“100 milhões por 100 milhões”
Redação DM
Publicado em 18 de junho de 2017 às 01:26 | Atualizado há 8 anosA Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, que tenho a honra de presidir, realizou, nesta semana que passou, um evento duplamente significativo: o debate sobre a Semana de Ação Mundial, pelo direito à educação, e, simultaneamente, a campanha “100 milhões por 100 milhões”, que assinala movimento internacional de combate ao trabalho infantil e à exclusão escolar.
A importância do evento foi ampliada pela ilustre presença do ativista indiano Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz em 2014, compartilhado com a jovem Malala Yousafzai, pela luta contra a supressão das crianças e dos jovens e pelo direito de todos à educação.
Kailash é o idealizador da iniciativa global “100 Milhões por 100 milhões”, que busca a união de forças para o combate ao trabalho infantil em todo o mundo.
O lançamento dessas iniciativas globais de combate ao trabalho infantil, e pela inclusão educacional, vem ao encontro de esforço considerável do Brasil nessa direção.
O tema do trabalho infantil me é particularmente caro. Ao longo de minha trajetória na vida pública, tenho dedicado muitos esforços em assuntos sensíveis da área social, como é o caso do trabalho infantil.
Dentro desse contexto, gostaria de lembrar o lançamento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI- em maio de 1996, época em que eu exercia o cargo de Secretária Nacional de Assistência Social no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
O PETI é um programa muito elogiado até hoje, tendo sido premiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF –, da ONU, quatro vezes no seu segundo ano de funcionamento.
No dia 12 de junho celebramos, no Brasil, juntamente com a comunidade internacional, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. Este dia foi instituído no Brasil por um projeto de lei de minha autoria, que se transformou na Lei nº 11.442, sancionada em 2007.
Segundo informações da Organização Internacional do Trabalho referentes a 2015, havia, em todo o mundo, 168 milhões de crianças com menos de 15 anos que trabalhavam.
No Brasil, a tendência de participação das crianças no mercado de trabalho é de queda. Isto ocorre, basicamente, pelos programas de proteção social criados nas últimas três décadas, que ajudaram a reduzir a desigualdade.
Em 2008, de acordo com informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do IBGE, a proporção de crianças na faixa de 5 a 15 anos que trabalhavam era de 5,83% do total, configurando 2,2 milhões de indivíduos.
Em 2013, em razão do esgotamento do crescimento econômico da década anterior, a mesma pesquisa registrou ligeiro avanço na presença de crianças no mercado de trabalho. Na faixa etária de 5 a 17 anos, foram registradas 3,3 milhões de crianças que trabalhavam. Destas, 500 mil tinham menos de 13 anos. A maior parte, em torno de 62%, trabalhava no campo.
Em 2015, por sua vez, o levantamento do IBGE apontou 2,6 milhões de crianças participantes do mercado de trabalho.
Um fenômeno recente capturado pela PNAD, do IBGE, é o crescimento do trabalho infantil na agricultura. Foram registrados aumentos tanto em 2014, quanto em 2015. Reportagem publicada na edição do Valor Econômico do dia 12 de junho último, repercutiu o tema a partir de um estudo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos – Abrinq.
De acordo com o estudo em questão, a pesquisa domiciliar do IBGE capturou maior incremento de crianças que trabalham na faixa etária de 5 a 9 anos. Esse fenômeno guarda relação com as dificuldades de identificação, prevenção e combate da participação das crianças mais novas no trabalho agrícola.
Apesar da maior proteção social existente hoje no Brasil, o incremento verificado na participação de crianças mais jovens no trabalho agrícola pode ter como uma das causas a crise econômica sem precedentes que atinge o país.
Isso reforça a necessidade de a classe política e os gestores públicos promoverem aperfeiçoamentos contínuos nas políticas sociais. A condução da política econômica não pode ficar dissociada dos programas sociais, de modo que possa ser garantida proteção aos que mais precisam em momentos como o atual.
O Brasil continua a exibir indicadores sociais muito ruins para o nosso padrão de renda. Como bem disse o Professor Naércio Menezes-Filho, em entrevista publicada na edição do Valor Econômico do último dia 8 de junho, a desigualdade está no centro da causa de grande parte dos problemas do país.
Ainda segundo o Professor Naércio Menezes, a eleição de 2018 representará um momento crucial diante dos escândalos recentes de corrupção. As propostas sociais nas áreas de saúde e educação necessitam da mesma ênfase que as propostas econômicas.
Os números anteriormente citados e a situação crítica em que o país se encontra exigem nossa reflexão. O momento atual é propício para definirmos o rumo que queremos dar ao nosso país. Nessa linha, é fundamental continuarmos a trabalhar para reduzir a desigualdade de oportunidades, um dos mecanismos mais perversos de transmissão da pobreza para as gerações futuras.
Faço, pois, um convite ao engajamento na Campanha “100 milhões por 100 milhões”, que visa mobilizar 100 milhões de pessoas no mundo todo, especialmente os jovens, para lutar pelos direitos de 100 milhões de crianças que vivem em extrema pobreza, sem acesso à saúde, à educação e à alimentação, em situação de trabalho infantil.
(Lúcia Vânia, senadora (PSB), presidente da Comissão de Educação do Senado e jornalista)