas. Com apoio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás, o programa segue até outubro deste ano, reunindo trabalhos contemporâneos, nacionais e internacionais, que rompem limites da linguagem artística. A OperAta conta com apoio do Fundo de Arte e Cultura do Distrito Federal.
MANGA DE VENTO
Esta é a terceira edição da mostra Manga de Vento. A curadoria é do bailarino e coreógrafo Kleber Damaso. Ele fala sobre o nome da mostra, do objeto chamado “manga de vento” e sua aplicação na mostra. “Essa vulnerabilidade do dispositivo é avessa a ideia de apontar tendências, de circunscrever escolhas temáticas, de defender circuitos consolidados, entre outras expectativas tantas vezes sustentadas pelo discurso curatorial. Aspiramos um programa que contempla do pensamento coreográfico que extrapola os entendimentos de corpo, às pesquisas que avançam naquilo que a dança traz de mais elementar – estar em movimento – mesmo quando este movimento não é exclusivamente da ordem do visível”, reflete o curador.
Damaso afirma que esta edição pretende vislumbrar o deslocamento do recorte ainda presente e não menos importante sobre o esgarçamento dos contornos da dança. Para ele, um anseio que está manifestado na composição de retrospectivas, na aproximação e interlocução de projetos, no esforço de pensar trajetórias, de coproduzir tantas outras, de destacar o fôlego e a resistência inscrita na inquietude, na inconformidade, na permanente mobilidade.
Outro aspecto patente da Mostra é a estrutura do programa, composto por conjuntos de atividades mensais, com espaçamentos de tempo. O produtor artístico da mostra, Guilherme Wohlgemuth, lembra que, desde o início, realizar a mostra ao longo de vários meses é uma opção que favorece o diálogo e o engendramento de encontros entre artista e público, entre artista e artista, “porque as ações promovidas nunca estiveram direcionadas estritamente à contemplação estética”.
Wohlgemuth ainda complementa alargando o debate: “A necessidade de revisitar as trajetórias dos artistas convidados pela mostra como estratégia de revidar os usos inapropriados e políticos de obras de arte nos leva a indagar sobre as responsabilidades e desdobramentos da atividade curatorial, que especialmente nessa edição procura incitar um olhar menos linear para desvendar as discussões que, a princípio, estão fora de campo, e que são de fato relevantes nas obras selecionadas, mas que por interesses escusos não estão em evidência nos grandes meios de circulação de informações sobre a arte”.
A programação se constitui sem um destaque principal, mas com vários destaques do começo ao fim. Se em alguns momentos Manga de Vento suscita a oportunidade de abranger e adensar na trajetória de seus convidados (a exemplo de Hugo Rodas e Wagner Schwartz), em outros é capaz de tencionar a sutileza que perpassa a memória e o desaparecimento, a inclinação e a objeção ao esquecimento. Até outubro, o programa prevê também o contato com a obra de Denise Stutz (RJ), Grupo Empreza (GO), Grupo Cena 11 (SC), Dudude Hermmann e Marco Paulo Rolla (MG) e Carmen Werner (Espanha), entre outros.
OUTRAS AÇÕES
Complementar às apresentações, Manga de Vento oferece programas (in)formativos e de mediação com workshops, sessões de análises fílmicas e encontros para trocas de experiências. A primeira atividade dedicada ao compartilhamento público entre estudantes e profissionais é o encontro Performar Arquivos, no dia 15 de junho, às 16 horas, sob coordenação das pesquisadoras Flávia Meireles e Nirvana Marinho.
Circulando agora por diversas cidades brasileiras, o trabalho lança um olhar para as demandas específicas dos arquivos de dança, em sintonia com as recentes discussões do campo da pesquisa em Arte, História e Arquivo. Nesses encontros, as pesquisadoras convidam pesquisadores locais para comentar metodologias, dinâmicas e questões que permearam todo o projeto. E ainda apresentam a plataforma digital desenvolvida com objetivo pedagógico e que estará disponível no site www.acaovizinhas. com.br.
No mês de julho, a presença de artistas espanhóis vai permitir a realização de outras duas atividades de formação, também no Centro Cultural UFG. A dupla Álvaro Esteban e Laura Aris conduz o workshop “Energía y Trabajo em Pareja”, no dia 5. Oportunidade de acesso ao trabalho do intérprete-criador Daniel Abreu será no dia 7, no workshop “Desde Aquí”. Também está prevista a oficina “Dançar Dói”, com Clarice Lima e Aline Bonamin (SP), em 1º de setembro. O processo de inscrição para todas as atividades será anunciado, oportunamente, pela produção da Manga de Vento.
ABERTURA DA MANGA DE VENTO – MOSTRA EXPANDIDA DE DANÇA
4 e 5/5 – 20h
OperAta: Ensaio Geral + Punaré e Baraúna | ATA – Agrupação Teatral Amacaca (DF)
(Classificação indicativa: 18 anos)
6/5 – 20h
Adubo ou a Sutil arte de escoar pelo ralo | Abaetê Queiroz, André Araújo, Pedro Martins e Rosanna Viegas (DF)
(Classificação indicativa: 18 anos)
Local: Centro Cultural UFG (Avenida Universitária, 1533, Setor Leste Universitário)
Entrada: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)