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OPINIÃO

Lixo psíquico: inferno

As ruas vazias e silenciosas parecem conseguir dizer mais da vida do que eu próprio e todos os livros. Os pernilongos nas lâmpadas buscando a morte. Um cachorro sábio e sujo e solitário deitado no chão me olhando como pedisse perdão por explicar o futuro o presente e o passado. Tudo de fora era calmaria. Calmaria que sufoca quem espera uma simples resposta ou qualquer outra coisa que o tempo ainda não deu e que a vida esconde com um sorriso sarcástico e sacana sussurrando “Você esteve quase lá, mas, não”. O silêncio grave e pesado. Atormentador. Contra-ponto entre o barulho e a frenesi dos pensamentos e batidas aceleradas do coração que doía naquela suposta simples caminhada entre a sua casa e a minha. Perda de fôlego, escrita sem vírgulas. Desespero. Uma esquina então, e eu conheci o inferno. Não há fogo no inferno. Não há demônios nem chicotadas só há o nada e o desamparo e a solidão de ruas vazias e silenciosas. O inferno é o pedaço do que a vida não diz e é o que dói sem se saber o porquê. É espera calma e sem movimento acompanhada da melancolia que corre nas veias e o desespero travestido em inércia. É um calma louca. O inferno era ali, naquele momento onde nada nem um cigarro nem um beijo nem um abraço ou juras e choros ou álcool se valeriam como indicativo de esperança. O inferno é uma prisão temporal onde o tempo obviamente não passa e parece que nunca vai voltar a passar, é a condenação de viver e sentir o momento por uma eternidade onde nem as lágrimas conseguem cair e onde não há palavras que poderiam traduzir o que se passa. Desesperado e sem saber o que fazer com aquela calmaria toda do mundo me ajoelhei ao lado do cachorro abandonado e me sujei com a terra solta. Me sentei. O céu parado. Inerte. As estrelas a lua as plantas e o cachorro parados. “Que bosta é essa?” Era esse o segredo? O movimento é o sofrimento?  E se o desejo é o que movimenta a ausência de desejo seria a solução? Deveria eu percorrer o caminho dos sete para nirvana? “O mundo é sofrimento, e o sofrimento é por se desejar”. Talvez se eu não desejasse tanto ou se eu não amasse mais. Talvez. O cachorro sábio repousou sua cabeça no meu colo e suspirou quase dizendo “Pare de pensar seu humano tolo, não se mova”. E eu sosseguei meu corpo relaxando meus braços e ombros e pescoço. Deitei-me na terra no meio da rua abraçando aquele cachorro magro e observando os pernilongos na lamparina morrendo no movimento ao objetivo de seus desejos ao se queimarem no calor da luz e eles não paravam eles não desistiam e me lembravam toda a raça humana e eu. O cachorro me olhou nos olhos e depois os fechou. Fechei os meus e antes tivesse me queimado até a morte no fogo do inferno sob mil chibatas cravejadas com espinhos venenosos, mas, no inferno não há fogo, nem chibatadas, só vazio e silêncio e o nada. O inferno é a ausência de sentidos e sentimento que atravessa a carne. O inferno é a falta em seu estado bruto.

(André P. Duarte,escritor e blogueiro)

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