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OPINIÃO PÚBLICA

Do bombom "Sonho de Valsa"

Criado em 1938, o senhor Sonho de Valsa é o bombom mais famoso e mais importante do Brasil. Esse idoso bombom, é um ícone que permeia o imaginário de gerações.

O Sonho de Valsa tinha sabor, tinha música, tinha encanto, tinha sonho… Abrir o Sonho de Valsa era um ritual. Tinha uma aura, uma mística. A embalagem tinha duas camadas: por cima era um plástico rosado translúcido, que, no centro, tinha o nome do bombom, um violão em cima e quatro casaizinhos trajados de gala dançando ao redor, sendo que nas margens do plástico tinha uma escala musical, referente à opereta “Ein Walzertraum”, traduzida: “Um Sonho de Valsa”, do compositor austríaco Oscar Straus (1870-1954); e, embaixo dessa camada, envolvendo o bombom em contato direto, havia uma película de alumínio. Lembrou-se? Era lindo! Parecia feito à mão. Com cuidado, zelo, carinho. Artesanal e sentimental.

Hoje, abrir esse doce é um enfado. Perdeu o desejo... Um delito o que fizeram com a romântica embalagem do bombom Sonho de Valsa. A minha geração cresceu abrindo aquela embalagem, que era em forma de uma bolota com gravatinha dos lados. Embalagem borboleta… Embalagem sensual… Lasciva… Apaixonada… Como fosse um presente embrulhado… Havia magia… Encanto… Não era só um bombom…

Embalagem que tinha música para abrir. Era toda uma experiência sensorial. Era a atração quase de uma paixão. A gente, em petiz, idealizava o Sonho de Valsa. “Nossa, hoje mamãe vai dar dois Sonhos de Valsa pra cada um!” – isso era uma glória. “Nossa, tem Sonho de Valsa na mesa do aniversário!” – os olhinhos da meninada brilhavam. “Eba! Vovó colocou sonho de valsa no saco de doces do Natal!” – isso quem fazia era vó Célia, uma lembrança linda e indelével da minha criança.

A gente esperava pelo bombom... A gente sonhava com o Sonho de Valsa… Sério: receber um Sonho de Valsa era um momento ansiado, solenemente aguardado pelas crianças e adolescentes (e adultos também) dos meus idos de garoto. E como a gente degustava… Saboreava demoradamente… Querendo que nunca acabasse.

E tinha vários jeitos de comer o Sonho de Valsa. Era motivo de conversas nos mais altos círculos intelectuais. A gente até se perguntava: “Como você gosta de comer o Sonho de Valsa?”. “Ah, eu como inteiro, duma vez. Se não nem sente o gosto!”. Sempre havia desses, pra quem comer devagar era um sofrimento, uma ansiedade, por temer o fim do bombom sem ter outro após sua completa deglutição. Outro dizia: “Ah, não! Eu prefiro comer de mordidas pegando as três camadas duma vez... Que delícia! Bom demais!”. E ainda outro: “Nossa, agora o Pedrim é nojento, viu? Ele chupa todo o chocolate por fora… Depois abre a capinha crocante e come a parte de cima e depois come a parte de baixo… Aí ele vai chupando o recheio até acabar… Eca! Um nojo! Parece que tá comendo o último bombom do universo!”.

Também havia aqueles que mudavam o modo de comer conforme a quantidade de bombons disponíveis: se tivesse só um, demorava-se, degustando. Se houvesse vários, comia-se vorazmente, como num deleite dionisíaco, numa volúpia pecaminosa e glutona, um atrás do outro.

Aliás, ter vários Sonhos de Valsa era um dos luxos da minha geração. Porque era item tão solene, tão quase sacro, que sempre eram contados para todos da família. Na minha época, ostentação era ter mais de cinco Sonhos de Valsa só pra você… Meu amigo, isso era muito chique! A gente se sentia rico! E ter um saco de Sonhos de Valsa então?... Loucura! Equivalente a ter uma Ferrari hoje em dia.

O bombom Sonho de Valsa é símbolo de nostalgia, deixou muitas saudades, marcou muitos momentos felizes de famílias, crianças, amigos e namorados. A propósito, Sonho de Valsa era sinônimo de alegria e de festa. Era sinônimo de confraternização, de celebração e de encontros. Era sinônimo de compartir. Porque ninguém comia um Sonho de Valsa sozinho, ou, pelo menos, ninguém o ganhava sozinho. Era sempre uma mãe, um pai, um avô, uma avó, uma tia, uma mãe de amigo, enfim, alguém de autoridade, de patente maior, sempre saía distribuindo — contados à risca — para as crianças, adolescentes e até para os adultos também. Aliás, além dos infantes, havia sempre adultos que reclamavam de ganhar só um, e pediam mais. Ninguém resistia a essa tentação de pedir mais um. E quando o distribuidor se sensibilizava e cedia ao pleito? Ah, que alegria imensa!

Era também sinônimo de romantismo, claro! Quantos namorados não se ofertavam Sonhos de Valsa nos 12 de junho ou nos aniversários de namoro? Quantos casais de namorados não guardaram uma embalagem de Sonho de Valsa como lembrança do amado? Entre os presentes mais célebres e apreciados: o garoto sempre dava um presentinho qualquer, uma bijuteria, uma roupa, ou nada disso, mas um botão de rosa com o Sonho de Valsa era protocolar, imprescindível.

Ademais disso, comprar um Sonho de Valsa também era um ritual... Levavam-se algumas moedas e se pedia no caixa da venda ou do mercado, que sempre o tinha em bombonieres enormes, daquelas com quatro compartimentos arredondados, que giravam e cada qual tinha sua tampa de rosca, cuja abertura fazia brilhar os olhos da meninada, absorta e vidrada naquele instante mágico, catártico, até o bombom chegar à sua mão e, em seguida, às mordidas.

Ah, e datas comemorativas então, sempre tinha. Dia das Mães, Dia da Mulher, Dia dos Pais, Páscoa, Natal, Réveillon, enfim, como já disse, o bombom era símbolo de celebração. Pensar em louvar o milagre da vida era pensar em Sonho de Valsa.

O Sonho de Valsa era uma sinestesia… Não era só paladar e cheiro... Era ouvir música de gritos de crianças, risos de famílias, sons de alegria… Era toques, era afagos, abraços… Era ver cenas lindas de afeto, carinho, ternura, doce ilusão da vida, felicidade dos instantes fugazes, perenes…

A pretexto de inócua praticidade e de modernismo estulto, depois que mudaram a embalagem do Sonho de Valsa, já há um tempo – ignoro se mexeram na composição mesma do doce, o que também, ao menos, me parece –, mas o bombom pra mim perdeu o sabor… Não mais me atrai em nada. Não me apetece. É só mais um. Não se destaca. Perdeu seu charme, seu brilho. Desdourou-se. Ficou frio, apático, não conecta. Não toca, não sensibiliza, nem sente.

Por favor – suplico, brado, imploro –, empresa que faz o Sonho de Valsa: permitam-nos sonhar de novo com esse bombom – o da minha infância e da de milhões de brasileiros –, esse bombom que é um patrimônio nacional! Esse bombom é história, é cultura, é carinho, é memória, é saudade. Permitam que nos deliciemos com o doce que ia além do chocolate, vestido em roupa airosa, garbosa e onírica, testemunha gostosa dos melhores momentos da vida… Permitam-nos a valsa lúdica da puerícia da minha geração e de tantas antes.

Façam esse bem à sociedade brasileira. Resgatar o bombom seria um toque afável à poesia da vida. Resgatar o Sonho de Valsa seria uma prova de civilização.


		Do bombom "Sonho de Valsa"
Advogado, poeta e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB Subseção de Goiás. Rafael Fleury

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