Iram Saraiva ,Especial para Opinião Pública
De repente, tudo virou crime. Não menos que de repente, todo mundo virou bandido, para dizer o menos. Não escapa ninguém e nada. Não existe mais a visão do bem. O honesto ficou com vergonha de ser honesto e deixou de ser honesto. O mal se apoderou do bem e a virtude, com vergonha de ser virtude, não mora mais na Vila e não tem onde ficar.
Há quanto tempo não se tem notícia de reconstrução do indivíduo? Sem nenhum exagero, pelo que estudei em História, essa constatação remonta aos idos do pré-aparecimento do homem pelo solo, solo, aliás, que ele já degradou. Um sujeito que faz cocô em tudo. No meio ambiente, no próprio comportamento, na ciência e na fé. Que capacidade de destruição!
Para não ser diferente em nada da espécie, quem veio morar na Vila Brasil faz a lição de casa com perfeição. Mata, desmata, e não constrói. Um filho exemplar de Adão e Eva que já nasceu expulso do Paraíso.
Vivemos no lugar onde a bala não é perdida, porque ela sempre acha alguém. Onde a propriedade passou a ter como dono o amigo do alheio. Onde a cadeia é em casa para que a liberdade seja o trânsito do bandido na rua.
Não há como, com tantos e tais predicados, um povo ter governo diferente do que ele mesmo é. Seria a verdadeira inversão de defeitos.
Se na vida pessoal cada qual quer o seu, não interessando de onde venha, da mesma forma pensa quem governa, porque é farinha do mesmo saco. Se você acha que vender o voto é normal, quem comprou igualmente acha que receber pelo que comprou também é. Aí, não tem protesto que dê jeito.
A impressão que me dá, é a de que estamos todos dentro de uma delegacia de polícia. Tudo sendo investigado. Indícios para todos os lados, e o delegado morrendo de medo de que o delatem porque está de posse, e usando, o carro que apreendeu de um preso. Uma comédia!
E o grande achado?: a delação premiada. O crime como instrumento para desvendar o crime. Fico pasmo. Ver a Constituição de 1988, da qual fui um dos escribas, jogada no chão da Delegacia da Vila Brasil, justo ela que não premia a “ética” do criminoso delator, ou seja, a prova obtida por meios ilícitos.
É... ainda há algo de podre no reino da Dinamarca.
Quando vai chegar o tempo do fim dos hipócritas e fariseus, my God?!
(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União)