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OPINIÃO

Rebatendo críticas que recebi sobre meu artigo acerca da psiquiatria apontando para a existência de um mundo espiritual

No meu artigo aqui do DM da última terça, falei de alguns estudos médico-psiquiátricos que apontam para um indício de existência do mundo espiritual. Recebi inúmeras críticas, algumas simples xingatórios, outras mais pertinentes. Reproduzo algumas destas últimas abaixo:

Leitor 1: Sou bastante cético em relação ao “mundo espiritual”. Prefiro chamar até de “estado de espírito” ou mesmo “saúde mental”, sem misturar com o abstratismo de coisas não materiais como alma, deuses, anjos (...). Até agora, já li diversas publicações de supostas “comprovações” que, na verdade, não passavam de suposições.

Leitor 2: Deve ser verdade, pois para acreditar nisso só estando possuído.

Leitor 3: Não prova nada, só bláblá-blá e pseudociência.

Leitor 4: Marcelo, estas “mediunidades” não são, muitas, frutos de “doença mental”?

Eu , Marcelo, respondo: A postura do médico psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, maior autor dos trabalhos citados, é extremamente cientifica, pude comprovar neste último fim de semana, quando o sabatinei e teci algumas criticas por horas e horas. Ele, além de ser um verdadeiro genio (no meu modo de pensar) é muito humilde e extremamente aberto a críticas. Me pediu o tempo todo que criticasse e criticasse com tudo. Sua postura é científica. Ele não está “descobrindo a roda”; como todo cientista, suas observações são pontuais. Por exemplo, por meio de spect-pet (exames de medicina nuclear) constatou que a escrita psicográfica do médium tem diferenças neurofisiologicas consideráveis em relação à escrita do não-médium. (ou seja, do médium fora do transe mediúnico). Descobriu também que os médiuns não são doentes do ponto de vista psiquiátrico (não mais do que a população geral, pelo contrário, até menos). Examinou quase uma centena de médiuns por meio de exame psiquiátrico,  clínico e com escalas estatísticas, critérios validados  (DSM, Cloninger, etc): descobriu que os médiuns tem uma personalidade até mais equilibrada do que a população geral, isto com exames, testes, estatística. São dados que nao “estão descobrindo o espírito”, mas sao pesquisas sérias.

Eu mesmo já fiz estudo eletroencefalográfico  de dez  mediuns e constatei que seu funcionamento é difernete de pessoas em transe hipnótico. Eles, os médiuns, tem um cérebro com mais simetria de funcionamento. Vou explicar isto: no transe hipnótico (pessoas normais sob hipnose) há mais funcionamento do hemisfério direito e menos do esquerdo. No médium há uma ativação dos dois. Isto também são dados científicos, interprete-se como queira... Médiuns muito competentes, inclusive, como Chico Xavier, dão mostras de um cérebro menos assimétrico, menos polarizado. São cerebros mais “feminizados”, pois na mulher a “razão do hemisferio esquerdo” é mais contrabalanceada pelo funcionamento  emotivo, intuitivo, aberto para o mundo, do hemisfério direito. E Chico, assim como outros médiuns, tem um grau de feminização psicológica alta. No cérebro masculino, o hemisfério esquerdo, em tarefas racionais, funcionam “mais” do que o direito (ou seja, há mais assimetria). Já no médium, há um funcionamento simétrico dos dois, ou seja, há tanto um funcionamento “racional” (a atividade que ele produz, psicografia, é “racional”)  quanto um funcionamento do hemisfério direito (que é o hemisfério que capta mais o mundo circundante, o mundo do outro, o “mundo do espírito”, o “mundo de fora”). Nas mulheres também há uma tendência para ter mais simetria entre hemisferio esquerdo e direito, por isto há mais mediuns mulheres ou entre homens com grau de feminização alto. No transe mediunico haveria funcionamento, então, de dois cérebros, o do indivíduo, racional (esquerdo) e do outro (do espírito comunicante), o cérebro direito. São constatações, não invenções. É claro que são interpretações, assim como há outras interpretações. A plausibilidade das hipóteses também baseia-se em outros dados da existência da vida espiritual, por exemplo, os dados advindos da psicografia de Chico (estudada por cientistas literários, p.ex., Alexandre Caroli), a existência de fenômenos de efeito físico (materializações, telecinesia, etc). Portanto, é um “corpus” de conhecimentos que não é muito simples de destrinchar. Mas é sério, para muitos que o querem levar a sério e o fazem com seriedade, como é o caso do Alexander Moreira-Almeida e toda sua equipe.

Leitor 5: Quando leio esse tipo de ciência sinto que Carl Segan vira no túmulo.

Eu, Marcelo, digo: Continuando, indivíduos normais, não-médiuns, sob hipnose comum, ou estados dissociativos, têm uma ativação maior do hemisferio direito (trabalho de D. Spiegel, ver p.ex., em Talbott, Tratado de Psiquiatria Clínica, Artmed), e uma desativaçao relativa do hemisfério esquerdo. Com os médiuns fidedignos não acontece isto, mostrando que, pelo menos, não é um processo hipnótico comum. Nos médiuns há uma ativação igual dos dois lados, potente também do lado esquerdo, talvez indicando que há “dois espíritos usando o mesmo cérebro”, ou seja, o espírito externo usando o cérebro direito (que é o cerebro aberto para o mundo) e o próprio médium usando seu cérebro esquerdo à toda. Esta utilização do hemisferio esquerdo no transe mediúnico verdadeiro também não é encontrada no indivíduo normal quando em transe hipnótico e nem mesmo no médium quando fora de seu transe mediúnico. Portanto, é algo, no mínimo, “misterioso”. Estes achados e discussão são do meu trabalho e não do Alexander.

Quanto ao leitor que pergunta se os médiuns não seria doentes.  O que você evoca, caro colega, é a “teoria da loucura espírita”, muito em voga na França da segunda metade do século XIX, abraçada por muitos psiquiatras de escol. Segundo esta teoria, a totalidade dos fenomenos ditos espíritas (mediúnicos) seriam fruto de alguma patologia mental. O assunto que abordas é de tamanha profundiade que estou preparando um livro sobre isto (psiquiatria da religiao, ed. Sparta), não dá para discutir aqui. Mas vou tentar resumir o máximo.

De fato, a religião, a religiosidade, está sobre-representada na patologia mental. Tenho estatísticas soobre isto, em nosso serviço de psiquiatria (hospital terciário): 65% dos pacientes são evangelicos, 25% católicos, 10 % espíritas. De certa forma segue, analogicamente, qualitativamente, a representação destas religioes na população geral.

Assim como o corpo (anorexia, dismorfofobia, automutilações) está sobrerepresentado na patologia mental de adolescentes, a religiosidade também o está na patologia mental dos adultos.  E, para começar, portanto, isto não é, portanto, apanágio do espiritismo.

Tive, p.ex, um paciente internado, um teólogo protestante muito famoso, muitissimo competente, cuja obsessão (toc) envolve questões religiosas sérias, p.ex., ele tem de estudar a biblia numa versão grega, latina, hebraica, francesa (calvino), alema (lutero).

A obsessão dele cavalga o que o teólogo alemão Rudolf Otto chamou de “sentimento do sagrado”, aquele sentimento de paz e tranquilidade de consciência por estar “seguindo o fluxo das Leis de Deus”. Portanto, a um sentimento normal (muitas pessoas normais tem isto) ajuntou-se uma patologia emotiva (a obsessão). Isso mostra como problemas mentais podem cavalgar algo sério (religião), assim como também cavalgam outras áreas da vida humana (sexo, alimentação, relações sociais, etc). Então, não é por uma pessoa ser doente e ter sintomas religiosos que podemos facilmente assimilar a ideia de que a religião leva à doença. Isto é um reducionismo perigoso.

Quanto aos fenomenos espíritas, tanto o trabalho do professor Alexander Moreira-Almeida ( tese de doutoramento) assim como o meu (análise de EEG de 10 médiuns), que é infinitamente mais modesto, foram bem cuidadosos ao afastar doença mental. Aplicamos questionários, escalas clínicas, exame psiquiátrico bem feito. Eu, modestia a parte, já tenho 35 anos de psiquiatria muito bem vividos... Sei muito bem separar uma dissociação-conversão-despersonalização-estado segundo-crepuscular-bipolar-psicótico-Cotard-Síndrome de Anton-Babinski- Estados-de-heminegligencia-anosognosia, de um fenômeno mediúnico genuíno. Então , caro leitor crítico, me desculpe, mas neste aspecto tenho muita experiência e técnica para lhe dizer, simplesmente, que está querendo “ensinar o Padre-Nosso-ao-Vigário”.

Tanto o trabalho recente (spect) do Alexander como o meu, não têm a “pretensão megalomaníaca” de provar “espírito nenhum”. Estou aqui, humildemente, colocando hipóteses, justamente para serem avaliadas e criticadas, assim como toda boa postura científica tem de ter. Segundo o filósofo da ciência K. Popper, o que caracteriza uma verdadeira postura científica é a capacidade do cientista de submeter a hipótese à falsificação, à intensa crítica, à intensa auto-crítica, e é isto que estou fazendo aqui.

Nosso trabalho mostra apenas que o fenômeno mediúnico não é “pura simulação”, não é “pura hipnose”, não é “dissociação histérica”, não é “conversão patológica”. É algo diferente, e os instrumentos científicos mostram isto. E este “algo diferente” implica numa provável (e interessente) mudança nas assimetrias encefálicas envolvidas nas atividades mentais lógico-cognitivas comuns e naquelas hipnóticas. No caso do trabalho do Alexander, mostra-se que o fenômeno é diferente da escrita normal do próprio médium e é diferente de outros provaveis fenômenos hipnótico-dissociativos em pessoas sob hipnose não-mediúnica.

Quanto aos “fenômenos espíritas” propriamente “inexplicáveis”, que são outra fonte de evidência da vida após a morte, eu, pessoalmente, a quem possa interessar, já vislumbrei, entre eles, comunicação espiritual por meio de efeitos físicos, ou seja, comunicação espiritual por toques audíveis, sem outras pessoas presentes, sem fenômenos hipnagógicos-hipnopômpicos-alucinatórios-dissociativos. Somando-se os dados da mediunidade do Chico, entre outras, dados coligidos por cientistas “materialistas”, como Ch. Richet, O. Lodge, F. Zieller, Aksakoff, C. Lombroso, M. Curie, C. Flammarion, etc, e vários outros documentos que já tive oportunidade de estudar (por ex. as materializações de Peixotinho em Pedro Leopoldo), há, no mínimo um corpus coerente de dados, nada delirantes ou patológicos. Podem ser equivocados, mas são bem consistentes. Como dizem muito bem os italianos: “Se non è vero, è ben trovato” (“pode até não ser verdade, mas que é bem urdido, isso é...”)

O que publiquei  aqui, em resumo, até agora, são fatos científicos que têm mostrado que a atividade mediúnica de alguns médiuns não se enquadra, do ponto de vista neurofisiológico, com aquilo que a psiquiatria já constatou em pessoas normais, sob transe hipnótico, ou em casos patológicos de “personalidades múltiplas”, dissociação, conversão, epilepsia psicomotora, psicose, distúrbio factício, crises parciais simples , estados segundos, equivalentes ou auras, status crepuscularis, estado de mal parcial, transtorno de transe e possessão. O que se mostra aqui, e não foi infirmado com dados (e sim não-científicas petições de princípio) é que a neurofisiologia dos médiuns não é patológica, não é normal, é algo “diferente”.

E este, repetindo, é apenas uma milésima parte de outras evidências de existência de um mundo espiritual. Os estudos do cientista literário Caroli, também citados no meu texto, mostram detalhes técnicos (exatamente esta “técnica” que estão aqui pedindo para o médium) completamente inacessíveis para quem não é um expert na área (como era o caso do Chico Xavier, adolescente paupérrimo, quarto ano primário, arrimo de família, trabalhador braçal do dia inteiro, etc). Leiam um pouco da tese de Caroli, versando sobre a extrema tecnicidade de alguns (basta estudar um deles) dos versos psicografados por Chico (p.ex., alexandrinos, duodecassílabos, redondilhos maiores, tetrassílabos, eneassílabos, talhos estróficos com alternância de metros, etc. etc). Ou seja, detalhes extremamente técnicos , que são reproduzidos pelo médium , em cada poeta, mais de cem poetas, de acordo com a estilística e o conteúdo próprios. Isto é apenas mais um tijolinho no castelo das evidências que nos fazem pensar. Mas ao invés disto, é muito mais fácil meter a marreta e destruir tudo...

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra. Escreve as terças, sextas, domingos)

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