Velório de Celine, pour Hedi Slimane
Diário da Manhã
Publicado em 23 de outubro de 2018 às 01:06 | Atualizado há 5 meses
De todas as reviravoltas que a moda teve no ano de 2018, a que mais chamou a atenção da mídia e dos fashionistas foi a chegada de Hedi Slimane na Celine, e tudo começou por conta da modificação drástica que foi retirar o acento agudo do nome da marca, dando a entender que muita coisa mudaria dentro da casa.
Não era a primeira vez que Slimane causou um frisson como este. Em 2012, na Yves Saint Laurent, ele mesmo retirou o símbolo da marca, a qual era YSL, e adotou uma linha minimalista, em fonte arial no título lendo-se agora Saint Laurent Paris. Com ele, a marca cresceu gigantemente dentro do mercado de luxo, se estabilizando após anos de crise. E deu certo, justamente por conta do design da marca, criada pelo estilista homônimo, que tinha essa pegada meio jovem de ressaca que se acaba em balada, em um je ne sais quoi chique cheio de brilho, que é semelhante a estética vampírica de Slimane.
Em fato, Hedi é um estilista excepcional, quanto a isso não há dúvidas, mas em sua estréia na Celine ele deixou mais saudade da era de Phoebe Philo que ansiedade para compras de peças. Tudo isso, justamente por ele ser essa pessoa que passa por cima do DNA de uma marca, sem ligar por o que pode falar, e se vitimizando por isso. Recentemente, em entrevistas, ele atacou deus e o mundo pelas críticas negativas, dizendo que é uma espécie de xenofobia mesclada com homofobia pela má recepção que ele trouxe na marca. Isso é meio contraditório, pois na YSL ele foi muito bem aceito, e antes mesmo de ele assumir a Celine, quando já se comentava sobre, as pessoas se mostram ansiosas para vê-lo.
A verdade por trás de tanto desgosto do público é por que simplesmente a coleção dele na marca parece uma continuação da Saint Laurent. Do cenário, passando pelas modelos e a trilha sonora até chegar no pódio, que seriam as roupas e suas combinações. O estilista se justificou para o jornal Le Figaro que diferente da Dior (Homme) e Yves Saint Laurent, a Celine não tem uma carga histórica de design, a qual deu uma liberdade grande para se criar algo “novo” dentro da casa. Mesmo que esse novo signifique uma repescagem no acervo criativo pessoal, e se atualize como releituras lembradas em forma de deboche pelo Instagram de crítica de moda Diet Prada.
O desfile em si, com toda alegoria que acompanha-o por trás, não desapontou pela qualidade, que era única. Assim como Karl Lagerfeld na Chanel, que usa do DNA da própria marca para criar, e não se leva muito por variedades de inspirações criativas, Hedi Slimane segue o próprio DNA clubber para fazer as peças. No apogeu da androginia, com ternos slim com cintura alta marcante, vestidos de babado, poas, couro em excesso, óculos de sol em um olhar misterioso, blusas de renda (aquelas de cenas de velório em filmes, que são digníssimas de prêmios de figurino). Tudo isso mesclado com uma pegada de roqueiro que ele sempre joga para o público, perceptível num modelo que lembrava muito o Kurt Cobain.
Essa apresentação é interpretativa como o velório do estilo antigo que Phoebe Philo tinha consigo de mulher minimalista, discreta e com ótima desenvoltura, o que faz pensar: porque a LVMH (que é a holding por trás da marca) iria mudar brutalmente a linha de produção artística que esteve há uma década na marca? Simples. Aumento de vendas. Se antes, a marca chamava a atenção mais de pessoas mais velhas, agora eles querem colocar ela pra vender para millennials, que gastam mais dinheiro com roupas que ninguém. Uma espécie de concorrência para a própria Yves Saint Laurent, a Kering Holdings. O que é uma jogada clássica: pegar uma marca já existente e consolidada e colocar uma pessoa experiente em jovens para alavancar a marca (exatamente como ele fazia na SL).
Comparando, é muito provável que aumente, mas é unânime a opinião de todos: Hedi deveria ter sua própria marca. Esse estilo de vampiro californiano dele seria perfeito, nesse processo que ele tem de toda curadoria pré, durante e pós produção criativa, de criar uma peça, produzi-la e fotografar cuidando da parte publicitária.
Slimane é um gênio indomável, incompreensível e um pouco pedante. Mas o poder acima da cultura jovem que ele tem é inquestionável assim como o dinheiro que reflexo disso, e por conta de tudo, deveria ter o seu próprio lugar no holofote, sem ficar a sombra de marcas já conceituadas, que o design não é semelhante ao seu.