Internacional

Contra negros e latinos, Trump usa Guarda Nacional e acende alerta de racismo

Léo Carvalho

Publicado em 15 de setembro de 2025 às 09:45 | Atualizado há 13 minutos

Cidades com maioria negra e latina são alvo preferencial de intervenção de Trump | Foto: EPA
Cidades com maioria negra e latina são alvo preferencial de intervenção de Trump | Foto: EPA

Como parte de sua campanha anti-imigração e da repercussão política do assassinato de Charlie Kirk, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem acelerado o plano de enviar soldados da Guarda Nacional a cidades em todo o país como estratégia para combater a criminalidade.

Além do fato de se tratarem de grandes centros urbanos, as cidades alvo do republicano têm em comum o fato de serem governadas pelo Partido Democrata, da sua população ser majoritariamente não-branca, e de todas, sem exceção, serem lideradas por prefeitos negros.

Nas últimas semanas, Trump anunciou ainda uma mega-operação do ICE (o serviço de imigração dos EUA) e envio de tropas à cidade de Chicago, a terceira maior do país, e prometeu enviar a Guarda Nacional a Nova Orleans, Memphis e Nova York, metrópole de quase 9 milhões de habitantes. Antes, havia mandado a força nacional para Los Angeles, medida hoje questionada na Justiça, e para Washington, esta sob argumento de combate à criminalidade, embora os indicadores indicassem queda recente.

Estatísticas

A composição demográfica desses locais contrasta com aquela da média do país. Nos EUA, segundo dados do Censo de 2020, 57% das pessoas são brancas, 19% são latinas e apenas 12% são negras. Em Washington, 41% dos habitantes são negros; Em Los Angeles, 47%, quase a metade, são latinos; e em Chicago e Nova York, a população branca não passa de 31%.

Nova Orleans e Memphis, em especial, são lugares em que mais de 50% da população é negra (em Memphis, 3 a cada 5 pessoas são afro-americanas) e que têm forte tradição cultural e histórica negra: a primeira é conhecida por seu carnaval, culinária e jazz, e a segunda abriga o maior museu do país sobre a luta dos direitos civis nos EUA –foi em Memphis que Martin Luther King Jr. foi assassinado.

Trump afirma, a despeito de dados que mostram o contrário, que a criminalidade está em alta nas grandes cidades americanas e que medidas duras são necessárias para combatê-la –mesmo antes da morte de Kirk, aliados de Trump vinham usando casos como o assassinato da ucraniana Iryna Zarutska, morta por um homem negro na Carolina do Norte, como exemplo disso.

Alcunhas de Trump

O presidente tem usado termos cada vez mais carregados para descrever as cidades que são alvo de intervenção. O republicano chamou Chicago de um “campo de matança” e “a cidade mais perigosa do mundo” e, no último dia 6, disse em uma publicação na sua rede social que a metrópole “está prestes a descobrir porque o nome é Departamento de Guerra”, em referência à recente mudança de nomenclatura do Departamento de Defesa.

Trump também chamou Los Angeles de uma metrópole tomada por “invasores criminais e anarquia” e prometeu “reconquistar” Nova York, “tomar conta” de Nova Orleans e “cuidar dos profundos problemas” de Memphis.

Especialistas enxergam uma narrativa que se conecta com o longo histórico de racismo na segurança pública dos EUA. “Os termos que estão sendo utilizados são problemáticos e beiram os estereótipos raciais”, afirma a criminologista Andrea Headley, professora de Política Pública na Universidade Georgetown, em Washington. “Essa linguagem nos leva de volta a uma retórica utilizada no passado para se referir a comunidades negras e pardas [brown, no original, um termo que nos EUA se aplica a pessoas de origem latina, do Oriente Médio ou do Sudeste Asiático].”

Para ela, o envio de tropas não é uma estratégia eficiente no combate ao crime. “Uma das coisas que os dados nos mostram é que a polícia é mais eficaz quando constrói uma relação de confiança com as comunidades. As pessoas precisam ter a segurança de que, quando ligarem para o 911 [o 190 nos EUA], a polícia vai aparecer, não vai violar seus direitos e vai resolver um problema sem causar danos. Para que isso aconteça, é preciso cooperação. E agora, com as pessoas com medo [da Guarda Nacional], a confiança está se erodindo.”

Violência sem fim

Mesmo com a criminalidade em queda no país, entretanto, algumas cidades visadas por Trump têm problemas sérios de violência. Memphis, por exemplo, tem uma das maiores taxas de homicídio dos EUA, de acordo com o FBI: dados da polícia federal americana apontam um índice de 40 mortes por 100 mil habitantes em 2024 na cidade. Em comparação, a capital mais violenta do Brasil, Salvador, teve 52 homicídios a cada 100 mil habitantes no mesmo ano, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

“Todos os locais mencionados tem um histórico de crime violento”, reconhece Headley. “Mas houve uma melhora nas últimas décadas, em especial graças a programas que financiam organizações comunitárias, intervenções e prevenção de violência, oferecendo emprego estável e atividades para a juventude.”

“Sob o governo Trump, então, vemos que essa verba foi cortada. Se você está removendo apoio e retirando recursos desses programas e depois diz, bem, a criminalidade está fora de controle e precisamos enviar soldados… preciso perguntar se o objetivo é mesmo prevenir a violência”, opina a criminologista.

Para a antropóloga Faye Harrison, professora de Estudos Afro-Americanos da Universidade de Illinois, Trump se aproveita de uma infraestrutura de policiamento que vem sendo construída há décadas nos EUA – com uma política de encarceramento em massa e de detenção de imigrantes culminando na militarização da segurança.

“A separação entre os papéis e funções das polícias locais e das Forças Armadas federais está sendo enfraquecida de maneira sem precedentes. Declarou-se guerra contra todos os supostos inimigos da nação.” (VICTOR LACOMBE/FOLHAPRESS)


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