Opinião Pública

É difícil perdoar

Redação DM

Publicado em 7 de dezembro de 2022 às 15:30 | Atualizado há 3 anos

Estou, no momento, enfrentando as mais de oitocentas páginas de um dos maiores clássicos da universal literatura russa. Trata-se de “Os irmãos Karamázov”, do imortal Fiódor Dostoievski.

Uma das passagens mais relevantes dessa obra-prima ocorre quando os irmãos Ivan e Aliócha debatem o significado do perdão. A discussão entre a racionalidade e o espírito se personifica na intelectualidade de Ivan e na espiritualidade de Aliócha.

No transcorrer do debate, Ivan evidencia a atitude de um general ao tomar conhecimento que uma criança jogou uma pedra ferindo seu cachorro predileto. Reproduzo um trecho.

“O general manda despir o menino. Ah, então foste tu ‒ o general o mede como olhar ‒, peguem-no. Pegaram o menino, tomam-no da mãe, ele passa a noite inteira num calabouço.”

Mais adiante, Ivan descreve o terrível desenlace desse episódio: “o general manda despir o menino, despem o menininho e o deixam no pelo. Ele treme, está enlouquecido de pavor, não se atreve a dar um pio. Nesse momento ordena o general “corre, corre! ‒ gritam-lhe os cuidadores de cães, o menino corre… Peguem-no ‒ gane o general e lança contra ele toda matilha de cães velozes. Ele açula os cães à vista da mãe, e os cães estraçalham a criança!…”

Ante o exposto, Ivan expõe a difícil situação em torno do perdão. O perdão, de fato, ocorreria quando a mãe, “se abraçar ao carrasco que estraçalhou seu filho com os cães e todos os três anunciarem entre lágrimas.”

Mais um exemplo: quem não se lembra do bandido que assassinou o filho de uma mãe que soube perdoar. Fez isso ao visitar, na cadeia, todos os fins de semana, o algoz daquele que ela mais amou no mundo.

Outro belo exemplo de perdão ocorreu com o craque de futebol Dirceu Lopes, que viu seu nome cortado, pelo técnico Zagalo, para a Copa do Mundo de 1970. Passados 50 anos do ocorrido, Dirceu Lopes encontra aquele que representou a maior frustração de sua vencedora carreira futebolística. Sobre o encontro disse ele: “ao cumprimentar Zagalo, já debilitado, pude sentir que meu coração não guardava absolutamente nenhuma mágoa”.

Perdoar não significa esquecer quem nos feriu. Perdoar se alicerça, sobretudo, em não deixar que a mágoa dilacere nosso ser. Quem consegue se alçar a esse patamar espiritual alcança a sustentabilidade da leveza. Quem perdoa se faz à imagem e semelhança do criador.

Pessoalmente, meu eu interior procura aprender o real significado do perdão. Confesso que ainda estou longe desse patamar. Perdoar é difícil, pois requer vencer a si mesmo. Aqueles que conseguem atingir a nobreza desse exercício de amor ao próximo vivem certamente uma vida mais leve, feliz e em comunhão com Deus.

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