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‘Uma Batalha Após a Outra’ é espetáculo de contradições americanas

DM Redação

Publicado em 26 de setembro de 2025 às 20:27 | Atualizado há 16 minutos

Leonardo Di Caprio atua em produção cujo objetivo é induzir reflexões sociais - Foto: Divulgação
Leonardo Di Caprio atua em produção cujo objetivo é induzir reflexões sociais - Foto: Divulgação

Inácio Araujo

(FOLHAPRESS) – Ao espectador, “Uma Batalha Após a Outra” coloca a questão de o que pensar, como se situar diante de um filme que começa com um ataque terrorista para libertar imigrantes presos em um campo e logo prossegue com uma guerrilheira invadindo o sono de um oficial do exército para forçá-lo a levantar. Não a ficar de pé, mas a levantar o seu, digamos, membro. A ter uma ereção. E ele tem. Diante de uma bela mulher negra com uma metralhadora na mão.

Desde que surgiu para o mundo como cineasta, Paul Thomas Anderson parece ter o gosto de se equilibrar nos opostos. Nos pornógrafos de “Boogie Nights”, por exemplo, encontrava sensibilidade e beleza. Em “Trama Fantasma”, descrevia a arte delicada de um criador de moda, e a arte amorosa de uma feiticeira capaz de manejar o veneno para seduzir seu amado, fazendo rimar arte com poder, amor com horror.

“Uma Batalha”, porém, não se detém por aí. Se lança no coração do cinema (e da civilização americana): violência, ação, racismo, humor. Lá tem quase tudo que pode existir e surpreender: freiras guerrilheiras, matadores com coração, guerrilheiros sentimentais, durões que delatam os companheiros por amor à família, matadores que se tornam sentimentais etc.

Esses elementos servem à ação, mas também à comédia, ao melodrama . Enfim, a qualquer gênero que apareça pela frente, porque nesse filme Anderson parece querer costurar o cinema inteiro em suas imagens.

Filme se lança no coração do cinema (e da civilização) com trama repleta de violência e ação – Foto: Divulgação

E quantas batalhas se passam em “Uma Batalha Após a Outra”? Há terroristas contra o governo, o governo contra os imigrantes, uma mulher negra e revolucionária que seduz um homem branco e racista, uma filha que se opõe ao pai. Em todo caso, o cinema é um campo de batalha, como bem disse Samuel Fuller, onde podem se encontrar todas as contradições. Fuller assinaria este filme com alegria, imagino.

Mas o certo é que Paul Thomas Anderson entende existir outro campo de batalha, que são os Estados Unidos -os United States of America. Esse país se forjou na guerra, contra os ingleses, os indígenas, depois contra o Japão, a Alemanha, Vietnã, Coreia, URSS, Cuba, Iraque, Afeganistão, Venezuela… Por que não uma guerra interna?

Não uma dessas guerras civis imaginárias que vez por outra chegam ao cinema. Aqui as guerras são muitas e, quase sempre, pessoais ou familiares. O espírito de família é tão intenso quanto o racismo e o gosto pela bebida e as drogas.

Assim, Bob é um pai bêbado e drogado, que mal consegue levantar da cadeira, mas parte numa empreitada épica em busca da filha. Um grosseiro coronel do Exército faz mesuras e se apequena diante de um grupo de ricaços dispostos a praticar sua suposta supremacia racial entre palácios chiques e violência bárbara.

É como se Anderson quisesse visitar todos os gêneros de uma só vez, misturá-los, para chegar ao retrato de uma América perdida dentro de seus próprios mitos e contradições.

Talvez seja o caso de personalizar um pouco essas batalhas de todo dia. Há, para começar, a de Bob Ferguson, personagem de Leonardo DiCaprio, guerrilheiro destemido, pai cheio de cuidados com a filha e, ao mesmo tempo, ex-guerrilheiro bêbado, chamado de volta à ativa para ir atrás dos responsáveis pelo desaparecimento da menina. De implacável terrotista da French 75 a pistoleiro de pijama, ele é capaz de tudo, sobretudo de ternura.

Sem falar de seu fiel escudeiro Sensei (Benicio Del Toro), mistura de mexicano e instrutor de lutas, cheio de um humor que se confunde com cinismo e espírito prático.

E que dizer de Perfidia, papel de Teyana Taylor, a implacável terrorista que adora ver um branco em ereção e encontra um branco que adora transar com belas mulheres negras? Ou do oficial Lockjaw -Sean Penn-, disposto a matar qualquer um suspeito de traços negros, mas que hesita diante daquela que poderia, talvez, ser sua filha?

E assim vamos, com matadores profissionais que se voltam contra os patrões -o mestiço indígena, no caso- e tudo mais. Por momentos, parece que estamos num desses filmes ditos de “ação”, cheios da violência mais gratuita, e de repente somos jogados numa perseguição de automóveis que desafiam toda convenção, ou no humor do tipo notável criado por Penn, cowboy do asfalto, da poeira, do Exército. Tipo notável e absurdo, clichê de todos os traços maníacos do militarismo.

Longa-metragem se permite a tirar sarro de autoritarismo dos Estados Unidos – Foto: Divulgação

Paul Thomas Anderson nos joga aqui, sem aviso prévio, em todas as contradições da formação dos Estados Unidos: a violência e a religião, o puritanismo carola e a sexualidade descontrolada, o espírito familiar e o hábito da droga, o homem durão que pode ser um chorão sentimental, o espírito familiar vivido na maior solidão.

De todos os traços aqui esboçados, nenhum parece mais presente, mais atual, do que o horror ao imigrante, ao outro que invade seu espaço. Isso rima com o racismo, claro, mas, mais do que tudo, parece nos remeter a uma estrada perdida, a um amontoado de ideais cultivados em mais de um século de cinema, que de repente parecem esmigalhadas em suas próprias contradições.

As saídas, tanto as individuais como as coletivas, parecem fechadas aos olhos de Paul Thomas Anderson. Mas ele as mostra com uma convicção e uma beleza que evocam, ao contrário, o que de melhor soube produzir os EUA, em especial sua grande arte popular, que se consubstancia no cinema.

As contradições de uma nação -sobretudo de uma nação central- não podem ser pequenas. É dessa grandeza que surgem suas fraquezas. E são essas fraquezas e contradições que Anderson parece juntar numa mistura delirante da qual resulta um filme grandioso, vivo, incômodo e, todo o tempo, surpreendente.

UMA BATALHA APÓS A OUTRA

Avaliação Ótimo

Quando Estreia nesta qui. (25) nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Leonardo DiCaprio, Benicio Del Toro, Teyana Taylor

Produção EUA, 2025

Direção Paul Thomas Anderson

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